Veio até mim pela manhã.
Um convite inesperado que me deixou de boca aberta. Nem bem o sol alcançava o topo do céu e fui chamado para a viagem dos meus sonhos: passar três dias em Londres e ainda conhecer o set e o elenco da terceira temporada de The Witcher, da Netflix. Não tive tempo para pensar — e nem precisava. Aceitei. Uma semana depois, embarquei para uma viagem de quase 12 horas para encontrar o carniceiro de Blaviken. Porém, ver Henry Cavill na pele do bruxão não foi tão fácil quanto pensei que seria. Esse encontrou foi, na verdade, o que chamamos de cereja do bolo.
Além da responsabilidade de fazer uma excelente cobertura no set de The Witcher, minha mente estava tomada pela euforia de realizar a minha primeira viagem internacional. E, com um voo direto e de primeira classe, posso dizer que foi um ótimo começo. Chegando lá, fiquei hospedado em um hotel em frente ao palácio de Windsor, e lembrei que estava em um país onde a monarquia ainda existe. Hoje, penso que fui um “turista de sorte”, pois pude visitar a Inglaterra durante o reinado da lendária Rainha Elizabeth 2ª, que morreu meses depois. Não que eu seja um fã de monarquias, mas a viagem está nos detalhes.
Apesar de tantas horas de voo e passeios pela cidade, todo o trabalho aconteceu em apenas um dia. A agenda foi cheia. As gravações de Londres aconteceram em um local que mais parecia uma oficina de aviões desativada — não souberam nos confirmar o que exatamente ele era. Primeira parada: entrevistas. Tivemos uma breve coletiva com a showrunner Lauren Schmidt Hissrich, a atriz de Ciri, Freya Allan, e o bardo Jaskier, Joey Batey.
Set de The Witcher/Netflix/Divulgação
O local onde aconteceu a entrevista foi o cenário usado nas filmagens do velório da rainha Hedwig, mulher do rei Vizimir 2º da Redânia. Perguntei para Lauren se a chama branca iria impactar o futuro de Cirilla no terceiro ano e ela me respondeu que não, mas que ele “faz Geralt se tornar ainda mais protetor”. Freya disse que suas cenas favoritas foram as do deserto, gravadas em Marrocos, enquanto Batey revelou que ouvia Freddie Mercury para se preparar para a ação.
Após o breve bate-papo e os agradecimentos de Lauren pela visita ao seu set, fomos conhecer outros locais e falar com muita gente que trabalha para que The Witcher aconteça. O segundo cenário é uma vila com peças que eles podem remontar para criar outras paisagens. Os cenários finalizados são tão realistas que confundem a olho nu. Algumas casas de madeira montadas no set são funcionais, e servem como depósito para equipamentos da equipe. Ao todo, são cerca de 300 pessoas para cuidar dos processos de criação dos ambientes.
Mesmo as construções feitas com madeira se confundem com as casas de plástico e resina — que precisei dar dois toquinhos, como se batesse em uma porta, para diferenciá-las das reais. Do chão até o horizonte do vilarejo, cada detalhe é pensado para impedir que o mundo real entre no campo de visão da câmera ou do visitante.
Juntos, as centenas de profissionais envolvidos na criação desse universo live action construíram cerca de dez cenários imersivos que colocam elenco e equipe nos livros de Andrzej Sapkowski. Visitar esses espaços foi como ser transportado para um dos jogos de MMORPG que eu jogava na infância. As cores, as texturas, como as pequenas lojinhas eram distribuídas no set… tudo me levava a pensar que não é tão difícil assim trazer algumas franquias de jogos para o universo de carne e osso. Para entender como tudo isso era feito, fui até a fonte! Visitei a sala do chefe de efeitos especiais da série, Andrew Laws, e, além de ouvi-lo explicar em detalhes como tudo aqui saia do papel, fisguei alguns spoilers de cada um dos episódios da terceira temporada de The Witcher — que eu não vou te contar.
Todos os cenários construídos para a série recebem primeiro uma miniatura detalhista na sala dos efeitos especiais. Além da paisagem, todos os monstros também ganham suas versões em látex colorido para guiar os animadores nas cenas de movimento. Para não te deixar sem nada, direi apenas que a cena de Ciri com o unicórnio é linda.
Sobre os diversos monstros que aparecem nos oito episódios da terceira temporada, Laws diz que o processo de criação deles foi muito interessante. “Essa é uma temporada muito boa em questão de monstros”, disse ele. Questionado sobre qual deu mais trabalho para ser animado, ele diz que é o do primeiro episódio. “Porque o primeiro episódio define o tom da temporada e o terceiro ano está um pouquinho diferente porque pela primeira vez todos os personagens são familiares para o público”. Ele continua: “tivemos que encontrar uma solução rápida para introduzir a jornada deles nessa temporada”.
