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Candyman | Como Nia DaCosta e Jordan Peele resgataram um ícone do horror

Conversamos com a diretora, Yahya Abdul-Mateen II, Teyonah Parris e Colman Domingo

28.08.2021, às 19H30.
Atualizada em 28.08.2021, ÀS 20H01

Primeiro, havia "The Forbidden", o conto do escritor britânico Clive Barker que apresentava Candyman para o mundo. Então, o conterrâneo Bernard Rose resolveu adaptar a história para o cinema, a levando para os Estados Unidos e dando ao personagem o rosto, a elegância, a voz aveludada e a pele de Tony Todd. Agora, a diretora Nia DaCosta e o produtor Jordan Peele se debruçam sobre as duas obras definitivas para resgatar e modernizar essa narrativa que fascina o público há quase 40 anos.

Em A Lenda de Candyman, a assombração que surgiu da tortura e do assassinato de um homem negro por uma elite racista consolida seu papel como símbolo de alerta em prol da justiça social, ecoando de forma explícita o sofrimento de todas as vítimas de crimes de ódio que não aconteceram nas páginas, nem nas telas, mas no mundo real.

O Omelete participou de uma coletiva de imprensa com DaCosta, além das estrelas Yahya Abdul Mateen II, Teyonah Parris e Colman Domingo, e pôde conhecer mais do processo encabeçado por Peele para finalmente trazer o protagonismo da saga à comunidade negra, homenagear e honrar a memória do clássico, e divertir o público ao mesmo tempo.

"EU AMO CANDYMAN"

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Nia DaCosta é um nome em expansão em Hollywood. Depois de agradar a crítica com Passando dos Limites (2018), e prestes a explodir para o cenário mainstream como diretora de The Marvels, um dos futuros lançamentos do multibilionário Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), a cineasta abraçou a oportunidade de dirigir A Lenda de Candyman como um projeto pessoal. "Soube pelo meu agente que Jordan Peele queria fazer um filme de Candyman, e eu amo Candyman, o filme original, então queria estar envolvida", lembrou. "Felizmente, depois de apresentar minhas ideias, eu e Jordan vimos que estávamos alinhados".

Para conseguir encontrar o estopim da nova história, que deveria continuar o legado de O Mistério de Candyman (1992) partindo da experiência negra nos Estados Unidos, DaCosta resolveu priorizar uma análise sobre o poder das narrativas contadas após a morte — em especial de vítimas de crimes de ódio — em construir mártires, heróis, vítimas e monstros. "Para mim, o segredo foi abordar tudo da perspectiva de um fã, alguém que realmente se importava, e também como parte da comunidade afetada por essas questões", explicou a diretora.

A colaboração com Peele foi constante. Na hora de decidir como A Lenda de Candyman faria digressões para retomar a história do clássico de 1992, o diretor de Corra (2017) e Nós (2019) sugeriu uma alternativa visual interessante. "Nós não queríamos os flashbacks tradicionais, então ele desde cedo mencionou teatro de sombras com marionetes”, lembrou DaCosta. “Desenvolvemos esse recurso visual com a Manual Cinema, uma incrível produtora em Chicago, e daí isso logo se tornou menos que um flashback e mais uma forma de retratar a contação de histórias, as lendas e os momentos de violência ao longo dos anos".

Com um olhar artístico aguçado, a cineasta enquadra o universo de A Lenda de Candyman em ângulos não convencionais, navega sem pressa por cenários ricos em referências e constrói lentamente uma tensão constante e crescente. Na escolha de retratar os ataques do personagem-título por meio de espelhos, DaCosta encontra espaço para exibir ainda mais seu talento — "Eu realmente espero que o público tenha paciência para essa experiência" — e narrativamente (ela também escreve o filme, ao lado de Peele e Win Rosenfeld) contribui de forma que só uma mulher negra poderia.

“A CHANCE DE CRIAR”

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Se Peele foi o chamariz de DaCosta para o projeto, a diretora foi quem levou Teyonah Parris ao papel de Brianna Cartwright, diretora de galeria de arte que serve como principal apoio, financeiro e emocional, ao artista expoente Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II). Embora não seja a protagonista, a personagem é vital para o novo filme, carregando justamente o subtexto de gênero que aborda temas centrais ao debate feminista moderno, como o sacrifício das mulheres pelos homens que amam, violência doméstica e trauma histórico; sempre partindo da realidade da mulher negra nos Estados Unidos.

