Se você tivesse a oportunidade de voltar à época do ensino médio, o que tentaria fazer para mudar o futuro? Takemichi Hanagaki, o protagonista de Tokyo Revengers, tem uma resposta bem óbvia: ele entraria em uma gangue para impedir que, dali 12 anos, sua amada namorada seja assassinada em um confronto.
Tokyo Revengers finalmente estreou e já é um dos principais animes da atual temporada japonesa, além de ser inspirado em um mangá premiado no Japão. Mas nem tudo foi fácil para esse anime, pois havia uma polêmica que poderia complicar o lançamento no ocidente. Vamos entender por que.
Passado delinquente
A história de Tokyo Revengers é daquelas que partem de uma premissa bem fantasiosa, mas que mantém um pézinho na realidade. O protagonista é Takemichi Hanagaki, um jovem adulto cuja rotina se resume a trabalhar em uma loja de DVDs e voltar para seu minúsculo apartamento, em uma vida sem muito futuro. Num belo dia, enquanto assiste ao telejornal, Takemichi escuta a notícia sobre a morte de Hinata Tachibana, assim como de seu irmão mais novo Naoto Tachibana. É aí que vem uma memória de seu passado: Hinata é ninguém menos que sua namorada na época de escola, a única pessoa que ele amou na vida. E agora ela estava morta.
Abalado com a notícia, Takemichi segue com sua vida de proletário quando, do nada, alguém lhe empurra da plataforma do trem e ele cai nos trilhos, prestes a ser atropelado. Ao abrir os olhos, como num passe de mágica, ele não está mais na frente de um trem em movimento, e sim 12 anos atrás em sua escola, ao lado de seus antigos amigos. O choque da viagem no tempo só não foi maior que ver seu próprio refllexo como jovem: o Takemichi do passado era bem diferente, ostentava um cabelo rebelde e descolorido e e participava de uma pequena gangue, mas a vida mudou para sempre quando seu grupo apanhou de uma gangue bem maior.
Como voltou ao passado, Takemichi percebe que agora ele tem uma possibilidade única em suas mãos: talvez seja possível evitar a morte de Hinata no futuro. Com uma ajudinha do destino (e do roteiro), ele encontra o irmão mais novo da namorada, Naoto, e lhe conta sobre a viagem no tempo e como que Hinata iria morrer. Assim que os dois se cumprimentam, prometendo cuidar da garota, uma luz ofusca a todos e Takemichi retorna ao presente, tendo sobrevivido à queda no trilho do trem. É aí que sua vida muda radicalmente.
O rapaz é recebido exatamente por Naoto, que nesse novo presente não morreu graças ao aviso dado por Takemichi em sua viagem no tempo. Mas nem tudo é festa, pois Hinata não conseguiu escapar de seu destino e mesmo assim morreu. Felizmente, o nosso protagonista terá uma nova oportunidade: com a ajuda de Naoto, agora um investigador policial, Takemichi descobre uma forma de viajar 12 anos ao passado novamente para tentar evitar que a gangue Manji, responsável pela morte dela no presente, fique cada vez mais poderosa. Seu primeiro objetivo passa a ser impedir que "Mikey", o presidente da gangue, conheça uma determinada pessoa.
Com essa premissa em mãos, acompanhamos a vida adolescente de Takemichi tentando impedir a morte de Hinata, ao mesmo tempo em que conhecemos a estrutura da gangue Manji e todos os mistérios relacionados ao misterioso presidente do grupo. O que terá acontecido a ele para que uma simples (mas poderosa) gangue escolar tenha se transformado em um grande e perigoso grupo criminoso no Japão do presente?
O anime de Tokyo Revengers não conta com o visual trabalhado de outros shonens como Jujutsu Kaisen ou Demon Slayer, ele tem um visual mais simples, mas é uma animação competente para mostrar os conflitos de uma gangue japonesa. A produção do anime é do estúdio Liden Films, que nesta mesma temporada também trabalha na adaptação de Farewell, My Dear Cramer (que recebeu algumas críticas por conta de sua animação). Curiosamente, o Liden Films foi responsável por um anime muito bonito da temporada passada, o Suppose a Kid from the Last Dungeon Boonies Moved to a Starter Town (o nome é tudo isso mesmo).
A direção de Tokyo Revengers é de Koichi Hatsumi, que desempenhou essa mesma função no anime de Deadman Wonderland, e ao que parece ele respeita bastante o trabalho feito pelo autor no mangá original. Muitas cenas de Tokyo Revengers são uma reprodução quase literal do que o mangaká colocou nas páginas da versão em quadrinhos. Já a trilha sonora ficou com Hiroaki Tsutsumi, que soube criar uma atmosfera única assim como em seu outro trabalho famoso, o anime de Jujutsu Kaisen. Um dos destaques do anime é o trabalho de Yuki Shin fazendo a voz do protagonista Takemichi, sendo que esse é um de seus primeiros papéis de bastante relevância em uma animação (ele também faz nesta temporada o Natsuo Todoroki de My Hero Academia).
Já falamos sobre o processo de adaptação de Tokyo Revengers para anime, mas o que podemos falar da fonte original da história?
