No dia 25 de janeiro, a Netflix estreou a minissérie Griselda, estrelada por Sofia Vergara; e em poucas horas a produção já tinha alcançado o primeiro lugar de série mais assistida da plataforma no mundo todo. O sucesso não seria uma coincidência; além do nome de Sofia Vergara (irreconhecível no papel), o time de criadores tinha outro hit na conta: Narcos. O público – ávido por mais títulos que misturassem fatos e muita ação – já estava receptivo à trama antes mesmo de sua estreia.
Os seis episódios cobrem uma parte bem pequena da vida de Griselda. Tudo que aconteceu antes da ida da traficante para Miami e depois de sua prisão, foi calculadamente descartado pelos roteiristas. A maior das mudanças acerca da história acabou sendo o encaixe da personagem em motivações para seus feitos que eram mais emocionais e humanas. Grande parte da implacabilidade de Griselda foi eclipsada, dando lugar a uma mulher com objetivos familiares e românticos que mesmo não tendo tanto escopo na realidade, davam mais possibilidades de interpretação para Sofia. Eficaz? Sim. Real? Nem tanto.
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A melhor maneira de compreender essa “reinvenção” de Griselda Blanco é dar uma passada pelos acontecimentos que a minissérie não abordou e também pelos acontecimentos que foram modificados a favor da história. Vem com a gente:
A pequena e mortal Griselda
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Griselda nasceu em Cartagena, em 1943; e mudou-se para Medellín em 1955. Sua mãe era mentalmente instável e há menções de que talvez Griselda tenha sido abusada pelo padrasto. O fato é que, instalada numa cidade como Medellín, Griselda e sua pré-disposição à violência tiveram um “encontro perfeito”.
Quando ela tinha 11 anos, reuniu os amigos e decidiu sequestrar um menino um ano mais novo, filho de uma família rica. Os pais do menino aparentemente não levaram o sequestro a sério e ao invés de devolver o garoto, Griselda o manteve em cativeiro por algum tempo; até que um dia, seus amigos lhe deram uma arma e a desafiaram a atirar no menino entre os olhos. Ela atirou.
Depois disso, começou a se prostituir e aos 13 anos conheceu seu primeiro marido, Carlos Trujilo. Com ele, teve 3 filhos (que na série já aparecem grandinhos). O casal se divorciou muito cedo e alguns anos depois, ela mandou matar o ex por conta de disputas financeiras.
Griselda na Big Apple
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Na década de 70 – e por influência do primeiro marido, que tinha negócios de imigração ilegal – Griselda foi parar em Nova York. Esse é um período importante da vida dela, que durou bastante tempo e que foi primordial para tudo que ela fez depois, em Miami.
Foi em Nova York que Griselda conheceu Alberto Bravo. Ao invés de mandar imigrantes ilegais para a cidade (como fazia Trujilo), Bravo enviava cocaína. Foi ele quem introduziu Griselda no mercado. Os dois viajavam entre Colômbia e Nova York com drogas presas ao corpo. Mas, logo Griselda achou que esconder os pacotes em solas e bojos falsos seria mais rápido. Foi aí que surgiu a ideia das lingeries que vimos entrando em ação na série.
A minissérie começa exatamente no ponto em que Griselda e Bravo já haviam fugido dos EUA; voltando para Medellín para tentar escapar da polícia e perdendo o controle sobre os negócios que haviam conquistado.
Griselda: A Viúva Negra
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O apelido de “viúva negra” tinha bases sólidas na realidade. A minissérie da Netflix começa com Griselda sendo obrigada por Alberto Bravo a transar com o irmão dele para saldar uma dívida. Ela o mata por causa disso.
Esse é o maior indício de que a adaptação buscava motivações humanas que aproximassem Griselda de alguma posição de opressão misógina que justificasse sua violência. Isso existia, é claro. Mas, as decisões dela nada tinham de nobres, pelo contrário. Os registros mostram que ela assassinou Alberto simplesmente porque achou que ele estava roubando o dinheiro feito em Nova York. A história toda do cunhado foi completamente inventada para dimensionar a personagem.
