Por todo o esforço que Jeff Davis fez para informar o público que sua nova série, Wolf Pack, é uma história separada da anterior, Teen Wolf - apesar de o Paramount+ vender a estreia da produção quase inteiramente em conjunto com a de Teen Wolf: O Filme -, é difícil não considerar uma a partir da lente da outra. Isso é especialmente verdade na metade final desta primeira temporada, quando o plot se acelera e Davis, talvez se sentindo mais à vontade naquele universo, volta a confiar nos cacoetes que se tornaram a marca registrada de Teen Wolf.
Vide a longa cena de pesadelo que abre “Lion’s Breath” (1x07), com o protagonista Everett (Armani Jackson) delirando uma série de situações tensas envolvendo os corpos de seus amigos mortos e um lobisomem fora de controle. Sob o comando do diretor Christian Taylor (que também assinou episódios de Teen Wolf) e da montadora Larissa James, a série ganha um ritmo fragmentado que reflete bem a lógica dos sonhos, editando os movimentos dos personagens de um canto para o outro dos cômodos onde se encontram, e alternando entre planos e contraplanos de forma brusca para desorientar o espectador.
Esse é também, indiscutivelmente, o melhor momento de toda a primeira temporada de Wolf Pack. Além da destreza técnica, a cena revela que, com a liberdade do streaming, a série está disposta a apostar em imagens sangrentas, macabras e incômodas que Teen Wolf, em suas amarras de MTV, provavelmente não poderia colocar no ar - e revela, por consequência, que a equipe por trás da série tem talento genuíno para o horror.
Pena que, durante boa parte dos oito episódios que compõem este primeiro ano, a Wolf Pack das ideias visuais ousadas e descompromisso narrativo exemplar fica escondida por trás de uma tentativa de convencer como série adolescente “séria” (o que quer que isso signifique para uma produção tão descolada das Euphoria’s e Generation’s do mundo). Isso porque Davis se esforça para conectar a história de Everett e seu grupo de amigos-lobos, transformados em meio ao caos de um incêndio florestal gigantesco em sua cidade, com um discurso socioambiental frustrantemente superficial.
É quando desapega de ser uma história “sobre o rompimento entre os humanos e a natureza”, ou qualquer que fosse o discurso da campanha de imprensa da série, que Wolf Pack encontra sua verdadeira vocação narrativa: na mesma veia de um Possuída, e com muito mais ousadia do que Teen Wolf, ela traça paralelos entre a puberdade e a licantropia, brincando com o limiar entre o desejo de transformação que é inerente à mentalidade adolescente e a inevitabilidade dessa mesma transformação (ainda que nunca exatamente da forma que desejamos).
Mas isso - e qualquer outro ensaio de substância que a série faça - é só detalhe. O verdadeiro propósito de Wolf Pack, como entretenimento, é desfilar besteiras divertidas como as que são ditas e encenadas em “Incendiary” (1x05) e “Afterparty” (1x06), os episódios que acenam pela primeira vez para uma quebra da seriedade que sufoca o início da série. Jogando os protagonistas adolescentes em uma festa à beira da piscina e deixando os hormônios - e os entorpecentes - darem vazão a diálogos esplendidamente estúpidos, Jeff Davis e cia. quase (quase) conseguem nos convencer de que Wolf Pack sabe se divertir.
Nesse contexto, pouco importa se o elenco jovem deixa muito a desejar, se os romances ensaiados pelo roteiro (um em especial, não vamos mentir) passam longe de convencer, ou se o esforço dramático tipicamente valoroso do nosso Rodrigo Santoro é jogado pelo ralo em meio a uma série que tenta desesperadamente negar a própria identidade. Quando Wolf Pack se torna Teen Wolf 2.0, completa com uma mitologia inovadora mas absurdamente confusa e cenas de delírio francamente mais interessantes do que todo o resto da série, ela parece encontrar a tração que tanto faz falta nos primeiros capítulos.
O ritmo que ela assume é o ritmo quase aliviado de uma obra que parou de fingir uma profundidade inexistente e finalmente abraçou o valor do intrincado discurso histórico do gênero em que se encontra. Com um final cheio de potência subtextual, resta saber se Wolf Pack aprendeu a lição ou, em uma possível segunda temporada, vai continuar tentando nos enganar com sua pseudomaturidade.