Aqueles que deram play nos episódios de estreia de Penny Dreadful: City of Angels sem nunca terem assistido a produção que a originou, saíram dessa primeira exibição com uma certeza: estavam diante outro seriado sobre mistérios sendo investigados por policiais que, para a média geral de atrações do tipo, até que era digno. Porém, aqueles que conhecem a qualidade visual e dramatúrgica da série original (a Penny Dreadful dos mistérios europeus), tiveram um pequeno choque diante da primeira sequência. Conhecida por seu horror elegantizado (ainda que extremamente violento), com belas fotografias e uma atmosfera ligeiramente gótica, Penny Dreadful era complexa e com uma estética bastante calculada. Já seu derivado não trouxe isso para a versão no continente americano.
O episódio de estreia começa com uma conversa entre Santa Muerte (Lorenza Izzo) e sua “irmã” Magda (Natalie Dormer) sobre o maniqueísmo da humanidade. Santa Muerte é uma entidade mitológica da cultura mexicana de extrema complexidade, que frequentemente aparece nas versões hollywoodianas como uma criatura que transporta as almas dos vivos para o mundo dos mortos. Contudo, ela também está ligada a proteção, cura, pureza, gratidão, amor e tem um papel fundamental para a comunidade. Os riscos de John Logan começam aí. A Santa Muerte de City of Angels é uma atriz de carne e osso (ao contrário da imagem esqueletal que a entidade tem) e que tem uma irmã, uma espécie de “demônio do caos”, que decide colocar em prática uma “profecia” que parece estar ligada ao período de guerra racial que tomou o mundo no final da década de 30.
Essa primeira sequência é – na falta de uma palavra melhor – cafona. Magda usa um figurino óbvio, todo preto, com uma cauda, como se fosse uma daquelas vilãs típicas das séries de super-heróis. Dormer não ajuda e aproveita o figurino óbvio para cair na obviedade da própria atuação. Aliados a tudo isso, terríveis efeitos especiais acompanham a sequência, que termina com uma queimada onde o pai de Tiago Vega (Daniel Zovatto) morre. Vega, ainda menino, tenta salvá-lo e acaba tendo uma visão de Santa Muerte, que encosta em seu ombro e o marca, tornando-o “especial” e parte da tal profecia. Pareceu rocambolesco para você? É porque é.
O susto inicial é amenizado quando o episódio vai se ramificando. Anos se passam até 1938, às portas da Segunda Guerra Mundial, quando Los Angeles estava tomada por uma tensão notória entre a comunidade latina e os nativos dos EUA. Essa é a primeira base da história de Logan, já que um crime bárbaro envolvendo uma família branca e respeitada coloca os mexicanos na linha de frente da polícia. Vega, que está em seu primeiro dia como detetive ao lado de Lewis Michener (Nathan Lane), tem uma situação difícil nas mãos: há entes queridos seus envolvidos em disputas políticas por território. Do outro lado da história, Logan vai mostrando como Magda, o demônio Súcubo que quer mostrar que a humanidade é horrível, promove o crescimento do pensamento nazista na cidade.
City of Magda
De fato, a história de City of Angels poderia funcionar sozinha sem que houvesse uma ligação declarada com Penny Dreadful. Aquela Los Angeles solar, suada, árida, em nada nos lembra o umidez e escuridão da versão original. As investigações de Lewis e Vega também dão ao produto final uma pasteurização, uma aproximação do que já estamos bastante acostumados a ver em outras dezenas de histórias sobre crimes misteriosos sendo resolvidos. O mais interessante é que na hora em que Magda surge com seu traje preto imponente é que a série acaba perdendo credibilidade. A relação dela com Santa Muerte é uma mera desculpa para usar a “marca” Penny Dreadful e em muitos momentos soa superficial e deslocada.
A série se salva na construção das relações que vão explodir nos episódios a frente. Dormer tem a oportunidade de exercitar suas capacidades com duas personagens bastante diferentes que influenciam um político e um membro da German-American Bund, uma organização de alemães residentes nos EUA. Esses são enredos que aumentam o potencial de City of Angels e a tiram do lugar comum em que a produção se joga cada vez que Magda aparece em câmera lenta para soprar comandos de morte nos ouvidos dos figurantes. Parece contraditório que numa história chamada City of Angels, em que Santa Muerte é o apoio narrativo central, um demônio estilizado sem motivações concretas seja o grande protagonista.
A série – que com tudo isso ainda nos diverte - precisava não só de uma atenção maior à cultura da qual se apropria tão deliberadamente (ainda que seja uma versão particular dos mitos), como também de uma edição conceitual mais severa.