Nesta quinta-feira (19), espectadores do mundo todo voltarão a Point Place, Wisconsin para revisitar a família Forman com That ‘90s Show, sequência de That ‘70s Show que explorará a vida dos protagonistas da série original. Mas, embora a produção da Netflix pareça, para muitos, a primeira tentativa de expandir o conceito apresentado por Mark Brazill, Bonnie Turner e Terry Turner em 1996, a verdade é que o trio já havia tentado engatar um spin-off bem mais ou menos lá em 2002, com That ‘80s Show. Diferentemente do programa original, no entanto, esse primeiro derivado não teve sucesso nem com a crítica e nem com o público e acabou caindo no esquecimento.
Cancelada após apenas 13 episódios, That ‘80s Show até teve pontos positivos. O casal protagonista, vivido por Glenn Howerton e Chyler Leigh, até tinha uma boa química e seu desenvolvimento foi bem feito. Mas o restante dos personagens, escritos com o que havia de pior dos clichês de comédias televisivas do começo dos anos 2000, tornaram a experiência de assistir à série uma missão que exige muita paciência, apesar do curto tempo tomado por sua única temporada.
Em 2002, That ‘70s Show estava entre sua terceira e quarta temporadas e no auge de sua popularidade. Desde seu piloto, a série soube usar de maneira moderada a nostalgia setentista, que servia mais como pano de fundo do que como sua principal atração. Em That ‘80s Show, no entanto, essa parcimônia não se manteve e cada episódio bombardeava os telespectadores com referências sem graça aos anos 1980 e piadas que se apoiavam demais na reprodução de estereótipos já ultrapassados na época, incluindo a “loira burra” e o “casamento é a morte do homem”.
Não bastasse, os primeiros três ou quatro episódios eram também descaradamente bifóbicos e retratavam Sophia (Brittany Daniel), única personagem LGBTQIA+ da série, como uma predadora sexual. Mesmo quando tentaram dar a ela um novo rumo e transformá-la em uma diretora competente, ela era mostrada como a famosa “chefe megera”, que tinha como principal objetivo puxar o tapete de seus colegas. Esse retrato é negativamente surpreendente, especialmente quando comparado à abordagem relativamente progressista que That ‘70s Show trazia em seus raros discursos sociais.
Mais do que a comédia ruim e ultrapassada até para os padrões de sua época, That ‘80s Show muitas vezes parecia não saber o que fazer com seus coadjuvantes. De um episódio para o outro, os personagens tinham suas personalidades e tramas mudadas drasticamente, de modo que ficava difícil se identificar de verdade com qualquer um deles além de Corey (Howerton) e Tuesday (Leigh).
O lançamento fora de ordem dos episódios, prática bem comum na TV norte-americana, também não ajudou muito na fidelização do público. A forma aleatória como os capítulos eram exibidos levou That ‘80s Show a ser percebida como uma série inconstante e cheia de buracos, e não é exagero dizer que seu cancelamento foi quase uma benção para todos os envolvidos.
Mas, como qualquer produção, That ‘80s Show tinha seus pontos positivos. Além do já citado casal central, algumas histórias, como o amadurecimento de Katie (Tinsley Grimes), que vai caçula bobinha a líder de sua família, e a mensagem de aceitação que marcou o arco de Tuesday. A série também contou com algumas boas atuações, especialmente de Leigh e Howerton, cuja química praticamente carregou o seriado ao longo de seus 13 capítulos.
A maioria do elenco, aliás, felizmente conseguiu se reerguer após trabalhar nesse desastre chamado That ‘80s Show. Veterana da comédia, Margareth Smith seguiu com suas turnês de stand-up, além de fazer participações esporádicas no programa de Ellen DeGeneres. Já Geoff Pierson, que também já tinha um currículo considerável, atuou em produções elogiadas como Dexter, Designated Survivor e Boardwalk Empire. Do elenco jovem, Leigh foi a que mais fez sucesso. Após o fim da comédia, ela atuou em Grey’s Anatomy, em que viveu Lexie, e no Arrowverse, onde interpretou Alex Danvers, irmã da Supergirl (Melissa Benoist).
Mesmo os nomes menos reconhecidos se mantiveram na indústria de um jeito ou de outro. Howerton, por exemplo, se tornou um grande dublador, com trabalhos elogiados em Uma Família da Pesada, American Dad e The Cleveland Show, além de um papel recorrente em It’s Always Sunny in Philadelphia. Já Eddie Shin acumulou passagens por vários programas populares, incluindo NCIS: Los Angeles, Westworld e Lúcifer, antes de entrar para o elenco de Alexa & Katie. De todos os integrantes do elenco principal, apenas Grimes “sumiu”, com seu último crédito de atuação sendo Go On, de 2013.
Mal-executado, That ‘80s Show não tinha nada do que fez de That ‘70s Show o sucesso charmoso que segue amado até hoje, apelando para piadas batidas e uma nostalgia de uma época da qual o público ainda não sentia saudades. Contando com roteiristas mais jovens e espectadores na idade certa para lembrar dos anos 1990 com óculos cor-de-rosa, That ‘90s Show tem a chance de redimir Brazill e os Turners e enterrar de vez esse primeiro derivado.