Em meados dos anos 2000, as distribuidoras americanas descobriram a mina de ouro que era licenciar animes japoneses. Com o sucesso de Pokémon, todo mundo focou no Japão em busca de mais desenhos de "pessoas de olho grande", independente do conteúdo.
O problema era que os desenhos japoneses lidamde forma diferente com violência e alguns temas polêmicos, então o pessoal do ocidente se viu em uma encruzilhada no caminho por uma audiência fácil. Para adaptar o conteúdo ao público e costumes ocidentais, algumas coisas foram editadas e censuradas nos animes sem o menor pudor. Na lista abaixo comentamos sete exemplos de animes marcados pela censura ocidental.
Pokémon
Pokémon é uma animação para crianças tanto no ocidente quanto no Japão, mas certos conteúdos dos episódios foram tratados como tabus pela 4Kids. Além do famoso episódio que causou casos de epilepsia no Japão, a distribuidora chegou a descartar um episódio por ter arma de fogo e outro por colocar James de biquíni com um peito maior do que o de Jessie. Porém, algumas outras mudanças "leves" aconteceram para não causar estranhamento no público americano.
Nas primeiras temporadas, a 4Kids mudou na tradução o onigiri, bolinho de arroz japonês, para biscoito ou pipoca doce. Em temporadas posteriores ela foi ainda mais cara-de-pau e editou um onigiri para transformá-lo em um sanduíche. Tanto esforço assim só para não aparecer um prato japonês no anime!
Yu-Gi-Oh!
Pokémon fazia um baita sucesso, então a mesma 4Kids foi atrás de um outro anime que envolvia adolescentes e monstros colecionáveis. A distribuidora voltou com Yu-Gi-Oh! embaixo do braço e estava decidida a transformar aquela série na nova mania... mesmo que precisasse mudar todo o conteúdo soturno da animação. Um festival de edições foi realizado para transformar Yu-Gi-Oh! em um anime mais leve: foram retiradas todas as armas de fogo (os seguranças apontam o dedo para os inimigos), crucifixos foram editados para tirar qualquer conotação cristã e por aí vai.
A maior mudança em Yu-Gi-Oh! no entanto foi a eliminação do conceito de "morte". Na versão americanizada nenhum personagem morria, era apenas "transportado para o Domínio das Trevas". Qualquer ameaça à vida dos personagens também foi excluída: em um episódio, serras elétricas que cortariam a perna de um duelista foram substituídas por lâminas laser que levam a pessoa automaticamente para o Domínio das Trevas. Parece até piada.
Card Captor Sakura
Os americanos também se tornaram mestres em mudar diálogos para alterações nas séries animadas. A gente aqui no Brasil teve sorte de receber Card Captor Sakura sem qualquer corte, mas os americanos azarados acabaram sofrendo nas mãos da distribuidora Nelvana. Pra começar, ela mudou a história da série para que fosse uma aventura protagonizada pela Sakura e pelo Syaoran. Sim, Sakura não era mais a protagonista solo!
Eles mudaram diálogos, cortaram informações e rearranjaram a ordem dos episódios para fazer com que o Syaoran fosse tão importante para a série quanto a Sakura. Até o título foi mudado, e passou a ser "Card Captors". Além dessa mudança bizarra, os americanos também fizeram o serviço de sempre: mudaram trilha sonora de fundo, cortaram temas polêmicos como insinuações LGBT e o perturbador romance entre professor Terada e a aluna Rika.
InuYasha
Criada por Rumiko Takahashi, InuYasha é uma história sobre o folclore japonês e o período feudal do país, e a versão ocidental trazida pela Televix ao menos teve o cuidado de manter a ambientação japonesa. Tirando a mudança de nomes no Brasil (Kagome/Agome, Miroku/Mirok e Naraku/Narak para evitar o espírito da quinta série que nos habita), as únicas mudanças realizadas em InuYasha foram para minimizar a violência e erotismo, mas o resultado ficou meio estranho.
