O Big Brother Brasil 21 é um dos maiores êxitos da televisão brasileira e já conquistou até mesmo quem não é muito chegado em reality show. A principal narrativa desta temporada está repleta de maquinações, barracos e uma linha que lembra muito... Naruto. A forma como o público tem torcido para participantes excluídos como Lucas, Gilberto e Juliette tem mais a ver com a história criada por Masashi Kishimoto do que você imagina.
As duas histórias do BBB
O Big Brother Brasil pode até ser um reality show, mas a forma como acompanhamos é mais próxima de uma série ou uma novela. Como é impossível acompanhar 24h de conteúdo, mesmo se você recorrer a grupos do Telegram ou perfis do Twitter, o programa faz uso da edição para narrar todas as histórias dos confinados. A equipe de edição é responsável por selecionar as tramas mais interessantes e montar tudo isso de forma a instigar o público como em uma ficção tradicional.
Toda temporada do reality show acaba elegendo seus protagonistas, aqueles participantes que fazem a história andar e ter reviravoltas, mas a narrativa sempre acaba indo para lados bem distintos. Basicamente são dois tipos de história possíveis de ser contadas em um Big Brother Brasil:
- o conflito entre dois grupos rivais de forças parecidas
- a narrativa de um grupo grande contra outro grupo oprimido.
O BBB20 é um exemplo da primeira narrativa, pois havia um conflito entre o grupo das mulheres e o grupo dos homens. Embora a história contada naquela edição favorecesse o lado feminino, Babu Santana e Felipe Prior se destacaram no jogo e seguiram fortes até onde era possível. Por outro lado, o BBB21 segue a outra estrutura citada, na qual um grupo grande e de força desproporcional tenta extinguir um grupo pequeno, que se torna oprimido na história.
A narrativa de uma pessoa ou um grupo oprimido por uma maioria é largamente utilizada pela cultura pop. A história de alguém com menos força que precisa enfrentar adversários poderosos e, com o tempo, vai descobrindo a própria força é bem comum em séries, quadrinhos, filmes e por aí vai. De X-Men a Glee, o público sente muita identificação pelos chamados "underdogs" (o termo usado para essas histórias sobre oprimidos).
Nos mangás e animes também é bem comum a presença de protagonistas fracos e oprimidos por uma maioria, uma forma de gerar uma identificação com o público-alvo. Histórias sobre personagens muito fortes que se destacam dos desmais, como o Goku de Dragon Ball, parecem ter sido deixadas de lado para mostrar pessoas oprimidas se impondo com muita luta. Essa é a linha de narrativa de Naruto, My Hero Academia ou mesmo de Attack on Titan, pois em todas essas histórias o protagonista precisa trabalhar um poder oculto para sair do posto de oprimido e conquistar seu espaço.
Pode parecer até óbvio que exista uma identificação do público com personagens excluídos, mas existe um grupo de pessoas que até agora não conseguiu perceber isso. Quem? Justamente os participantes do Big Brother Brasil 21.
Os opressores
Os famosos e anônimos confinados nos Estúdios Globo provavelmente assistiram ao BBB20 e estão dispostos a não repetir os erros daquela edição. Todos estão cientes de que atitudes controversas são reprovadas pelo público e ainda há uma preocupação constante com a questão do cancelamento. No entanto, a vontade de destruir com qualquer ponto fora da curva fez com que os participantes desta edição se tornassem os opressores da história sem nem perceberem.
No BBB21, há um grande grupo no poder, liderado indiretamente por Karol Conká, Projota e Nego Di, e eles foram reunindo aliados pela casa. Graças à militância desmedida e ajudados pelo medo do cancelamento, outros brothers foram se agregando ao grupo sem muito questionamento. Com isso, foi formado um grande bloco hegemônico cujo objetivo é destruir qualquer pessoa que fuja às regras implícitas.
Os primeiros a serem excluídos desse grupo foram Lucas, dispensado do convívio social por conta de uma bebedeira, e Juliette, a advogada cuja história nos primeiros dias se resumiu a tietar desesperadamente Fiuk. Com o tempo, outras duas pessoas foram agregadas ao grupo do excluídos, Gilberto e Sarah.