Set de The Witcher/Netflix/Divulgação
Como os fãs dos jogos devem ter percebido, apesar de alguns easter eggs, a produção artística da série não se baseia nos videogames. Laws revelou que nunca jogou The Witcher na vida, mas que tem um filho de 15 anos viciado em eletrônicos. “Eu tenho um grande respeito pelos jogos e acho que eles são outro ponto de vista dessa história - e um bem importante, especialmente para os fãs”, ponderou. “Mas acho que, para nós, [série e jogo] não são a mesma coisa. Acho que há tanta densidade na obra de Sapkowski que podemos olhar para isso de maneiras diferentes”.
Fim de papo! Hora de circular um pouco mais. Além de decorar todo o roteiro da temporada, parte do elenco ainda tem que aprender uma longa sequência de lutas para fazer os fãs do carniceiro de Blaviken pularem do sofá. Uma equipe com mais de 30 profissionais cria cada cena de batalha da série. Os atores repetem as sequências inúmeras vezes, enquanto outra equipe analisa e dá as diretrizes de como deixar a ação mais convincente, além de indicar qual o melhor ângulo para filmar cada parte, afinal, ninguém tem a cabeça atravessada de verdade na série.
Pergunto para Wolfgang Stegemann, o coordenador de dublês da série, qual sequência foi a mais difícil de criar, e ele responde rindo que “foram todas elas”. Ele continua dizendo que “existem diferenças entre elas, mas que foram igualmente complexas. Não importa se são três golpes ou uma cena longa, todas foram um desafio para nós”. Falamos também sobre o processo de aprendizagem dos dublês e quanto tempo eles levam para decorar tantas cenas de ação. Stegemann diz que é um longo processo, que envolve selecionar os dublês, analisar a cena e então criar o estilo de luta em torno dos personagens em questão.
Set de The Witcher/Netflix/Divulgação
Na visita, eu pude acompanhar a criação de uma batalha entre Geralt e cerca de 15 inimigos (ele matou todos, obviamente) e também a luta de uma dupla de gêmeos, que têm o poder ampliado quando aproximam suas espadas.
E por falar em espadas, um dos locais mais legais do set foi a armaria, onde ferreiros e artesãos experientes criam armas reais bem afiadas para serem usadas em cada temporada. Mas calma lá! Ninguém luta com elas. Elas apenas servem de base para a equipe de arte, que as reproduz em um material seguro para elenco e dublês. Existe um motivo para a produção criar armas reais antes das versões seguras: a precisão. Com uma arma entalhada artesanalmente, fica mais fácil para a equipe de arte reproduzir todas as marcas que o processo deixa na ferramenta. Algumas réplicas são tão precisas que o próprio criador das armas tem dificuldade para diferenciar as cópias das originais.
O chefe da armaria, Nick Jeffires, diz que a inspiração para as diferentes armas vem do roteiro e das questões que cercam os personagens — e todo esse processo demora. “Para criar ar armas reais [usadas como base para a arte], levamos cerca de duas a três semanas. E depois levamos mais algumas semanas para fazer as cópias”.
Set de The Witcher/Netflix/Divulgação
Para combinar com o cenário e armas reais, a produção tem uma grande equipe de figurino, que cria todas as roupas usadas pelos personagens da série. Além de definir uma identidade visual para o elenco, com paleta de cores e cortes específicos, o time é responsável por harmonizar os cenários e personagens. Como explicou a designer chefe Lucinda Wright, as roupas precisam imprimir a personalidade dos personagens, como o casaco de Jaskier, com um tom mais chamativo e leve. Lucinda diz que não se inspirou em nada da franquia de jogos para o seu trabalho na série. Ela assumiu a produção a partir da segunda temporada e teve a missão de dar autenticidade visual para a produção live action, portanto, ignorou parcialmente outras representações.
Set de The Witcher/Netflix/Divulgação
Ela nos mostrou uma tenda com centenas de araras com roupas de todos os personagens — principais e figurantes. Os trajes de Geralt, Yen, Jaskier e Ciri, utilizados nas cenas-chave do filme, como lutas finais, etc., ficam guardados no ateliê das costureiras, servindo também como peça de decoração. Graças a isso, pude tocar nas roupas do quarteto e comprovar que o tecido das fantasias de Henry Cavill estão mais maleáveis, para evitar o atrito entre o couro das roupas e seus músculos — como ocorreu no primeiro ano da série.