Um sucesso editorial
Tokyo Revengers é um mangá criado por Ken Wakui e tem seus capítulos semanalmente lançados na Shonen Magazine (revista japonesa semelhante à Shonen Jump, mas publicada pela editora Kodansha) desde março de 2017, com 21 volumes encadernados até o momento. O título é um sucesso no Japão e chegou a ganhar o prêmio de melhor shonen no último prêmio da Kodansha realizado em 2020, derrotando títulos famosos como Spy x Family e That Time I Got Reincarnated as a Slime.
Por mais inusitado que pareça ao leitor ocidental, o mangá faz parte de uma categoria de história bem conhecida no Japão: os mangás de gangue. Há uma infinidade de títulos mostrando histórias de membros de yakuza, mas também há um braço no gênero dedicado às histórias de gangues juvenis, formadas por estudantes colegiais que transgridem as regras e criam um grupo próprio, às margens das leis e dos costumes japoneses.
Embora sejam bastante populares no Japão, aqui no Brasil tivemos poucos mangás de gangue sendo lançados. Alguns publicados por aqui são GTO - Great Teacher Onizuka (lançado pela NewPOP) que mostra um professor rebelde que fazia parte de uma gangue, e também Beelzebub (lançado pela Panini), ambientado em uma escola dominada por quatro gangues de adolescentes revoltados, cujo reinado é ameaçado pelo protagonista que se torna babá do filho do Diabo. Como se vê, embora tenham elementos de mangá de gangue, as histórias desses exemplos não eram totalmente focadas no grupo.
Até o momento, Tokyo Revengers não teve seu lançamento anunciado por uma editora brasileira, mas a edição lançada nos EUA pelo braço ocidental da Kodansha acabou revelando um problema que a série enfrenta aqui desse lado do globo: as inevitáveis censuras pelo uso da suástica budista.
A questão da suástica
Há uma "brincadeira" no meio do design gráfico sobre identidade visual, pois dizem que uma marca deve se preocupar apenas com duas coisas na hora de criar um logotipo: não pode se assemelhar a um membro sexual masculino e não pode ficar parecido com uma suástica nazista. Após todo o terror promovido pela ideologia de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, todo o ocidente evita ao máximo o uso de qualquer coisa semelhante àquele símbolo usado pelo exército Nazista, e isso trouxe alguns problemas para obras orientais.
Há séculos existe uma suástica budista, chamada manji, usada para representar a paz e a prosperidade, e ela é muito semelhante ao símbolo usado por Hitler, porém com os traços em um sentido oposto. Por conta disso, vários animes e mangás foram editados no ocidente para que as proximidades visuais entre os símbolos não levasse a interpretações equivocadas de personagens da ficção. Imagina se, por exemplo, um monge budista é confundido com um seguidor de Hitler.
Um dos casos mais famosos é o do mangá Blade of the Imortal (lançado no Brasil primeiro pela Conrad e posteriormente pela JBC), no qual o protagonista Manji carrega esse símbolo em suas costas. Para evitar confusões, as duas editoras precisaram explicar em todas as ocasiões possíveis sobre outro significado do símbolo budista, além de mostrarem que a suástica aparece grafada em lugares como templos sagrados no Japão.
Já outras obras preferiram fugir de qualquer problema e trocaram o símbolo na cara dura mesmo, ou mesmo apagaram. Na exibição brasileira de Yu Yu Hakusho, a rede Manchete usou edição de imagem para retirar o manji da testa do personagem Kazemaru, um ninja sem qualquer relação com o nazismo. Já a Shueisha foi ainda mais longe: originalmente o Ace de One Piece tinha tatuado em suas costas uma suástica com o rosto do Barba Branca no centro, tal qual a bandeira do pirata. A saída foi mudar toda a simbologia: com autorização do autor, o ícone do grande pirata da série passou a ser uma cruz com seu rosto no meio. Mas em Tokyo Revengers, o caso é bem complicado.
A suástica não só é o símbolo da gangue Manji, como também aparece nos uniformes, nas bandeiras e até mesmo no logotipo da série. O símbolo ganha bastante destaque em várias capas do mangá, e uma ilistração famosa mostra a gangue Manji bradando uma bandeira com a suástica budista. Para isso levar a uma outra interpretação no ocidente é um pulo.
Na versão animada, optaram por fugir do problema: a gangue ainda se chama Manji, afinal tem relação com o nome do presidente Manjiro, mas o símbolo foi retirado do uniforme e trocado por ideogramas japoneses, pelo que se pode ver nas imagens promocionais. Da mesma forma, o logotipo de Tokyo Revengers não carrega mais a suástica no dentro da rachadura presente no nome da série. Todo esse trabalho mostra o quanto as produtoras japonesas estão prestando mais atenção não só ao que o público ocidental gosta de consumir, como também todos os problemas que podem ser levantados em outras culturas.
Como assistir?
Se quiser conferir a versão animada de Tokyo Revengers, os episódios são lançados semanalmente na Crunchyroll, logo após a exibição japonesa. Nesse caso você assistirá em japonês com legendas em português.
A boa notícia é que a plataforma já confirmou que Tokyo Revengers será uma série com dublagem expressa, ou seja, daqui algumas semanas começarão a ser lançados também semanalmente os episódios com dublagem em português. A data ainda não foi confirmada, então é bom ficar de olho.