Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado é uma daquelas franquias que são veneradas por uma geração específica muito mais por conta da memória afetiva do que por sua real qualidade. No caso dos filmes estrelados por Jennifer Love Hewitt, ainda por cima, a nostalgia é associada com o fenômeno pop que foi Pânico, filme lançado um ano antes, e com roteiro assinado pelo mesmo Kevin Williamson. Difícil dissociar um do outro no contínuo da cultura pop, e não é nem que deveríamos, mas um ajuste de expectativas seria benéfico antes de apertar o play na nova Eu Sei o Que Vocês Fizeram.
A série, que lança amanhã (15), no Amazon Prime Video, os seus quatro primeiros episódios, é uma descendente direta dos filmes exatamente no sentido que a maioria dos fãs parece ter esquecido - ou seja, é uma grande bobagem adolescente, com diálogos divertidamente ineptos e um centro moral deliciosamente questionável. Onde ela difere, enquanto isso, é exatamente nos aspectos que parecem ter “grudado” mais na memória afetiva do público noventista.
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Isso porque, até por seu formato de série, a nova Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado tem mais espaço para preencher com drama do que pode sonhar em preencher com mortes sangrentas. Seria preciso um elenco gigantesco para manter o ritmo de mortes em oito episódios de 1h, e a showrunner Sara Goodman não parece interessada em fazer esse tipo de série - ao invés disso, tenta criar uma mistura geniosa de drama teen intimista e sátira kitsch da superficialidade das relações contemporâneas, com eventuais erupções de violência.
Goodman e seu time de roteiristas são bons em contrapor a relutância dos jovens protagonistas em encarar assuntos sérios de frente quando estão conversando uns com os outros e a profundidade das perturbações emocionais que os afligem quando estão sozinhos. Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado mergulha em questões nas quais os filmes apenas resvalavam, como a desigualdade social; mas também levanta questões com as quais Kevin Williamson não podia nem sonhar em 1997, como o efeito das redes sociais na saúde mental dos personagens e nas suas relações.
Não é que a série saia de qualquerum desses temas com insights profundos e inovadores - pelo menos não nos primeiros 4 episódios, e é difícil imaginar que isso mude na metade final da temporada -, mas ao menos ela busca honestamente interrogá-los. E essa disposição me parece simplesmente essencial para uma obra de ficção que pede ao espectador um investimento maior do que 1h30 em um sábado à noite, com um balde de pipoca e (idealmente) uma taça de vinho em mãos.
Daí também a importância da atuação equilibrada e emocionalmente franca de Madison Iseman, no papel duplo das gêmeas Lennon e Allison. Não só a atriz faz um bom trabalho em distinguir as duas personagens, como também encontra as correntes de arrependimento e desajuste mais profundas que existem em cada uma delas. A outra boa performance da série, enquanto isso, é a de Brianne Tju, facilmente a presença mais carismática do elenco como a “complicada e perfeitinha” influencer Margot.
Essa básica competência de contar uma história protagonizada por humanos críveis é o que torna palatável (em certa dimensão, até saborosa) a experiência desta nova Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado - e também o que justifica a simples existência do remake de uma das franquias de terror mais descartáveis, e paradoxalmente mais icônicas, de 20 anos atrás.