Quando o reunion de Will & Grace foi anunciado – lá naquele confuso período eleitoral nos EUA – a reação do mundo ao reencontro não deixou só os atores impressionados: a NBC, responsável pelo projeto, percebeu que nesse mar de retornos promovidos pela TV, valia a pena arriscar na volta de uma de suas comédias mais respeitadas e bem sucedidas. A hora parecia perfeita, já que o elenco se relacionava em ótimos termos e parecia orgulhoso da atenção recebida pelo esquete de apoio a Hillary. A Sra. Clinton perdeu, mas a série ganhou.
Criada por Max Mutchnick e David Kohan, Will & Grace ficou no ar entre 1998 e 2006, ganhou mais de uma dezena de prêmios Emmy, alguns Globos de Ouro e mais importante: entrou para a história como uma sitcom que ousou falar de homossexualidade de uma forma extremamente honesta, que ousou ter personagens totalmente amorais (em contraste com a ingenuidade de Friends, no ar na época) e fez isso com um elenco e um texto que funcionavam perfeitamente. Eric McCormack, Debra Messing, Megan Mullally e Sean Hayes – os astros – se eternizaram na cultura pop como poucos atores conseguem fazer.
A grande dúvida, no entanto, estava na relevância desse retorno. A comédia terminou no seu auge, por uma decisão conjunta; e arriscar voltar para fracassar era preocupante. O maior erro cometido por alguns desses revivals era demonstrar uma cristalização no tempo, uma incapacidade de colocar seus personagens e sua trama numa perspectiva contemporânea, tentando fazer funcionar uma linguagem que não se comunica mais com o espectador atual. Por sorte,Will & Grace fez muito bem a sua lição de casa.
Will & Grace & Jack & Karen
A primeira missão era apagar da memória do público o equivocado final (entenda) e recomeçar. Os criadores optaram por fazer piada com isso e transformaram tudo num “pesadelo sem sentido” que foi superado em segundos. Mas apenas o final foi esquecido. Há – ainda bem – um grande senso de continuidade. Todos os eventos de até o penúltimo episódio ficaram consolidados, o que resultou em ótimas participações especiais.
Sem precisar se preocupar em levar adiante os impropérios daquela finale, os criadores puderam pensar com cuidado em como aqueles personagens estariam no mundo de hoje, tantos anos depois do fim, precisando lidar com questões contemporâneas que são incisivas na rotina de cada um. Não se poderia contar as mesmas histórias, ainda que a atmosfera, a mágica da coisa toda estivesse ali. James Burrows, o diretor de todos os episódios, também estava de volta e para garantir isso.
Dramaturgicamente falando, a estrutura foi mantida: Will e Grace moram juntos ainda, estão solteiros e desesperados, cada um com seu casamento fracassado. Mas, para dar um novo gás aos roteiros, eles agora também trabalham juntos. Jack continua tentando ser ator, mas agora também está interessado em monogamia. E Karen mantém seu casamento com Stan, mas precisa lidar com duas grandes mudanças: a vitória festejada de Trump (o que rende ótimos momentos) e a perda de uma pessoa muito próxima. Como é típico de uma sitcom, quase nada acontece para mexer com essa base, mas a série ganha quando coloca os personagens em situações-limite que se relacionam diretamente com o mundo de hoje.
Ao lidarem com o tempo, com a velhice, com a opressividade da internet, com a política, Will & Grace provoca uma sensação de que nunca saiu do ar e que está falando exatamente de tudo que é importante e vigente. O universo gay ganhou um olhar mais crítico, menos hedonista, sobretudo por que Will e Jack se tornaram “daddies” e consequentemente, à margem da hipersexualização da comunidade. E o mais impressionante é que não só o texto continua afiado, a direção continua surpreendente, como também as atuações do quarteto principal são seguras e sagazes. Na sua tradicional capacidade de emocionar em meio ao ridículo, a série presenteia os fãs com episódios tão bem estruturados que se tornam comoventes.
Os resultados da audiência foram igualmente positivos e já mais duas temporadas estão garantidas (com 18 episódios cada uma). A moda dos revivals frustrou muitos fãs ou apenas serviu à saudade de outros. Já Will & Grace realizou um feito único: esse não parece um revival, porque, por definição, precisaria estar “revivendo” alguma coisa. A série parece nunca ter saído do ar, é mais relevante e necessária que nunca, o que para quem já conhecia a mágica dos quatro amigos, é um orgulho imenso e incomparável.