A forma como Alberto foi assassinado, contudo, parece ter sido exata. A série também foi realista na forma como o terceiro marido dela foi morto.
Darío era pai do quarto filho de Griselda, Michael Corleone (nome dado em homenagem ao filme favorito da traficante, O Poderoso Chefão). Ela e Darío tiveram uma “história de amor” intensa. Certa vez, os dois estavam num restaurante e Griselda ouviu três homens numa outra mesa zombando de sua aparência. Darío foi até lá e matou os três. Ela ficou maravilhada. A retribuição da “prova de amor” veio em seguida: Griselda mandou assassinar ao menos 8 mulheres que ela acreditava estarem tendo casos com seu marido.
Quando a relação já estava desgastada, Darío levou o menino Michael de volta para a Colombia para supostamente afastá-lo da influência violenta da mãe. Griselda encomendou a morte do ex e assim, conseguiu o filho de volta.
Griselda e June
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June, a personagem de Juliana Aidén Martinez, realmente existiu. Quando Griselda começou a ser notada em Miami, a polícia logo começou a tentar pegá-la. A minissérie investe pesado na descrição das festas e orgias promovidas por Griselda; e embora nenhuma das que vemos nos episódios ser efetivamente real, é bastante provável que tenham acontecido de uma forma bem parecida.
Não seria difícil pegar Griselda em algum momento, porque, entre os especulados 250 homicídios em que esteve envolvida, os motivos eram, na maioria das vezes, superficiais. Griselda gostava de matar e matava por qualquer coisa: um olhar atravessado, uma dívida que ela não queria pagar, um mau-humor repentino... Viciada na cocaína que vendia e extremamente paranoica, ela era uma bomba-relógio; seria pega. Mas, historicamente falando, apenas os agentes homens foram creditados nas investidas bem-sucedidas. June foi descoberta pelos criadores nas pesquisas para a minissérie e honrada com uma participação à altura de sua importância.
A cena final entre as duas, entretanto, foi puramente fictícia.
Griselda encarcerada
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A minissérie é bastante fiel aos acontecimentos que levaram à prisão de Griselda. Ela teve sorte e foi mesmo salva de um julgamento mais severo depois que Rivi, seu capanga, seduziu uma assistente da promotoria e com isso teve suas delações contra a "patroa" sabotadas. A minissérie faz parecer que isso foi deliberado, mas jamais saberemos.
Na ocasião de sua prisão, em 1985, ela foi encontrada pelo Agente Palombo lendo a bíblia, encostada na cama, com uma arma ao lado, provavelmente certa de que ou a polícia ou um assassino, iria alcançá-la. Ela não tentou reagir.
Griselda ficou 18 anos presa. Nesse período, é sabido que dois de seus filhos – Uber e Osvaldo – também cumpriram penas e assim que foram libertos e devolvidos à Colômbia, foram assassinados. Na minissérie, June conta à Griselda que Dixon também morreu, mas não há informações exatas sobre isso, e é possível que ele ainda esteja vivo. Michael Corleone, o filho mais novo, está processando a Netflix por conta da minissérie, depois que alegou ter, ele mesmo, um projeto sobre sua mãe em desenvolvimento.
O Fim
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Um dos “marcos” da história de Griselda foi a “técnica” que ela inventou para matar. Ela colocava motoqueiros armados para tornar os assassinatos que encomendava mais rápidos.
Griselda solta da cadeia em 2004 e viveu até 2012 na Colômbia. Um dia, quando tinha 69 anos, um motoqueiro a seguiu até um açougue local e fez com ela o mesmo que ela tinha ordenado que fosse feito com centenas de pessoas durante seu reinado: matou-a em público, montou em sua moto e foi embora. Nunca se soube a qual vingança o crime se referia.
Antes de morrer, Griselda soube do interesse de Hollywood em contar sua história; e segundo seu filho Corleone, ela amava a ideia. Considerando os ajustes que a Netflix fez para torná-la menos monstruosa, talvez a existência da minissérie tivesse feito a “madrinha do tráfico” ainda mais realizada.
Em breve um filme com Jennifer Lopez também chegará ao mercado. Vamos aguardar para ver que tipo de Griselda será contada dessa vez.