Assim que o episódio 16 da temporada passada de Grey's Anatomy foi ao ar, ainda este ano, um nome começou a ser mais falado que nunca entre os fãs da série: Krista Vernoff. Embora Shonda Rhimes ainda seja a criadora e produtora executiva principal de Grey's, sua posição é como a da Rainha da Inglaterra. Quem dá as cartas e toma as decisões sobre os rumos é Krista, que ocupa a posição de showrunner desde 2014, quando Shonda quis descansar e – segundo suas próprias palavras – entregou a “chave da loja de doces que é Grey's Anatomy” para Krista. Demorou até que a maioria do público entendesse que Shonda não deve mais ser o alvo dessa corrente crescente de indignações.
Numa longa entrevista para o LA Times, Krista contou que foi roteirista de Grey's Anatomy da primeira até a sétima temporada. Depois disso, um problema contratual a fez sair da equipe. Por alguns anos, ela começou a encarar um fracasso atrás do outro, até que Shonda a chamou de volta e lhe deu plenos poderes. Poderes esses que Krista está usando sem nenhuma cerimônia. Até então, suas decisões mais controversas diziam respeito às trocas e trocas de casais pelos quais passavam os personagens. Com o episódio 16 da temporada anterior, o da saída de Karev (Justin Chambers), é que o trabalho da showrunner passou a ser verdadeiramente questionado.
A saída de Karev foi uma bomba sem precedentes na reputação da série. A insatisfação foi quase unânime, sobretudo, porque Krista não parecia compreender a trajetória dos personagens que ela ajudou tanto a moldar. A partir dali, uma outra sucessão de equívocos encerrou a 16ª temporada e o público se perguntava: para onde vamos depois daqui? A decisão de Krista manteve o público chocado. O final do episódio duplo que iniciou a temporada 17 trouxe Derek (Patrick Dempsey) de volta. Não em imagens de arquivo, mas presencialmente. Foi a “carta na manga” de Krista. Não há melhor maneira de fazer os fãs esquecerem qualquer problema do que trazer de volta personagens amados que ficaram para trás.
Era outra bomba, só que essa, de dúvidas. A sequência com Derek parecia ser dentro de um “sonho” ou “estado inconsciente” de Meredith (Ellen Pompeo), mas Krista Vernoff garantiu em sua entrevista que Derek continuará dando as caras na temporada. Inclusive, aqueles que tiveram curiosidade e foram até o IMDB conferir, levaram outro choque, já que Sara Ramirez (Callie), Jessica Chapshaw (Arizona), Sandra Oh (Christina), Katherine Heigl (Izzie) e até T.R. Night (George) também estão creditados para essa nova temporada. De súbito, ninguém mais estava preocupado em discutir os rumos frágeis da série. Grey's Anatomy conseguiu de novo. A arma da nostalgia nunca falha.
McDead
De certa forma, a presença de Derek no episódio também acabou ofuscando tudo que as pessoas tinham visto naquela uma hora e meia até ali. Claramente, a intenção do roteiro era tentar suavizar todo o enredo focado na pandemia, e o que acabou acontecendo foi que a pandemia se tornou a terceira coadjuvante da noite. Krista Vernoff também declarou que não pensava em abordar a Covid-19 na temporada, mas que foi convencida pela equipe médica que presta consultoria para a produção. Isso mudou alguns rumos periféricos, mas, ainda assim, todos os plots dramáticos que diziam respeito aos personagens foram mantidos. Se não fosse por aqueles poucos segundos de Derek na tela, essa teria sido uma estreia como qualquer outra.
As mudanças ocorreram, é claro. As mais substanciais foram a demissão de Koracik (Greg Germann) do cargo de chefe e o retorno de Richard (James Pickens Jr.) para a posição. Koracik ainda permanece como médico, mas o escândalo envolvendo Ted (Kim Raver) deve perseguir tanto ele quanto ela durante algum tempo. Inexplicavelmente, os roteiristas insistem nessa ideia de que Owen (Kevin McKidd) precisa ser sempre a vítima dentro de seus conturbados relacionamentos. Ao menos Amelia (Caterina Scorsone) se livrou dessa e sua storyline com Linc (Chris Carmack) ainda está naquele período de bom humor em que ficam as uniões até que uma das partes comece a problematizar as coisas. Contudo, sem saber o que fazer com Jo (Camilla Luddington), os roteiristas ligaram o modo aleatório e a jogaram nos braços do primeiro sorteado da vez.
Esse retorno, entretanto, pensou cuidadosamente nos pacientes. Foi interessante ver que a Covid em sí não foi o centro das atenções, mas sim as consequências sofridas por quem não levou o isolamento a sério. Essa foi a melhor sacada do episódio. As consequências, no fim, nem tiveram a ver com o vírus, o que foi ainda mais impactante. É claro que as incontáveis mortes, a dificuldade de conseguir equipamentos, a luta para dar aos entes queridos dos que partiram alguma espécie de despedida, tudo isso estava lá. Mas, a série acertou ao focar nas consequências da quebra de isolamento (de uma forma drástica) e no uso das máscaras. Se comparada à premiere de The Good Doctor, por exemplo, a de Grey's Anatomy foi imensamente mais emocional e competente na abordagem da pandemia.
É fato que o que Krista Vernoff queria era nos fazer esquecer os eventos da temporada passada. Grey's Anatomy pode chegar ao fim este ano, quando o contrato de Ellen expirar. Krista já afirmou ter um final possível e planejado caso seja a hora de dizer adeus. A volta de Derek e a possível volta de outros personagens também sinalizam essa grande possibilidade de um fim. Se assim for, é bom que a série cresça, surpreenda, honre a dedicação de seus fãs. Tem sido ela, a nostalgia, o que mantém a audiência em dia. É justo que também seja por meio dela que Grey's Anatomy reencontre sua catarse. E quem diria que Derek um dia teria esse papel no nosso imaginário...