The Walking Dead/AMC/Divulgação

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The Walking Dead | Há 10 anos, série começava com um de seus melhores episódios

No aniversário do programa relembre como tudo começou, e como as coisas mudaram ao longo da década

02.11.2020, às 17H44.

Não é só o Dia das Bruxas que ocorre em 31 de outubro. A data também é aniversário de The Walking Dead e, no último sábado, a série de TV completou dez anos na televisão. Hoje em dia, o programa da AMC é bastante divisivo, mesmo entre os fãs. Mas, há uma década, a adaptação das HQs de Robert Kirkman chegava com um pé na porta.

Ao longo de dez anos, o seriado mudou drasticamente. Figuras centrais deixaram a trama - incluindo o protagonista Rick Grimes (Andrew Lincoln) -, novos rostos foram introduzidos, e toda a dinâmica e ritmo foram se alternando de acordo com a narrativa. Até por trás das câmeras ocorrem trocas de comando, intrigas e muito mais. Seja como for, vale dar um passo para trás e revisitar o início de The Walking Dead.

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Quando a série se iniciou, lá em 2010, tinha uma personalidade de peso apoiando o projeto: Frank Darabont, que levou os quadrinhos de Kirkman para a TV. Diretor e roteirista de clássicos como Um Sonho de Liberdade (1994), À Espera de Um Milagre (1999) e O Nevoeiro (2007), é certo dizer que o cineasta tem experiência no drama, na tensão e no terror (já que, além de O Nevoeiro, também escreveu episódios de Contos da Cripta). No piloto, chamado de “Days Gone By”, ele coloca tudo isso a prova.

Ao invés de explicar a origem do apocalipse, o episódio - dirigido e escrito por Darabont - já começa mergulhado no caos. Um policial aparece na tela, em busca de combustível, e avalia a destruição em sua volta. A cena é repleta de carros batidos e cadáveres. O policial então se depara com uma criança mas, ao tentar se aproximar, percebe que se trata de um zumbi.

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O protagonista, visivelmente abalado, atira na testa criança zumbi. Com menos de cinco minutos, os espectadores são impactados com a revelação do primeiro morto-vivo do seriado, e com imagens gráficas de violência. Hoje em dia é bem possível que o público releve isso, mas é preciso frisar o quão gráfico o piloto de The Walking Dead é, principalmente para os padrões televisivos da época.

A relação entre o terror e a televisão sempre foi um pouco complicada. Programas serializados, com tamanho nível de qualidade visual, com uma emissora que permita tripas e mortes com todos os detalhes, são uma raridade. Mas como a AMC na época estava lentamente conquistando seu espaço com Mad Men e Breaking Bad (que não era um fenômeno ainda), a equipe de The Walking Dead teve bastante liberdade para ousar.

Na TV, em que o público simplesmente pode se distrair com qualquer coisa ou até mudar de canal, é preciso de um gancho inicial muito forte. Uma série de zumbis que já começa com sobrevivência e headshots com certeza se saí muito bem nisso. Vale mencionar também que a garotinha zumbi - vivida pela atriz Addy Miller aos 10 anos de idade na época - hoje já é adulta, tem 20 anos e segue na carreira de atuação. Não só ela retornou ao centésimo episódio da série, em 2017, como também continua bastante fã de TWD.

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Mas reduzir The Walking Dead à uma série de sobrevivência é o motivo pela desilusão de muitos fãs, que começaram a acompanhar apenas para descobrir que há muito mais em jogo. Darabont estabelece isso muito bem. Após uma abertura de peso, o público volta ao pré-apocalipse, acompanhando o cotidiano do policial Rick, e seu colega Shane (Jon Bernthal). Sentados na viatura, a dupla discute seus relacionamentos. Enquanto o colega reclama das mulheres em sua vida, o protagonista lamenta o estado de seu casamento e revela ter certo atrito com sua esposa, Lori (Sarah Wayne Callies).

O diálogo dá uma boa desacelerada no frenesi inicial, e passa uma mensagem muito importante: ao lado da luta para se manter vivo, o outro pilar que sustentará The Walking Dead são os relacionamentos interpessoais. A dinâmica entre as pessoas, sejam românticas, amizades ou inimizades, é tão importante quanto a matança de zumbis e buscas por suprimentos. Isso é estabelecido lá atrás e continua sendo verdade mesmo 10 temporadas depois.

Com as bases estabelecidas, Darabont injeta mais uma dose de ação, com Rick e Shane sendo chamados para impedir assaltantes em fuga. A disputa termina em tiroteio, o protagonista é baleado nas costas e é levado ao hospital em coma. Quando enfim acorda, o mundo já foi tomado pelos mortos.