As cenas de ação, sempre envolvendo espadas e garras fatiando demônios, foram amenizadas diminuindo o frame rate dos golpes. O público via tudo em câmera lenta, possibilitando a Televix eliminar as imagens mais violentas. O sangue teve a cor escurecida para ficar mais difícil de ver. A câmera lenta também foi usada para evitar a exibição de seios femininos. Porém, no primeiro episódio havia uma cena que era impossível usar esse recurso. O que eles fizeram? Criaram digitalmente um topzinho azul na demônia do episódio.
Fullmetal Alchemist
Uma das mais aclamadas séries shonen dos últimos anos não teve apenas uma versão censurada no ocidente, e sim duas! Fullmetal Alchemist foi distribuída ao ocidente pela mesma Televix de InuYasha e a versão tinha umas manchas mal-feitas tampando o sangue no chão e roupas. O público brasileiro viu a versão sem censura quando a série foi exibida no Animax e só teve acesso a esses cortes por acidente quando a Focus Filmes lançou o quarto box de DVD por aqui: a empresa colocou a versão censurada nos discos em vez da versão normal por descuido, o que só foi corrigido no lançamento do box completo.
Fullmetal Alchemist também foi exibido no Brasil pela RedeTV em uma época na qual o Ministério da Justiça estava de olho no conteúdo inadequado na televisão. Por isso, a emissora por conta própria também saiu censurando umas cenas, tornando o anime de ação mais aceitável para os padrões da Classificação Etária Livre.
Sailor Moon
Sailor Moon foi outra série que teve algumas pequenas censuras ao ser trazida ao ocidente. Aqui no Brasil tivemos acesso a uma versão bem parecida com a original, mas com algumas mudanças feitas para eliminar personagens LGBT na série. Zyocite e Malachite (Kunzite no original) eram dois soldados da grande vilã Rainha Beryl e mantinham um romance bem explícito, mas a versão latina realizou uma mudança de gênero para não ter um casal homoafetivo na série: Zyocite, que era um homem, foi transformado em mulher na dublagem e ganhou uma voz feminina.
Já a versão americana de Sailor Moon foi um caso à parte: rolou corte em todas as cenas com arma de fogo ou comportamento reprovável da protagonista Usagi. Mas a mais bizarra das edições foi no casal lésbico Michiro e Haruka, na temporada Sailor Moon S: para explicar a proximidade das personagens e não falar que elas tinham um romance, os americanos mudaram o roteiro para dizer que eram primas.
One Piece
Mesmo com tantos exemplos, a série mais lembrada quando se fala de censura no ocidente é One Piece. Trazida também pela 4Kids, a série foi totalmente desfigurada em prol de uma "adequação ao público infantil norte-americano", e as edições feitas por computador são risíveis. As armas de fogo foram editadas, crucifixos viraram pedaços verticais de madeira, cerveja virou suco e o cigarro na boca do Sanji foi trocado por um pirulito (!!!).
As histórias dramáticas do passado dos membros do bando foram trocadas e até momentos inofensivos da história sofreram edições pesadas. Laboon, a baleia gigante que recebe o bando na Great Line, foi limada da versão americana e substituída por um iceberg (!?). Os membros do grupo do vilão Crocodile cujos nomes faziam referência a feriados cristãos tiveram suas alcunhas trocadas, e todo o arco de Little Garden foi cortado por motivos que ninguém sabe explicar. Por sorte, depois de duas temporadas de pura tesoura e retaliação, a Funimation adquiriu os direitos e relançou nos EUA sem qualquer censura.
Mas e o Japão?
A censura americana também "mudou" de certa forma os animes japoneses. Para tornar o anime de Pokémon mais "global", com o passar do tempo a Pokémon Company passou a tirar as referências de cultura japonesa e minimizou a violência da animação. Dragon Ball Kai, a remasterização da série original, também passou por algumas amenizações porque o anime era considerado violento até para os atuais padrões japoneses.
Os animes podem até parecer que são desenhos mais violentos se comparados aos americanos, mas isso se deve também ao horário de exibição no Japão: produções levadas ao ar durante a madrugada têm muito menos restrições que as exibidas durante o dia. Recentemente, a terceira temporada de The Seven Deadly Sins sofreu uma censura pela emissora japonesa, com o sangue mudando de cor e sombras omitindo cenas mais violentas.