Especiais de fim de ano já são tradição em Doctor Who e tem papel fundamental na troca dos protagonistas: a despedida de um Doutor e boas-vindas do próximo sempre acontecem nesses capítulos. Com Peter Capaldi não é diferente mas, pela primeira vez desde a saída de David Tennant, a última aventura realmente se parece com o fim de uma era.
Chamado de "Twice Upon a Time", o episódio coloca Capaldi de encontro com a figura do primeiro Doutor, aqui vivido por David Bradley (Game of Thrones). Ambos lutam contra suas regenerações e são removidos das suas linhas temporais momentos antes de morrer. Após encontrarem um capitão da Primeira Guerra Mundial, vivido por Mark Gatiss (Sherlock), eles partem em uma jornada para entender o que está acontecendo e como devolver o soldado perdido à sua era de origem.
A aventura deixa a desejar, principalmente levando em conta as ideias apresentadas e desenvolvidas em "World Enough and Time" e "The Doctor Falls", últimos episódios da décima temporada que antecedem o especial. Os Doutores acabam subaproveitados quando colocados contra inimigos sem sal e pouco ameaçadores. O ritmo do capítulo é fortemente afetado por isso, com boa parte dele sendo ocupado por uma espécie de investigação que, apesar de cheia de referências, parece indicar uma falta de ideias para utilizar melhor os protagonistas.
Ainda assim, seria injusto afirmar que o "Twice Upon a Time" erra pela trama pouco inventiva. É preciso levar em conta o contexto por trás de sua criação para entendê-lo como uma carta de despedida: além de Capaldi, o especial também é o último assinado por Steven Moffat na posição de showrunner. O produtor e roteirista é um dos grandes responsáveis por reinventar Doctor Who da forma que conhecemos hoje.
A saída de Moffat é manifestada na junção entre o Doutor original e Capaldi, contrastando o início e o fim. A interação entre as versões do personagem representa visualmente como o programa evoluiu ao longo dos anos em praticamente todos os aspectos, desde a qualidade visual, complexidade das narrativas e as mensagens passadas ao público. Eventualmente, ambos aprendem que, às vezes, é preciso deixar o passado para trás, sem nunca esquecê-lo, e abraçar o novo por mais aterrorizante que pareça. A lição parece saída da boca do produtor, também conhecido e criticado por ter tomado decisões ousadas e ocasionalmente questionáveis durante o processo de modernizar o seriado britânico.
Como episódio, "Twice Upon a Time" é fraco ao subutilizar os Doutores, mas como carta de despedida o episódio emociona ao lembrar que é preciso aprender com os próprios erros e enfrentar seus medos de frente, sem se apegar à algo que já não condiz com a realidade. Com uma troca de showrunner e entrada de Jodie Whittaker vindo ai e levantando um pouco de incerteza quanto ao futuro de Doctor Who, a mensagem não podia ser mais pontual.
"Twice Upon a Time" será transmitido em 25 de dezembro, às 17h, nos cinemas brasileiros - veja as salas. A versão para análise enviada pela BBC Worldwide não contém as cenas de Jodie Whittaker, que só serão exibidas na transmissão original.