Cena de Sob Pressão/ Divulgação/ Mauricio Fidalgo/Globo

Séries e TV

Artigo

Sob Pressão | Estreia da segunda temporada mantém a força

Surpresas, ação, política e até uma inesperada dose de romance ilustram a volta da série global

03.10.2018, às 18H36.
Atualizada em 03.10.2018, ÀS 18H48

Quando Sob Pressão foi anunciada como série de TV (a história foi adaptada de um filme homônimo) a grande expectativa era com relação ao quanto de identidade nacional a produção imprimiria. O público das séries – sempre ávido por mais lançamentos – está condicionado culturalmente a ver seriados médicos com olhos bastante específicos. E.R. e Grey’s Anatomy construíram um código narrativo que foi replicado tantas vezes, em tantas tentativas, que é de se esperar que isso tenha vazado para o resto do mundo. Por conta da força desses códigos, a dúvida seria saber se Sob Pressão poderia se aproveitar deles ao mesmo tempo em que construiria uma voz própria.

A Globo já tinha sido muito bem sucedida com Mulher, que nos anos 1990 chegou perto de ser Grey’s Anatomy antes mesmo que a série de Shonda Rhimes existisse. Mulher, contudo, já sofria da influência de E.R., mesmo com sua premissa bastante original. Sob Pressão mostrou em sua primeira temporada que podia andar sozinha, sem mãos dadas com a influência estrangeira, ainda que absorvendo doses homeopáticas de uma certa estrutura dramatúrgica. Os dramas humanos, as resoluções, ainda são parte não de um código americano, mas universal. Quando chegamos na forma é que a série mostra seu trunfo. Ela é uma história sobre o Brasil, contada através de um pequeno recorte que para todos os brasileiros é o que separa a vida da morte.

Andrucha Waddington foi certeiro já na abordagem. A ideia de contar a rotina de um hospital de periferia pode abrir uma infinidade de possibilidades. Mas, o diretor não se deixou seduzir pelo impulso de poetizar as dificuldades e criou uma série dura, rígida, pessimista, que mostra um sistema quebrado sendo defendido por gente mais quebrada ainda. Evandro (Julio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano) são protagonistas extremamente perturbados e justificam suas vidas através de uma responsabilidade auto infringida. Eles sentem uma dor diária e constante, mas não estar ali é inconcebível justamente porque a impressão é de que se eles saírem, ninguém mais entra.

Assim, o primeiro ano da produção seguiu por caminhos esburacados, sempre lembrando de fazer sobreviver uma mínima esperança, sobretudo através da relação entre os médicos. Essa dureza toda pode ter chamado a atenção da equipe criativa, que tem no texto de Lucas Paraizo, o roteirista principal, a ferramenta maior para tornar aquele mundo crível para quem o vive dentro da própria rotina. Sob Pressão voltou para seu segundo ano com a mesma gana de ser “real”, mas nos surpreendendo com um inesperado teor romântico. Foi como se no meio do ácido houvesse caído uma discreta gota de açúcar. Pelo menos pela estreia, já deu para notar que foi uma boa decisão.

Sob Novas Pressões

O roteiro do primeiro episódio começa com um teor político bem condizente com o momento. O hospital “ganha” uma ambulância nova e o candidato que “doou” está fazendo questão de que todos saibam disso. Quem trabalha lá dentro já sabe que aquele é só um ato de demagogia, mas no final das contas a ambulância traz algum tipo de auxílio. Não coincidentemente, a estreia da segunda temporada foi marcada para depois das eleições. Por toda a ação, o recado do texto é de que além de desamparada, a periferia está a mercê de uma política oportunista, o que não seria um recado bonito de se ver às vésperas das votações para os principais cargos públicos do nosso defenestrado país.

A sequência de abertura já nos apresenta uma perseguição incrível pelas vielas de uma favela, onde um traficante é atingido. Evandro e Carolina (e a tal ambulância) são sequestrados para tentarem salvar o bandido, que tem a seu lado mais que um parceiro de crime. É aí que estão as viradas emocionais que surpreenderam nesse novo começo. O crime, os tiros, as ameaças, as dores, as limitações, são contrastadas pelo tanto de amor – sim, amor – que escapa pelas frestas de toda essa escuridão. E que surgem de todos os lados. Da história paralela do homem cego que nunca tinha visto o rosto da namorada, passando pelo tiroteio e chegando até a relação dos protagonistas, que se fortaleceu por conta dos eventos da finale do ano anterior.

O resultado, enfim, foi excepcional. O que poderia parecer uma flexibilização perigosa da identidade da série, se tornou um alívio bem-vindo para uma audiência que precisa acreditar na possibilidade de um fim menos dolorido e mais terno. Há tanto pesar em volta que o carinho do roteiro funciona como um bálsamo. Sabemos ainda que tudo vai continuar dando errado, que gente vai morrer por não ter condições de tratamento, mas também sabemos que como para tudo na vida, existe o momento do cessar da tempestade, ainda que por cinco minutos. Sob Pressão começou muito forte, mas também com uma delicada e inteligente abordagem emocional.

A segunda temporada, que começa no dia 9 de outubro, trará ainda Fernanda Torres como uma gestora corrupta e Humberto Carrão como um ortopedista que simplesmente aceita o sistema enfraquecido. Os dois devem piorar – cada um à sua maneira – o estado já lastimável do hospital, mas são adições importantes ao contexto. A expectativa é de que a série consiga furar o bloqueio de produções dramáticas seriadas que dentro da Globo sempre encontraram dificuldades de permanecer no ar (o canal costuma levar para adiante um número bem maior de comédias familiares). A qualidade da produção merece o destaque, definitivamente.

A estreia da segunda temporada de Sob Pressão já está disponível na GloboPlay.