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Cena de Yellowjackets, 3ª temporada (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Yellowjackets segue ótima, mas testa lealdade do público em temporada traiçoeira

Apesar de lançar mão de truques sujos para estender narrativa, série não perde de vista os personagens

11.04.2025, às 15H18.

Dois anos atrás, quando falei da segunda temporada de Yellowjackets aqui no Omelete, elogiei a série por ter a fibra de não se render ao próprio hype. Eis aqui um fenômeno cultural que poderia herdar a faixa que um dia foi de Lost e, antes dela, de Arquivo X: o de série de mistério favorita do público, cuja mitologia rocambolesca inevitavelmente decepcionaria na resolução. Ao invés disso, os showrunners Ashley Lyle e Bart Nickerson pareciam determinados a contar uma história que trata o suspense e o sobrenatural como brincadeira estética, e como espelho para entender as psiques fragmentadas pelo trauma de suas protagonistas – um retrato que, como eu argumentei lá atrás, acertava nos tons de sátira, permitindo que ele se estendesse bem para o mundo real, aqui deste lado da tela.

Bom, cá estamos nós, na linha de chegada da terceira temporada… e sinto dizer, mas parece que Yellowjackets se rendeu um pouco, sim, ao hype. Talvez esmagados pela pressão de esticar a história que estão contando um pouquinho além do crível - um problema recorrente na Showtime, emissora que exibe Yellowjackets nos EUA -, Lyle e Nickerson enchem uma parte não negligenciável dos dez episódios deste terceiro ano com um teste de paciência para o público. Em ambas as linhas narrativas que compõem a série, presente e passado, um padrão se revela mais transparente a cada episódio: decisões são tomadas pelos personagens e caminhos começam a ser trilhados por eles de maneira determinada, só para serem revertidos por uma mudança de humor, um empecilho humano ou uma fatalidade.

O flerte com o sobrenatural vai se tornando uma relação mais séria, assim como o whodunnit. Esta temporada multiplica as cenas de visões e delírios antes mais raras em Yellowjackets, desenha com mais força a linha dos fenômenos inexplicáveis que ligam passado e presente, lança mão com mais frequência das criaturas e ideias que definem a mitologia criada pelas personagens na floresta. Como se não fosse o suficiente, ela ainda inclui um assassinato misterioso para as protagonistas resolverem. Natural que isso aconteça quando os roteiristas estão preocupados em, essencialmente, encher linguiça. Manter a fidelidade de um público de cultura pop a cada dia mais disperso não é fácil quando ele está disposto a abandonar uma série que não dê algum choque de adrenalina excepcional a cada mão cheia de episódios.

E, veja bem, não é que Yellowjackets não seja boa em jogar esse jogo de mistério labiríntico. O bom time de diretores da temporada (incluindo Jennifer Morrison, mais conhecida por atuar em House e Once Upon a Time) aprende rápido a andar na linha entre suspense suburbano, aventura de sobrevivência e sátira social. De um lado, Yellowjackets está sempre sublinhando a banalidade deste mundo para o qual as meninas retornaram, e a humanidade das relações que elas estabeleceram ao redor de si; de outro, tanto a floresta quanto o “mundo real” escondem um lençol subterrâneo de perturbações assustadoras, reprimidas com dureza pelas protagonistas, que vão se revelando de maneiras violentas. É sempre um choque quando Shauna (Melanie Lynskey) deixa escapar algo da garota selvagem que ela foi por alguns anos na floresta, e isso só acontece porque a série é ótima em estabelecer a normalidade enervante do mundo que a cerca.

Concomitantemente, a equipe de roteiristas liderada por Lyle e Nickerson não deixa a peteca cair quando se trata do desenvolvimento dos personagens. Yellowjackets é o tipo de narrativa que sempre tem algo novo a dizer, ou ao menos a revelar, sobre as criações no seu centro. Essa terceira temporada encontra entrelinhas surpreendentes, por exemplo, na forma como a vida de Shauna vai desmoronando de dentro para fora enquanto ela se confronta com a perspectiva assustadora de ter passado “genes psicopatas” para a filha, Callie (Sarah Desjardins). Conforme o roteiro vai questionando se uma de suas protagonistas é capaz de amar algo ou alguém diante de sua compulsão pelo caos, o questionamento das relações de Shauna com a família, de Shauna com Misty (Christina Ricci), de Shauna com Melissa (Jenna Burgess), e por aí vai, é penetrante como drama.

E se o drama continua penetrante, é claro que o elenco de Yellowjackets também continua se deliciando nele. Lynskey e Ricci sempre foram os destaques óbvios do núcleo adulto, mas aqui voltam a provar que têm um arcabouço sólido onde podem buscar as expressões corretas para as movimentações emocionais excêntricas de Shauna e Misty - duas personagens tão profundamente engessadas pelos próprios traumas que parecem feitas uma para a outra. Conforme a temporada desenha um conflito entre elas, as atrizes vão intensificando esses pontos de tensão que as definem, que um dia se encaixaram tão bem uns com os outros, e que agora se chocam com eletricidade inegável. No fim das contas, elas estão se movendo em direções opostas, mas o grande barato da terceira temporada de Yellowjackets é ver como isso é difícil diante do magnetismo entre as duas.

A série do Paramount+, enfim, continua sendo um ótimo pedaço de televisão. Eventualmente, até, um pedaço excelente de televisão - episódios como “12 Angry Girls and 1 Drunk Travis” (3x03), “Thanksgiving (Canada)” (3x06) e “Full Circle” (3x10) estão aqui para provar. Mas, conforme Yellowjackets vai desperdiçando nosso tempo num vai-não-vai agravante para amealhar alguns pontos a mais de audiência, é natural que tudo que ela continua fazendo muito bem vá ficando cada vez mais difícil de apreciar.

Nota do Crítico
Ótimo