Não faria sentido culpar You (ou Você) por querer se reinventar, mais uma vez, em sua quarta temporada. Desde o terceiro ano, que aliou Joe (Penn Badgley) e Love (Victoria Pedretti) e deixou o clima de stalker para trás, a série da Netflix se debate contra sua premissa limitada. E depois de duas temporadas de vítimas específicas e um ano de conflito de casal, You mudou completamente de rumo. Desta vez, Joe está em Londres e inserido em uma gama muito maior de personagens. O objetivo? Uma lista de suspeitos que faça valer o novo gênero da série: o whodunit (o bom e velho “quem matou?”).
A decisão de mudança de rumo, no entanto, é surpreendente, porque o fim da terceira temporada prometia um recomeço bem estabelecido. Joe havia deixado seu velho mundo para trás e parecia ter em Marianne (Tati Gabrielle) uma nova vítima promissora. Mas a primeira parte da 4ª temporada não demora para marginalizar a personagem, e com mais uma série de conveniências absurdas, oferece uma nova identidade para Joe, agora um professor de literatura na Inglaterra.
Em Londres, Joe tem tudo que precisa: um apartamento bem localizado e uma vizinha que não fecha as cortinas. A moça, Kate (Charlotte Ritchie), é namorada de Malcolm (Stephen Hagan), também professor de literatura na mesma faculdade de Joe. O casal não demora para inseri-lo em seu círculo de amizades, um grupo de pessoas milionárias e horrorosas, que vai de artistas arrogantes a princesas e herdeiros, todos suspeitos de um assassinato que não demora para acontecer na reta inicial da temporada. Aí, You muda de gênero sem nenhum constrangimento, se estabelecendo como uma investigação de assassinato bem tradicional e até meta, já que Joe adora fazer paralelos literários e usa os passos estabelecidos por Agatha Christie para encaminhar a história.
É um chacoalhão considerável nas premissas de You, porque a primeira parte do 4º ano faz de Joe um sujeito bem diferente, pouco interessado em encontrar um novo alvo para sua mania - e que inclusive mal usa seu boné de invisibilidade. Talvez por isso, a nova leva de episódios pesa a mão na frequente narração de Joe, se segurando nisso para manter a alma da série viva. A decisão acaba como um tiro no pé: a narração é tanta que não apenas se torna cansativa como Joe chega a, literalmente, não responder às pessoas em conversas. Cenas em que personagens se aproximam e fazem perguntas e Joe retruca apenas em pensamento precisam ter um limite para que o nosso protagonista não se torne incoerente.
Isso acontece também porque a lista de personagens que preenche a tela segue a tradição da série de oferecer coadjuvantes caricatos mas, desta vez, eles não compensam em humor ou acidez. Os britânicos mimados que circundam Joe precisariam de muito mais tempero para criar um clima realmente interessante. Mesmo Kate, que ganha um espaço maior conforme os episódios passam, não cativa como as vítimas que foram Love, Beck ou Marianne. Deste modo, a 4ª temporada pode ser a mais repleta de personagens, mas a construção pobre faz de Joe um ser muito mais isolado desta vez.
A vontade de se reinventar não está apenas em gênero, e a própria essência de You está em jogo. Por mais que faça isso aos poucos, a quarta temporada também inclui cenas sem a presença de Joe. Conversas entre outros personagens, por mais que raras, quebram completamente a tradição da série de manter tudo sob o olhar e a perspectiva do stalker. E fazer-nos testemunhas de conversas alheias é olhar por trás do véu da investigação e desassociar o espectador à aliança tão importante com seu protagonista. São poucos relances disso, mas a breve existência já faz ponderar sobre as intenções da produção - possivelmente um futuro mais aberto, com uma narrativa mais tradicional.
Se a ideia for essa, será preciso muito desenvolvimento e esperteza na segunda leva de episódios da 4ª temporada para que You consiga crescer e se revolucionar com sucesso. Apesar de uma empreitada difícil pela frente, a série da Netflix ainda tem uma carta que nunca falha: o carisma e a atuação de Penn Badgley. Ele é o espírito de You, e se a série não pesar a mão, o apelo em amar odiá-lo sempre vai funcionar. Para além disso, You também tem a licença para ser o quão mirabolante quiser - só não pode tropeçar nas regras de sua própria existência.