Em seguida, passamos pela sala de maquiagem, onde as dezenas de envolvidos na série vão para ficarem com a cara dos personagens que interpretam. Henry era o único com uma maquiadora particular, que não estava presente durante a nossa visita. Na oportunidade, vimos as máscaras e perucas usadas na produção e alguns rostos conceituais de como deveriam ficar certos personagens.
Set de The Witcher/Netflix/Divulgação
Após visitar todos os setores de produção, finalmente chegou o momento de assistir à gravação de uma cena ao vivo. Após 11 horas de voo e quase 24 horas em Londres, finalmente chegou o momento de encontrar o bruxo. A caçada estava prestes a terminar. Fomos para um galpão onde era rodada uma cena do balé dos magos
Assim como nos outros cenários, o grande salão de Aretuza é construído com perfeição, e as colunas de plástico confundem os olhos desatentos. A riqueza dos detalhes é imensa em todos os andares da construção. Enquanto o chão foi construído com cerâmica e cimento para trazer verdade à aparência rústica, as colunas, as paredes, o teto e os detalhes do piso superior são apenas plástico oco que enganam desavisados como eu.
Combinando o espaço irreal com a magia da série, Henry Cavill e Anya Chalotra interpretaram uma cena de baile em Aretuza que pude assistir ao vivo. A sequência foi filmada pelo menos cinco vezes e nela há um rápido diálogo que foi provavelmente iniciado em uma cena que eu não tive acesso. Basicamente, Yennefer (Anya) reclama de algo que Geralt fez. Após isso, a dupla se une a dezenas de dublês para uma sequência de passos extremamente detalhada. Com o casal mágico no centro, um grupo baila de maneira muito sincronizada.
Depois de visitar o local das filmagens de Aretuza, após o fim da cena do baile, fui direcionado para a saída. Enquanto caminhava, senti um leve cheiro de tinta se aproximando — não era como se eu me aproximasse da origem do cheiro. Viro levemente a cabeça e vejo um vulto branco passando ao meu lado. Era Henry. Ele estava muito sorridente e brincou com vários técnicos e produtores que encontrou pelo caminho até o local onde estava sua maquiadora. Depois disso, senti que minha caçada (nada selvagem) ao bruxo chegara ao fim.
Não tive a oportunidade de falar com Henry na visita, mas certamente perguntaria como ele consegue guardar tanta informação para um único papel.
O passado e o futuro
Na primeira temporada, conhecemos um Geralt mal-encarado e de poucas palavras. Para o bem e para o mal, o personagem se resumia a matar monstros e chamar atenção pela fama de Cavill, que reclamou e fez campanha para que, na segunda temporada, seu personagem retornasse com mais falas. Enquanto víamos o bruxão matar monstros no tempo corrente da temporada, os episódios também eram divididos entre o passado recente da princesa Cirilla de Cintra e a origem distante da maga Yennefer de Vengerberg. A troca constante de linha temporal culminou no finale da temporada, um episódio em que o Lobo Branco finalmente encontra Ciri, mas perde Yen na Batalha de Sodden.
O segundo ano retorna com Geralt e Ciri juntos na fortaleza de Kaer Morhen, lar original de todos os bruxos. Lá, a princesa troca a seda pelo couro e o cetro pela espada. A temporada então é marcada pela evolução dos poderes de Cirilla e também pela exploração do lado sentimental do carniceiro de Blaviken. Geralt volta a conviver com seus companheiros bruxos e Vesemir, sua figura paterna, além da própria princesa. Ainda no segundo ano, o avanço do exército de Nilfgaard fica ainda mais agressivo.
Nesse cenário, vimos os pedidos se Cavill serem ouvidos e o personagem ficou mais profundo e falante. Enquanto rolava a reunião de família na casa dos bruxos, Yennefer se encontrava com um inimigo poderoso que viria a se tornar o grande vilão da temporada. No fim, a maga, o bruxo e a princesa, terminaram unidos.
The Witcher/Netflix/Divulgação
Já no terceiro ano, reencontramos o trio como uma família, viajando juntos para proteger Cirilla de inúmeros inimigos que querem o poder da jovem. O novo ano é marcado por intrigas e armações de pessoas próximas ao trio de protagonistas, que novamente pode contar com a ajuda do leal bardo Jaskier.
Minha visita ao set aconteceu muito antes do anúncio da saída de Henry Cavill do papel do bruxo — ele será substituído por Liam Hemsworth a partir do quarto ano. Em nenhum momento houve qualquer sinal de despedida do ator, que deve deixar o papel na melhor temporada até aqui.