Embora Estab Life: Great Escape faça parte da atual temporada de animes, quase ninguém está falando sobre a produção. Tudo bem, é um anime no máximo mediano e estamos em uma temporada com outras alternativas excelentes como Dance Dance Danseur e Spy x Family, mas as pessoas nem ao menos se deram ao trabalho de conferir a estreia. O principal motivo? Talvez seja por se tratar de um anime produzido através da computação gráfica.
A forma como diferentes mercados aceitam as facilidades da computação é bem distinta. Enquanto a indústria da animação ocidental abraçou totalmente as séries em CGI, vide as recentes séries de Bob Esponja e Os Rugrats nesse formato, os animes japoneses ainda relutam em entrar de cabeça nesse formato. Parte do problema até podem ser as dificuldades tecnológicas, mas um motivo importante é essa possível aversão que os otakus sentem da animação computadorizada.
2D vs 3D
Se você parar agora um otaku na rua e pedir exemplos de boas animações, muito provavelmente ouvirá nomes como Demon Slayer - Kimetsu no Yaiba, Jujutsu Kaisen e Ranking of Kings. Recentemente houve um estouro de animações deslumbrantes em séries televisivas, e os estúdios perceberam que as famosas “sakugas” (nome dado a esses momentos muito bem animados) repercutem bem entre os otakus. One Piece, por exemplo, mudou toda a sua staff há alguns anos e passou a entregar cenas primorosas desde o começo do arco de Wano. Mas por que quando lembramos de boas animações a gente costuma ignorar os animes em 3D?
Perguntar aos fãs o que acham dos animes em 3D é pedir para receber vários exemplos de produções ruins ou que envelheceram mal. Entre os animes em CGI mais lembrados estão a série derivada de Hokuto no Ken, a adaptação de Ajin e a (infame) versão de Berserk feita em 2016. Esta em especial teve um impacto (negativo) tão grande que rendeu um GIF animado usado à exaustão pelos otakus, mostrando um trecho no qual o protagonista Guts sai de cena com uma animação pouco convincente, como se ele fosse um bonequinho não-articulado sendo movido pela mão de uma criança. Quem vê pensa que não existem bons animes produzidos através da computação gráfica.
A impressão que os otakus têm do 3D nos animes esbarra na utilização ruim do recurso no passado. É muito fácil lembrar de animes que utilizaram a computação gráfica como forma de facilitar alguns momentos difíceis de animar, como é o caso dos rachas de Initial D, mas os que mais ficam na memória dos fãs são aqueles com as CGs ruins: os dinossauros de Dinossauro Rei, os piões de Beyblade e os monstros do obscuro Zoids. Talvez por essa generalização as séries inteiramente feitas através da computação gráfica sejam recebidas com pé atrás por parte dos otakus. É só lembrar como foram pouco celebradas as animações de Knights of Sidonia e Ajin, ambas produzidas pela Polygon Pictures (estúdio também responsável pelo Estab Life citado no começo da matéria)
Não estou aqui militando a causa dos animes em 3D e nem afirmando que todos são bons. Pelo contrário, nos últimos anos tivemos uma quantidade grande de produções que não chegaram nem perto do aceitável, basta lembrar o desastre que foi EX-ARM. Esta série exibida no começo de 2021 (e que fizemos até uma matéria especial aqui no Omelete) teve a proeza de ser assinada por um diretor que nunca fez anime na vida trabalhando com um estúdio sem qualquer histórico com animações. O resultado é um anime que beira o terrível, um ícone sobre como NÃO fazer um anime.
Mas para cada EX-ARM que não dá certo, alguns outros conseguem avançar no quesito tecnologia e entregar algo muito próximo de um anime em 2D. O melhor exemplo desse gênero é Beastars, produzido pelo estúdio Orange. A história original de Paru Itagaki mostra o cotidiano de animais antropomórficos em um colégio, e seria bastante complicado manter a consistência de uma animação, então a saída foi apostar no 3D. O diretor Shin'ichi Matsumi construiu uma mistura muito competente de cenários em 2D com modelos de personagens cuja movimentação emula as “limitações técnicas” de uma produção tradicional. E para não se tornar muito trabalhoso ou caro, personagens pouco importantes foram feitos em 2D tradicional, mas de uma forma que não destoasse dos demais.