“Não é frequentemente que eu posso trabalhar com uma diretora negra. Então, ter essa oportunidade aqui, de explorar um projeto como esse… Há coisas sobre o meu personagem que ela entendia logo de cara, sobre a história e o trauma que estamos expondo. Eu não precisei explicar minha existência”, justificou Parris. "As pessoas falam muito sobre como as mulheres negras não podem processar os próprios traumas por estarem sempre lidando com os traumas dos homens, e isso é o que eu queria confrontar com o arco de Brianna", definiu DaCosta.

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A própria construção da personagem de Teyonah é um afronte à visão estereotipada sobre mulheres negras na cultura pop. Bem sucedida, estudada e rica, ela é instrumental também na denúncia ao racismo estrutural, protagonizando cenas de horror sobrenatural e psicológico que chocam na mesma proporção. Ao lado de Abdul-Mateen II, Parris dá vida a um casal carismático e envolvente, ainda que trágico. Como define o ator: “Nós abordamos o que é ser uma pessoa preta na América, vivendo com os medos de, você sabe, repetição do trauma pelas mão da polícia, ou de nossos opressores brancos. Todos temos essas histórias passadas de geração em geração”.

Abdul-Mateen II, que havia trabalhado com Peele em uma pequena participação em Nós (2019), desponta como um dos principais leading men de Hollywood na atualidade. Em A Lenda de Candyman, ele é o condutor do público ao horror que o personagem propõe àqueles que mergulham em seu mito, em nome de mantê-lo vivo por gerações. Nessa jornada, o intérprete de Anthony McCoy mergulha em cenas reminiscentes de filmes como A Mosca (1986), de David Cronenberg, e O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski; recomendações que DaCosta fez a ele, durante as filmagens. “Prestei atenção às deteriorações físicas e psicológicas dos personagens”, explicou.

“UMA EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA”

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Ao contrário do que possa parecer, abordar temas densos como justiça social e cura, pelo prisma do cinema de horror, não foi desagradável ou difícil para Abdul-Mateen II. “Foi uma experiência agradável, porque foi uma experiência comunitária”, ele explicou. “Às vezes, as pessoas tentam abordar essas histórias sem as pessoas certas envolvidas, e é aí que fica difícil. Mas acho que esta história foi feita com amor, amor por mim, pela minha perspectiva de vida”.

É em interações com o experiente Colman Domingo, cujo personagem guarda a porta para o passado de Cabrini-Green, o legado do mito de Candyman e as ligações diretas com o filme de 1992, que esse senso de comunidade fica palpável. “Há um senso de irmandade imediatamente, aí. É a mesma forma que examino minhas relações com meus veteranos, irmãos, onde estamos tentando dar avisos aos outros sobre como se posicionar no mundo, frente às coisas que nos dão medo”, aprofundou Domingo.

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“Um dos temas que mais me agradam no filme é sobre tomar de volta a narrativa do nosso trauma, das histórias de tudo que aconteceu à comunidade negra”, adicionou Abdul-Mateen II. “E é realmente sobre examinar esse trauma histórico imposto aos negros da América, e como ele afeta você e sua mente, que nós podemos explorar o gênero do horror”, adicionou Domingo “Porque todos os dias, pessoas pretas e marrons, estão andando por aí com esse medo, esse terror. Diariamente”.

Famoso por seu trabalho nos palcos norte-americanos, e experiente no horror graças a anos como membro do elenco de Fear The Walking Dead, Domingo se divertiu com as cenas mais grotescas e surrealistas do novo Candyman. Para ele, o equilíbrio entre a comunicação de uma mensagem poderosa e o entretenimento são o grande alvo do novo filme. “Quero que as pessoas sejam plenamente entretidas, completamente chocadas e profundamente reflexivas pelos e sobre os temas desse filme”, projetou o ator. “Eu acho que ele entrega tudo que é necessário para permitir isso, e nós tivemos muitos anos da nossa cultura preparando esses exames da violência contra corpos negros e marrons.