É difícil acreditar, mas já faz 41 anos desde a primeira vez que Christopher Reeve apareceu como Superman nos cinemas. A versão entregue pelo ator, então com 26 anos, e pelo diretor Richard Donner se tornou sinônimo do herói não só na telona, mas em séries de TV e quadrinhos, mídia original do personagem, e é tão presente na vida do público que seu lançamento parece recente. Mais de quatro décadas depois, o otimismo, a inocência e o brilho no olho que Reeve mostrava ao interpretar o Homem de Aço segue influenciando produções de super-herói, com um mercado muito mais amplo do que o apresentado nas décadas de 1970 e 1980.
Antes de analisar a influência dos filmes estrelados por Reeve, é preciso lembrar que a versão criada por Donner não era, necessariamente, fiel aos quadrinhos. Enquanto a HQ da DC mostrava uma Krypton colorida e tecnologicamente avançada, mais similar a histórias de ficção científica como Flash Gordon, Superman deu ao planeta natal de Kal-El um aspecto frio. O mundo era formado por cristais, as pessoas se vestiam com longas capas prateadas e falavam da maneira monótona. A estranheza do planeta alienígena e de seus habitantes faz com que seja mais fácil, quando o Azulão é revelado para o mundo, que o público se identifique: apesar de vir de um lugar praticamente sem emoção, a imagem do herói passa a sensação de calor e de felicidade.
O cenário de Krypton, aliás, é um dos aspectos mais reconhecidos hoje em dia em adaptações live-action do herói. Apesar da grande mudança em relação à HQ original, o design de John Barry (Star Wars) acabou reproduzido em Smallville, Supergirl e Superman: O Retorno, sendo este último uma tentativa de recuperação da franquia por parte da Warner em 2006.
Mas o design de Krypton não é, de maneira alguma, o grande legado de Superman para a história do Homem de Aço – ou para a cultura pop em geral. Christopher Reeve, ainda iniciante em Hollywood, fez as pessoas acreditarem que o homem podia voar e redefiniu gerações de filmes de super-herói.
Constantemente com um sorriso de autossatisfação por fazer o bem, o Super de Reeve não vê seus poderes como um fardo e não vê salvar os outros como uma missão ingrata: o Homem do Amanhã quer dividir seus poderes com o mundo, proteger a raça humana, para ele, é uma honra. Seu jargão de representar “verdade, justiça e o jeito americano” pode ter ficado antiquado, especialmente o último terço, mas a verdadeira razão que o herói tem para proteger a Terra é simples: ele pode.
Seu Clark Kent também é uma atuação à parte: escondido atrás de grandes óculos, Reeve altera sua postura, sua voz e dicção de maneira que poucos atores conseguiram (ou ao menos tentaram). Ainda assim, o repórter de Smallville se diverte ao viver em meio aos terráqueos. Para ele, se relacionar com Lois Lane (Margot Kidder), trabalhar no Planeta Diário ou ouvir os gritos de Perry White (Jackie Cooper) é tão extraordinário quando voar.
Sua relação com Lois, aliás, é outro ponto forte do filme. Com toda a sua altura, força e poder, Superman nunca a olha com superioridade, sempre com respeito e, eventualmente, afeto; Clark, então, mal consegue olhar para a repórter quando se conhecem. As frases secas, as tiradas irônicas e a coragem que Kidder deu a Lois tornaram-se características permanentes da personagem – assim como seus erros de ortografia, que pularam das telas para os quadrinhos.
A interação entre Clark/Superman e Lois, aliás, seria repetida 33 anos depois, com Capitão América: o Primeiro Vingador – assim como no filme do azulão, o imponente símbolo americano da Marvel vivido no MCU por Chris Evans perde a compostura quando se vê ao lado de Peggy Carter (Hayley Atwell). O filme do Marvel Studios, aliás, traça diversos paralelos com o longa de Donner, incluindo o do protagonista que encara sua missão como uma honra e não como um fardo.
Se Superman afetou, três décadas depois, filmes da maior rival, seus efeitos em produções inspiradas em propriedades da DC são ainda maiores. Até hoje, Christopher Reeve e Clark Kent parecem ser uma pessoa só, a ponto de novas versões do personagem serem sempre comparadas à do ator, que faleceu em 2004. A série Smallville, transmitida entre 2001 e 2011, tentou ao máximo fazer com que seu visual remetesse aos filmes das décadas de 1970 e 1980, com Reeves até fazendo pontas na terceira temporada.
Dirigido por Bryan Singer, Superman: o Retorno era uma grande homenagem – e uma tentativa de sequência – aos longas anteriores e a escalação de Brandon Routh rendeu elogios por conta de sua semelhança física ao antigo Superman. Mesmo em 2019, na série Titãs, cujo tom não poderia ser mais distante de Superman, fãs foram rápidos em apontar o quanto Joshua Orpin, que vive o Superboy na série, lembra Reeve.
A versão de Reeve é, para a marca Superman, o mesmo que a versão de Christopher Nolan ou Frank Miller são para o Batman. Não só por conta do número de produções que tentaram recriar o que deu certo no longa de 1978, mas pela reação do público contra aqueles que se atreveram a pensar diferente.
Quando Zack Snyder abordou o kryptoniano de maneira mais “realista” no reboot do DCEUO Homem de Aço, alguns espectadores e leitores assíduos do Superman ficaram revoltados com as escolhas do diretor, especialmente pela cena em que o herói, vivido agora por Henry Cavill, quebra o pescoço do General Zod (Michael Shannon). O tratamento trágico dado ao Azulão, embora conversasse com o público da trilogia O Cavaleiro das Trevas de Nolan, foi muito criticado por fãs do Homem do Amanhã. O tom cinzento e triste que cercava o kryptoniano só desapareceu no terceiro ato de Liga da Justiça, em cenas com clara intervenção de Joss Whedon após Snyder deixar o projeto.
O Superman entregue por Reeve não é influente apenas por conta do nível técnico alcançado pelo primeiro filme. A maneira como o ator traduziu para a tela o otimismo, heroísmo e humanidade do mais divino dos heróis da biblioteca da DC Comics, igualando seu nome ao do personagem que interpretou, é um feito raro, possivelmente alcançado depois dele apenas por Robert Downey Jr. em Homem de Ferro.
41 anos depois, muitos Supermen vieram e, com certeza, muitos ainda estão por vir. Mas, mesmo com os avanços tecnológicos e a desconstrução do “jeito americano”, nenhum foi ou será novamente capaz de fazer você acreditar que o homem pode voar.