Séries e TV

Entrevista

One Punch Man | "Estávamos pintando em um quadro em branco", diz diretor da dublagem brasileira

Conversamos com Diego Lima, o responsável pela versão nacional do anime da Madhouse

18.08.2017, às 18H19.
Atualizada em 18.08.2017, ÀS 19H00

Com um evento recheado de novidades no Japão, a Netflix já deixou bem claro que está preparada para entrar de cabeça no universo de animes - mas os fãs brasileiros tiveram um gostinho disso logo em julho, com a chegada de One Punch Man totalmente dublado em português. Rapidamente, esse trabalho de tradução ganhou notoriedade na internet como uma das melhores dos últimos anos. Para falar sobre isso, o Omelete entrevistou Diego Lima, diretor de dublagem da animação no Brasil.

Ele explica que a bagagem cultural para traduzir um desenho japonês requer um processo complicado de adaptação, mas que teve sorte de pegar um produto tão versátil quanto a série da produtora Madhouse. "Já dublei animes como Cavaleiros do Zodíaco Omega, Naruto Shippuden, Prince of Tennis, etc. One Punch Man é diferente, é um anime que critica os outros animes do ponto de vista de comédia, sem compromisso de arcos muito longos e customizável para cada país, e foi o que fizemos. O anime é um produto difícil por fazer parte de uma outra cultura, a japonesa. Não é uma animação tradicional que nem a americana, é um tipo de animação. Tem conceitos, comicidade e características narrativas diferentes de séries de TV. É um grupo restrito dentro do universo de cultura pop ocidental."

Levando em consideração que é uma obra de outra cultura, foi preciso trazer as qualidades de One Punch Man para a realidade do público brasileiro. Sobre isso, Lima descreve como um caso engraçado: "Me convidaram para dirigir e explicaram o produto. Apesar de ser um anime, não se passa em uma cidade real, é universal por não ter uma localização definida. O fato de ser um anime de comédia também nos ajuda muito pois a comédia brasileira tem atores muito ricos. É um humor muito peculiar. Aí juntou um anime que era um meme ambulante de expressões riquíssimas com expressões brasileiras que podiam contemplar o entendimento.

"Foi um processo muito tranquilo, tinha algumas determinações do cliente mas tive liberdade e um elenco muito afinado, muito afim e sem a pressão de fazer um anime famoso, diferente de como é com Cavaleiros e Dragon Ball que são franquias muito bem definidas. Com One Punch Man, estávamos pintando em um quadro em branco".

"Pesquisei bastante em fóruns e páginas para entender o que as pessoas queriam da dublagem, aí seguimos uma linha-mestre e apostamos em algo que as pessoas gostariam. Só não sabia que iam curtir tanto, isso nunca aconteceu antes comigo."

E curtiram mesmo. Alguns dias após o lançamento na Netflix, já era possível encontrar montagens no Youtube e Facebook com exemplares dos melhores momentos. Muitos dos fãs também apontaram que a tradução descontraída criou quase que uma espécie de Yu Yu Hakusho da nova geração. Lima comentou a comparação com o clássico de 1992, afirmando que o segredo de ter algo apreciado pelo público brasileiro é justamente olhar para a diversidade do país.

"Gosto muito da dublagem do Yu Yu Hakusho. Tem um trabalho magistral da direção e elenco, mas era nos anos 90 quando não tinha isso de nicho e plataformas. Você tinha apenas TV aberta e TV a cabo, então você acaba com expressões datadas, que representavam o período que o Brasil vivia. Com One Punch Man tivemos uma preocupação de que todas as expressões, piadas e adaptações fossem atemporais, sem uma assinatura do Sudeste brasileiro, com a pluralidade cultural brasileira. Tem expressões do Norte e Nordeste, outras mais usadas no Rio de Janeiro ou no Sul. Acho que isso é uma grande diferença, mas quando as pessoas fazem essa comparação do ponto de vista de dublagem, fico muito feliz pois foram dois trabalhos de épocas e públicos diferentes que conseguiram vencer a barreira do preconceito da dublagem", afirma.

Mesmo em um cenário onde até a grande maioria dos videogames vêm com áudio em português, ainda é possível ver esse preconceito com a dublagem. "O que as pessoas muitas vezes sobre mudanças é que a dublagem é uma rampa de acesso para que as pessoas possam consumir aquele produto. Uma pessoa que fala três ou quatro idiomas, por exemplo, vai entender tanto quanto alguém que não tem tanta bagagem, que só sabe ler e escrever. Ambas poderão curtir e entender essa versão brasileira da mesma forma. Existe um preconceito com dublagem mas a nossa é uma das mais ricas, ao lado de França e alguns outros países. Nós adaptamos alguns termos e enriquecemos obras. Mesmo quando ficamos amarrados por diversos fatores que as pessoas nem imaginam, isso dá acesso ao produto para muitas pessoas. Isso em canais a cabo ou na Netflix, que recentemente divulgou que o público brasileiro prefere dublado."

"Eu como dublador não defendo a dublagem, e sim a opção. Se a pessoa quer assistir legendado, ótimo. Prefere dublado? Ótimo desde que tenha uma excelente dublagem," conclui.

One Punch Man está disponível no catálogo da Netflix. A segunda temporada foi confirmada mas ainda não há previsão de estreia.