Não é preciso um profundo conhecimento sobre narrativas (ou mesmo sobre temporadas anteriores do Big Brother Brasil) para saber que minorias oprimidas têm uma tendência a ganhar forte empatia do público. Porém, como acontece em qualquer ficção, o ego do grupo majoritário não permite que eles enxerguem isso. Por mais que Lucas tenha cometido muitos erros na primeira festa, a exclusão foi totalmente desproporcional.
Karol Conká ordenou que ele comesse sozinho na mesa, Projota o deixava falando sozinho, e isso tudo levou o público de casa a se comover com o isolamento do jovem. Cenas de Lucas sentado sozinho no jardim, enquanto os demais curtiam do outro lado, foram postadas nas redes sociais e muitos lembraram da famosa cena de Naruto na qual o protagonista está no balanço enquanto é ignorado pelos colegas. Seria o grupo dos excluídos do Big Brother Brasil 21 o equivalente ao Naruto? Há muitos paralelos que confirmam essa tese.
Naruto foi uma criança excluída por toda a Vila da Folha, que temia a manifestação do grande poder oculto do garoto. O consideraram um monstro, o afastaram do convívio social e ainda o criticavam pelo comportamento peralta. Naruto até tentava se aproximar dos demais, mas era obrigado a brincar sozinho ao som de um solo de flauta muito triste.
Uma das frases mais famosas do anime virou até meme na internet, e se trata de uma explicação de Kakashi sobre o passado do aluno. O mentor explica que Naruto pode ser um pouco duro às vezes, e conta ao interlocutor como ele passou a infância desacreditado pelos adultos e sem qualquer amigo. "Ele está sempre disposto a melhorar, ele quer ser respeitado, é o sonho dele", continua o professor de cabelos descoloridos.
Oprimido por toda a casa, isolado do convívio dos demais e sem amigos no confinamento, Lucas rapidamente se tornou o Naruto e, assim como o ninja, conquistou a simpatia do público e o ódio dos demais participantes. E pior: um dos líderes do grupo hegemônico conhece bem a história do ninja loiro.
O fã do Naruto contra o Naruto
Projota é um rapper com mais de dez anos de carreira e muitos sucessos, e sempre demonstrou uma afeição pelo mundo nerd. Em entrevista ao podcast Flow, concedida em 2020, o brother declarou seu amor por games e por um anime em especial. Sim, Naruto! Sua paixão pelo ninja é tamanha que sua música intitulada "Samurai" é uma grande homenagem à luta de Naruto contra Neji.
Após o comportamento de Lucas na primeira festa, Projota sentou-se com o garoto a sós e deu uma aula sobre a vida. A conversa, descrita por Tiago Leifert como emocionante, foi exibida na televisão e reforçou a ideia de que Projota seria uma espécie de mentor para Lucas, algo como Kakashi para Naruto. Porém, rapidamente a coisa desandou.
Leifert quebrou o protocolo do BBB e agradeceu Projota por ter conversado com Lucas. O público de fora criticou a "interferência" do apresentador no programa, mas o resultado foi ainda mais catastrófico: Projota interpretou a situação equivocadamente. Para o rapper, Lucas estava mal visto pelo público e isso o motivou a se afastar de Lucas. Mesmo sendo fã de Naruto, Projota reproduziu o mesmo comportamento que oprimiu o ninja da Vila da Folha durante tantos anos.
A trajetória do Naruto do BBB21 infelizmente foi interrompida no último domingo (7), quando Lucas sofreu preconceito após se revelar bissexual e abandonou o reality show. Porém, ao contrário do esperado pelo brother, Lucas encontrou muito amor e carinho por parte do público, mostrando que ele seria um dos prováveis finalistas da edição.
Mesmo com sua saída, a essência do personagem oprimido continua na casa: Gilberto, Juliette e Sarah ainda sofrem constantes ataques do grupo hegemônico do reality. Assim como um vilão fortacele os heróis mandando vários asseclas mais fracos, o grupo de Karol Conká continua oprimindo o trio e, ao mesmo tempo, dando mais força aos adversários para avançarem no programa.
A estratégia do grupo hegemônico tem duas falhas muito graves. Em termos de humanidade, faltou ao grupo hegemônico um maior respeito com as pessoas do convívio, e uma maturidade emocional para aceitar as diferenças. Por parte de jogo, faltou entender que excluir pessoas é uma forma de torná-las atraentes para o público. Se ao menos Projota tivesse entendido do que se tratava Naruto...