O catálogo de séries adolescentes da Netflix descobriu um filão que tem sido trabalhado à exaustão pela plataforma. Heartstooper, Elite e Young Royals têm uma coisa em comum: romances homoafetivos que começam com uma das partes em processo de aceitação. Se formos inserir Love, Victor (que não é da Netflix) na lista, o cenário é ainda mais amplo. Embora haja uma ou outra diferença entre elas, a base é a mesma: uma escola rica, dois meninos se apaixonando e um deles enfrentando o desafio de superar os próprios medos.
Young Royals se aproxima mais de Heartstopper por ser mais ligada ao desenvolvimento emocional, mas também por causa de seu clima europeu, monárquico, cheio de rostos mais reais, longe do padrão “perfeitinho” da cartilha norte-americana. A série também tem a seu favor esse título que identifica o protagonista como Príncipe, usando a monarquia como fator diferenciador definitivo. Sem isso, a trama de Young Royals seria exatamente como a de Heartstopper: menino gay assumido e menino gay não-assumido constroem uma relação afetiva com delicadeza e inteligência.
Na primeira temporada conhecemos Wilhelm (Edvin Ryding), o rebelde segundo filho na linha de sucessão do trono, que aprontou outra das suas e foi mandado para um internato. Lá ele conhece Simon (Omar Rudberg), a primeira pessoa que faz com que ele precise pela primeira vez olhar de verdade para si mesmo. A relação entre eles, contudo, esbarra em August (Malte Gardinger), primo de Wilhelm, que sempre reage a essa convivência com o parente de forma hostil, invejosa. É uma história tão velha quanto andar para frente. Mas, feita com cuidado ainda pode ser divertida.
Nada nobres
Começamos o segundo ano quase imediatamente após os eventos da finale anterior, que mostrou Wilhelm perdendo a confiança de Simon depois de negar que estava com ele na sex tape vazada por August. Apesar de ser bem escrita e cuidadosa, a série passou tempo demais da primeira temporada desenvolvendo esse enredo quase novelesco, que parecia uma saída fácil demais para separar o casal principal. Tudo era extremamente previsível – como é comum no gênero -, o que obrigaria o entorno a ser mais atraente, mais substancial.
Com Wilhelm e Simon separados, o roteiro teve mais oportunidades para expandir seu universo. O Príncipe já começa os novos episódios sendo intimidado pela família real a voltar a ser um modelo de comportamento, cumprindo com os protocolos clássicos que sempre incluem muitos pesares e sacrifícios. Wilhelm tem mais obrigações, incluindo um discurso importantíssimo a ser dado algumas semanas adiante, o que já funcionará como clímax quando a temporada chegar ao fim. O Príncipe que nunca quis ser Príncipe chegou no limite; e se quisesse viver livremente, teria que brigar livremente também.
O grande acerto desse ano está em como os roteiristas escoram melhor a rivalidade entre Wilhelm e August (afinal de contas eles são a realeza do título). O texto sempre escapa de chapar seus personagens, tentando dar a eles uma outra camada. August ainda é um vilão por definição (o antagonista do protagonista), mas ele também demonstra arrependimentos e certa ternura. É divertido acompanhar as idas e voltas que ele dá atrás do próprio caráter. Quando a dramaturgia coloca a coroa entre eles, as coisas ficam ainda melhores.
Todo o imbróglio do vídeo vazado também trouxe Sara (Frida Argento) para mais perto do núcleo central. Ela talvez seja a personagem mais bem construída da série. Para ser aceita como residente do internato, chantageou... e acabou apaixonada pelo chantageado. Há um choque cultural entre ela e as novas amigas que também é muito interessante, sobretudo porque está ligado a ter mais poder aquisitivo. Sara tem sua própria jornada de descobertas pessoais, mas também exerceu papel importante nos eventos da trama central.
Como são poucos episódios (apenas 6) o ritmo é estável e as tensões são construídas com tanto cuidado, que na reta final é só deixar as bombas irem explodindo. Essa é uma das leis de uma boa carpintaria textual: prepare e só depois desenvolva. Essa é uma temporada que equilibra melhor as dinâmicas principais e coadjuvantes; e mesmo que nenhuma delas dê respiros de originalidade, elas estão dentro do campo de força onde são preservadas as boas histórias de diversidade.