Enquanto muitos dos fãs ainda sonham em saber a origem do apocalipse, e o criador Robert Kirkman segue brincando com essas expectativas ao dar respostas falsas, a decisão serve muito bem para o piloto. É uma forma elegante de não se perder em justificativas, já que não é de explicações que surgem boas narrativas. Algo que o terror e a TV têm em comum é que funcionam melhor quando deixam algumas coisas para a mente do espectador.

A jornada pelo hospital é bastante emblemática das intenções de Frank Darabont no começo da série. Nos anos 2000, graças à filmes como Extermínio (2002) e o remake de Madrugada dos Mortos (2004) por Zack Snyder, o subgênero de zumbis se misturou com ação frenética ao ponto de mudar as criaturas. The Walking Dead, por sua vez, queria ser menos assim, e mais os lentos caminhantes das obras de George Romero, cuja força está nos números, e cujo drama está nos conflitos entre os vivos. Aliás, essa foi toda a inspiração de Robert Kirkman nas HQs. O criador já afirmou nas seção de cartas da edição #171 que sua intenção era criar “um filme de zumbi do Romero que nunca acaba”.

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A presença de George Romero pode ser sentida em todo o piloto do programa, algo que com certeza ajudou a conquistar uma legião de fãs. Além do ritmo cadenciado e repleto de silêncio que boa parte do episódio usa, a violência gráfica e o altíssimo nível de qualidade estética dos mortos-vivos também é indiretamente graças ao cineasta.

Acontece que as maquiagens são assinadas por Greg Nicotero.

O mestre dos efeitos práticos é discípulo direto de Romero já que, quando criança, morava ao lado do pai dos zumbis. A boa relação entre vizinhos fez com que Nicotero praticamente crescesse nos sets de terror. Por conta disso, ele tem créditos no departamento de efeitos visuais de clássicos como Evil Dead II, Predador, Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Pânico e muito mais. Também trabalhou diretamente com George Romero em alguns de seus filmes, como Dia dos Mortos (1985), em que foi assistente do lendário Tom Savini, e Terra dos Mortos (2005), em que foi diretor de segunda unidade.

Nicotero sempre impressionou pela nojeira e inventividade na hora de criar o visual dos mortos-vivos com sua equipe. Presença recorrente em The Walking Dead, durante a segunda temporada ele fez sua estreia como diretor, posto que ocupa até as temporadas recentes. Greg Nicotero, que estava lá na introdução de Rick, também será o responsável por dirigir o filme que mostrará seu retorno.

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Não é exagero dizer que o episódio inicial de The Walking Dead é um dos melhores pilotos já feitos. Repleto de tensão e momentos marcantes, com gostinho de George Romero e Extermínio, o episódio demonstra um altíssimo nível de qualidade que, até 2010, era completamente desconhecido para séries de gênero. Com mais de uma hora de duração, apresenta o protagonista que o público acompanharia pelos próximos nove anos, e estabelece a sólida base em que toda a franquia seria construída ao longo de uma década.

Hoje em dia há muita gente que já cansou do programa. É compreensível visto que, por alguns anos, arcos narrativos foram estendidos mais do que deveriam, ao ponto de tornarem tudo um pouco cansativo. Muita coisa aconteceu por trás das câmeras também, com Frank Darabont deixando a produção logo após dar vida para sua criação. E não foi uma separação fácil, também.

Por perceber que não foi bem pago pelo universo que botou nas telas, o idealizador comprou uma briga com a AMC que só vai ao tribunal em 2021. Quando saiu do posto de produtor-principal, o seriado também teve uma verdadeira dança das cadeiras: Glen Mazzara assumiu primeiro a responsabilidade de showrunner, sucedido por Scott M. Gimple, que por sua vez deu lugar para Angela Kang.

A dança das cadeiras também aconteceu na frente das câmeras. Rick deixou o programa em 2018, e fez junto com muitos outros protagonistas, como Carl Grimes (Chandler Riggs) e Michonne (Danai Gurira). Das pessoas mostradas no piloto, é irônico que apenas Morgan (Lennie James), que introduz o policial ao mundo dos mortos-vivos, é único que permanece em ativa - mas não na série principal. Traumatizado após muita guerra e morte ao lado dos sobreviventes, ele foi procurar um pouco de paz na primeira derivada Fear the Walking Dead.

A história de Rick, por sua vez, não acabou. Sua saída meramente foi a expansão de um universo, ainda mais contextualizada pelos eventos de World Beyond, a segunda derivada. Enquanto não há o seu retorno e respostas em um filme, vale lembrar que, há um certo tempo atrás, a figura do policial apresentava aos espectadores um mundo de horror, sobrevivência e conexões humanas.

The Walking Dead está disponível na Netflix, Globoplay, Amazon Prime Video e também no catálogo do Fox App. A série chegará ao fim em 2022, com a 11ª temporada - saiba mais.