Quando Negan fizer a sua estreia no final da sexta temporada de The Walking Dead, e o público tomar conhecimento do segundo vilão mais destrutivo do universo da série, ao lado do Governador, não será apenas o ator Jeffrey Dean Morgan, figura conhecida do cinema, que destoará do elenco televisivo. O próprio Negan é um personagem que, na HQ, sempre pareceu alheio aos demais sobreviventes do apocalipse zumbi.
Negan se enquadra num perfil meio tarantinesco de vilão: repete o tempo inteiro que vive em função de regras, sem as quais ninguém sobrevive, faz dessa repetição um sermão constante nos seus monólogos cheios de palavrões, mas age com imprevisibilidade e vive botando assuntos off-topic em seus discursos. É o tipo mais perigoso de sádico, o despreocupado, e coloca a responsabilidade dos seus atos hediondos no seu objeto de estimação, Lucille, um taco de beisebol enrolado com arame farpado. São esses estouros de fúria que sugerem que o fanfarrão Negan está mais divertindo-se do que organizando o fim do mundo.
Como líder de um grupo chamado Os Salvadores, que ataca comunidades espalhadas por Washington e as intimida a dividir seus recursos, em troca de uma suposta proteção, Negan chega na série num momento em que todos despertam para uma reorganização social. Enquanto o grupo de Rick sonha que é possível recomeçar a sociedade a partir da vida comunitária, porém, Negan se apresenta como o senhor feudal (ou um califa, com direito a harém) que está muitos passos à frente dos demais, em termos de estratégia militar. Ele dispersa seus tenentes - como Dwight, já mostrado na TV com o ator Austin Amelio - em postos avançados para cercar opositores e atacar rápido, se preciso.
Nos quadrinhos, o criador de Walking Dead, Robert Kirkman, fez suspense antes de revelar Negan, colocando apenas a silhueta do personagem na capa da HQ, por meses. Quando enfim mostrou-o, Kirkman tentou reproduzir com Negan algumas das situações que tornaram o Governador tão icônico. Ambos são líderes pelo terror, e nem todos os seus capangas entregam a fidelidade que prometem. A maneira encontrada para apresentar o vilão e seu domínio também é parecida: colocar uma pessoa do grupo de Rick em perigo para levar a trama ao acampamento do rival e revelar seu funcionamento e sua infra-estrutura. E como o Governador, Negan também tem seus fetiches bizarros.
A diferença fundamental é que Negan parece já ter abstraido do apocalipse zumbi. Quando ele surge, com sua jaqueta de líder de gangue de motoqueiros, ri dos aliados de Rick e já antevê seus dramas, como o fato de Carl ser um adolescente que perdeu a infância. É como se Negan enxergasse-os de fora da HQ, como um comentarista de Walking Dead que de fato está alheio àquele mundo - o que o torna inatingivel. O fato de Negan ser uma testa inteira mais alto que Rick só serve para tripudiar. A chegada do vilão e de Jeffrey Dean Morgan podem dar um bem-vindo toque de sarcasmo a uma série de TV que tantas vezes se leva a sério demais.