O resultado é um anime em que muitas vezes nos pegamos pensando “espera… isso aí é 3D ou 2D?”. O estúdio Orange inclusive é o responsável pelo anime em 3D que muitos consideram a exceção à regra: Land of the Lustrous (ou Hoseki no Kuni, no original). Muitas listas na internet inclusive colocam este como o melhor anime produzido através da computação gráfica, tudo por conta de sua movimentação impecável e personagens muito bem modelados. Enfim os refrescos chegaram para a animação em 3D.
3D ajudando o 2D
E não é como se o otaku rejeitasse totalmente a animação em CGI, pois muito do que consumimos hoje em animação tradicional conta com o auxílio dos computadores. Os tão elogiados efeitos das magias de Jujutsu Kaisen ou de Demon Slayer são feitos através da computação gráfica, e isso porque nem estamos falando que modelos em 3D foram usados em momentos específicos, em cenas de ação e trechos da abertura. E lembra daquela cena impressionante do incêndio no Distrito do Entretenimento na mais recente temporada de Demon Slayer? Saiba que tudo aquilo eram efeitos especiais alcançados através da tecnologia, mostrando que a animação computadorizada está se aproximando ao pouco dos nossos animes.
Nisso percebemos que o principal problema que os otakus têm com a animação em CGI é que os fãs não querem lembrar que estão assistindo a algo em 3D. Por recordarem apenas de péssimos exemplos (olha aí o legado de EX-ARM de novo), muitos fazem vistas grossas para o avanço da tecnologia, que atualmente consegue se aproximar do jeitão dos animes em 2D através de modelos em 3D. Os encerramentos de Pretty Cure, todos feitos em CGI para facilitar a animação das dancinhas, estão cada vez mais impressionantes e mais parecidos com a própria animação em duas dimensões. O próprio estúdio Orange, de Beastars, é a prova viva de como o salto tecnológico tem sido muito rápido. Um dos primeiros trabalhos do estúdio foi na computação gráfica do hoje criticado Zoids. Imagine então o salto de qualidade que podemos ter nos próximos anos!
Após chegar até esse ponto da matéria é normal pensar “mas se é para parecer uma animação em 2D, qual seria a vantagem de fazer em 3D?”, e a resposta é simples. Por usar modelos já prontos, o anime ganharia em consistência (não teríamos mais traços variando de episódio para episódio e nem produções feitas às pressas) e permitiria uma movimentação em cenas de ação que dificilmente encontraríamos em um anime tradicional. O novo filme de Dragon Ball Super, que inclusive ganhou data de lançamento no Brasil, é uma tentativa de levar o visual feito em computação gráfica para essa franquia tão famosa, algo que deve facilitar na hora de se animar os combates ágeis exigidos pela franquia.
É importante lembrar que ninguém aqui está desejando o extermínio dos animes em 2D, ou mesmo que todas as produções sejam feitas por computação gráfica; desejo apenas que o 3D também seja aceito. Será que o 3D, quando realizado em projetos que tenham a ver com a proposta, não poderia ser um formato de animação mais abraçado pelo meio otaku? A resposta para esses questionamentos teremos apenas no futuro, mais próximo do que imaginamos.
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Caso tenha ficado interessado em dar uma chance para animes produzidos em computação gráfica, temos aqui alguns bons exemplos. Recomendo BLAME!, Ultraman, Beastars e Hi Score Girl, todos parte do catálogo da Netflix. Se quiser conferir o quão ruim (e involuntariamente divertida) pode ser uma animação em 3D, sugiro dar uma olhadinha em EX-ARM no catálogo da Crunchyroll. E retomando o assunto do começo do artigo, Estab Life: Great Escape está sendo lançado na Crunchyroll e é bastante divertidinho, além de ser uma animação que emula bem o estilo 2D. Vale uma chance.