Se Yellowjackets fosse, de fato, a série que é vendida para ser, ela não seria metade do que é. Dos materiais promocionais do Showtime/Paramount+, passando pelo discurso cultural em torno de Yellowjackets, tudo aponta para o tipo de thriller com inferências sobrenaturais que consagrou Arquivo X e Lost no imaginário popular. E é verdade que a série brinca com a possibilidade do desconhecido nas vidas das suas protagonistas, mas basta assistir aos episódios dessa segunda temporada (ao invés dos recortes nas redes sociais) para ficar claro: em Yellowjackets, o mistério é só isso mesmo, uma brincadeira.
Uma brincadeira levada a sério, claro. Nesse segundo ano, a série se esbalda na missão de dilatar os limites do que é aceitável dentro do exercício de gênero na TV americana, mas cada passo adiante que a trama dá no território do horror está ali para respaldar, comentar ou realçar, por meio do choque tonal, os momentos dramáticos mais densos da temporada. Logo, se a jovem Shauna (Sophie Nélisse) tem um pesadelo particularmente sangrento, você pode contar com Yellowjackets para segui-lo imediatamente com o momento mais secamente traumático de toda a série - uma cena escrita, dirigida e atuada com economia dramática quase cruel.
A segunda temporada começa de onde a primeira parou, com a introdução da versão adulta de Lottie (Simone Kessell) na linha narrativa dos dias atuais. Ela e seus seguidores sequestram Natalie (Juliette Lewis) para impedir o seu suicídio, e logo as outras três protagonistas - principalmente Misty (Christina Ricci) - se veem procurando pela amiga perdida. A seita/clínica de reabilitação liderada por Lottie é uma adição genial ao fluxo dramático de Yellowjackets, que discute sem cinismo, com saudável bom humor, a efetividade dos clichês de autoajuda no caminho de avaliação sentimental necessário para lidar com o trauma.
Durante os nove episódios da temporada, a série sucessivamente questiona a si mesma (e a nós, o público) sobre a natureza dessa comunidade formada por Lottie. O ridículo de alguns conceitos “terapêuticos” propostos pela líder do culto, assim como o aspecto liminarmente abusivo de algumas de suas exigências, não escapam aos roteiristas - na linguagem de sátira fluente que já virou marca de Yellowjackets, a segunda temporada encara a sensação fugaz de controle que está na fundação de tantos métodos de autoajuda, e (é claro) ri da própria noção de que o caos da vida humana possa ser domesticado dessa forma. Ao mesmo tempo… diminuir um pouco o ritmo, respirar ar puro e olhar para dentro de si não é uma má ideia, principalmente se você está tentando lidar com as consequências de eventos violentos de sua juventude.
Por falar nisso, nessa segunda temporada, a metade noventista da trama de Yellowjackets ganha uma injeção de propósito. Após a morte de Jackie (Ella Purnell), a espiral das garotas em direção à ritualização lunática e violenta que as assombra até hoje é acelerada pela chegada de um inverno rigoroso, no qual a comida rareia e cada viagem para além da cabana é uma jornada cravejada de perigos e paranoias. Não é que as coisas andem mais rápido do que andavam antes - é que Yellowjackets perde o medo de ser enfática em suas estratégias de choque narrativo, entendendo que não precisa ficar no lusco-fusco da negabilidade plausível para manter a atenção do espectador.
Essa é uma série que está em seu melhor quando encontra o ponto de conforto entre o pastiche sobrenatural e a exploração de trauma honesta, um pouco satírica justamente por essa honestidade. O horror existe aqui como ele existe no nosso mundo: como alegoria, como sublimação de culpa, enfim, como concretização - dentro da linguagem de referências típica do discurso cultural - de ansiedades que nada têm a ver com o sobrenatural. “Não tinha nada lá. Era só a gente”, interpela Shauna (Melanie Lynskey) em certa cena do episódio final da temporada. “Faz alguma diferença?”, questiona Lottie em resposta.
Conforme os episódios e temporadas passam, fica cada vez mais claro que o ponto de Yellowjackets é a banalidade do trauma, a sua infiltração nos cantos domésticos mais inesperados da sociedade. A família suburbana de Shauna, o ambiente político atravessado por Tai (Tawny Cypress), o antro online de esquisitões obsessivos no qual Misty se mete… todos os lugares do nosso mundo, não só os mais óbvios, são povoados por seres humanos cujas ações e reações são pautadas por algum travamento psicológico, algo que não querem ou não podem encarar. Talvez o seu trauma não tenha nada a ver com acidentes aéreos, canibalismo e divindades pagãs da floresta, mas ainda assim, ele está lá.
É nesse casamento entre caricatura e empatia que reside o trunfo de Yellowjackets, e também o motivo de ela ser uma história tão energizante para o seu elenco. Exercitar os extremos de uma emoção absolutamente real é prato cheio para qualquer ator, e profissionais como Christina Ricci e Melanie Lynskey certamente estavam famintas por uma boa refeição - mas a potência considerável de suas expressões de conflitos internos sempre se multiplica dentro da coletividade do elenco, como acontece com suas contrapartes mais jovens, travadas em um jogo psicótico tenso umas com as outras. O mais importante é sempre o sucesso do time, não quem marcou o gol (mas, cá entre nós, Sophie Nélisse foi a craque da rodada).
Enfim, a lição que a série entende de forma brilhante, e que garante o crescimento desse segundo ano para muito além do potencial do primeiro, é não se deixar distrair pelo hype. Por mais celebrada que seja pelo choque que provoca com suas excentricidades, Yellowjackets ganha o jogo mesmo quando provoca o oposto da surpresa: identificação.