Não se dá o crédito devido a Casa do Dragão por ter conseguido reanimar a sua base de fãs depois do final decepcionante de Game of Thrones. A série prelúdio alcança isso ao focar no novelesco; as intrigas de efeito rápido, focadas no escândalo, que antes ficavam meio envergonhadas dentro da fórmula de alta fantasia de GoT, vêm mais à tona para atender não a uma demanda do fã mais tradicional de épicos e sim daquele grande público cujo hábito de consumo migrou da TV aberta para o streaming.
A esse público - que engloba eu, você e a maioria das pessoas que repercutem séries com memes nas redes sociais - chamaremos aqui de noveleiro por uma falta de definição melhor, e depois de ver Casa do Dragão ele agora abraça a segunda temporada de The White Lotus.
Não havia no trabalho do roteirista e diretor Mike White uma necessidade de correção de rumo como aconteceu com GoT. Ainda assim, a expectativa pelo ano dois da série de antologia poderia ser sufocante, depois dos prêmios que The White Lotus conseguiu no Emmy por sua primeira temporada. White manobra em torno dessa expectativa fazendo como Casa do Dragão: abraçando o novelesco “memeável”, sob o pretexto de que o cenário estereotipado de um balneário italiano se presta melhor às baixarias de uma novela do que os resorts havaianos.
O ajuste não descaracteriza a série, pelo contrário. A primeira temporada já funcionava em torno de variações de culpa burguesa, hipocrisia e pulsões do verão; a segunda apenas parece aderir de forma mais despudorada a esses temas. Há perdas e ganhos: falta à equipe do hotel uma figura que faça a função de coro grego como o possuído Armond executava no ano um (a gerente Valentina está envolta demais no próprio drama da sua sexualidade para ser essa comentarista externa); em compensação, sobram cor e sabor às personagens que transitam muito à vontade entre o cinismo e a graça, como Harper, Lucia e especialmente Daphne, estrela discretíssima e lastro dramático desta temporada.
Por mais que alguns personagens ofereçam mais espaço para se transformar dramaticamente ao longo dos episódios, não é uma série projetada para durar; a segunda temporada tem apenas um episódio a mais do que a primeira e mesmo nessa leve prolongada alguns conflitos parecem enrolados até o limite (como aquele envolvendo os amigos de faculdade que faz de Ethan um paquiderme sonso por meia-dúzia de episódios). As situações de enfrentamento são administradas a conta-gotas para fazê-las render até o clímax, e não por acaso os melhores episódios são o quinto e o sexto, antes do clássico finale apaziguador de novela.
Tudo isso vem no pacote, que a exemplo da maioria das sátiras burguesas da HBO se equilibra entre escandalizar-se com o sexo e explorar esse mesmo sexo com um certo “sensacionalismo de bom gosto”. Onde The White Lotus parece patinar é nessa necessidade de revestir seu novelesco e sua vulgaridade com o bom tom dos comentários espirituosos. Então Mike White aproveita toda oportunidade para cortar a câmera para o vulcão em erupção, o mar revolto, as pinturas na parede ou as benditas esculturas de cabeca, metáforas distribuídas sem economia e sempre de forma muito literal para associar os desencontros dos hóspedes com toda a Condição Humana.
Nesse sentido, as conexões que a temporada traça com o cinema italiano - como as tentativas de emular Michelangelo Antonioni, tanto na coloração das cenas noturnas quanto literalmente na reencenação de A Aventura (1960) quando Harper visita Noto - se prestam também a cobrir o novelesco com uma pretensa sofisticação. Isso não altera em nada a consistência dramática de The White Lotus e a consequência mais efetiva do easter egg cinefílico é fazer bombar um pouco mais os tuítes sobre a série.