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Imagem promocional de Happy Face (Divulgação/Paramount+)

Séries e TV

Artigo

Happy Face encontra originalidade no true crime, mas não convence fora dele

Série mistura história real contada de perspectiva única com ficção que não inova em nada

20.03.2025, às 13H37.

Quando se trata do discurso em torno do gênero conhecido como true crime (nome dado a narrativas que exploram crimes reais, seja com reencenações ou uma abordagem mais jornalística), muito se discute o valor dessas histórias nos termos de como a obsessão em torno delas pode ajudar na mitologização de figuras reais violentas, suportando um culto de personalidade que já existe e desumanizando as vítimas - ou, no máximo, capitalizando de forma trivial em cima do seu sofrimento. É uma conversa complexa e corrente, da qual a nova série Happy Face: Um Serial Killer, do Paramount+, sabe muito bem que não pode fugir. Até por isso, ela resolve fazer dessa conversa o centro de sua narrativa.

Não é uma manobra muito difícil. Happy Face, afinal, é inspirada na experiência de Melissa Moore (aqui vivida por Annaleigh Ashford, fresca de sua indicação ao Emmy por Bem-Vindos ao Clube da Sedução), filha de Keith Jesperson (Dennis Quaid), conhecido como o Assassino Happy Face, apelido que ganhou por desenhar rostos felizes nos cenários de seus crimes. A série começa com Melissa afastada do pai, que foi preso quando ela tinha 15 anos, há muito tempo - e isso só muda quando ele descobre que ela trabalha como maquiadora em um programa de TV sensacionalista, utilizando essa conexão para prometer uma confissão bombástica e, assim, obrigá-la a visitá-lo novamente.

Ao colocar Melissa como protagonista da história, Happy Face encontra, em uma tacada só, originalidade dentro do true crime e uma boa maneira de contornar as discussões morais que cercam o gênero. No texto da showrunner Jennifer Cacicio (Atirador, Your Honor), a experiência das vítimas não é trivial e nem secundária - ela é todo o ponto de estarmos ouvindo essa história, e inclusive se estende para caminhos inesperados. Happy Face é sobre como assassinos monstruosos fazem daqueles que os cercam um pouco monstros também (cúmplices mesmo que não sejam cúmplices), sobre como essa marca da maldade se transforma em culpa, a culpa se transforma em mentira, e a mentira se transforma em desconfiança.

Daí a potência das cenas que se concentram na vida familiar de Melissa, com um marido (o sempre ótimo James Wolk) e uma filha adolescente (Khiyla Aynne) que adotam posturas opostas quanto à sua decisão de falar publicamente sobre os crimes do pai. Daí a ambivalência precisa que a série emprega no seu retrato da comunidade que se desenvolveu em torno do true crime, seja em talk-shows sensacionalistas ou em museus e podcasts dedicados a assassinos em série. Happy Face entende a necessidade de catarse e o apelo do espetáculo grotesco dessas histórias, e entende até que é um pouco culpada de servir a esses mesmos impulsos. Mas ela não os julga nem os satisfaz, só busca entender os caminhos complicados do trauma que leva a eles.

Fosse só isso, a série de Cacicio poderia ser um triunfo - até porque tem um diretor que olha argutamente para os vícios e glórias do modo de vida estadunidense (Michael Showalter, que também fez ótimos trabalhos em The Dropout e Os Olhos de Tammy Faye, assina o piloto) e uma protagonista infinitamente assistível, que merece os holofotes de um papel principal na TV. Acontece que Happy Face quer estofar sua narrativa um pouco mais, talvez sentindo a necessidade de preencher os excessivos oito episódios de quase 1h para além do drama familiar. O que a produção escolhe fazer, então, é usar a história real de Moore como trampolim para uma trama de investigação inteiramente ficcional, e também inteiramente sem inspiração.

Essa subtrama, que coloca a série num pique de procedural (pense em Law & Order, mas sem os mais de 30 anos de estabelecimento de marca, e sem a agilidade de abrir e fechar casos num único episódio), não se encaixa nada bem com o tom que ela abraça em outros cantos da história. Não demora para o espectador entender quais partes daquela jornada são manufaturadas, e quais vêm de algum tipo de verdade emocional, de alguma vontade de dizer coisas novas sobre o nicho em que se encontra. Algumas cenas voam, outras se arrastam; e, nesse cabo de guerra, a série se mostra muito mais meia-boca do que o talento de qualquer um dos envolvidos, ou a seriedade do tema, pareciam exigir.