Às vésperas do lançamento do filme de Black Clover na Netflix, uma pergunta circula a cabeça de muitos otakus que acompanham esse mercado: essa série ainda é importante? Ao contrário de sucessos como One Piece ou Jujutsu Kaisen, Black Clover é aquela franquia que, longe de ser péssima, consegue passar de ano com uma nota 6. Afinal, o que deu errado com a história criada por Yuki Tabata e que tinha um futuro tão grandioso pela frente?
Nem Big 3, nem fracasso
Abrir uma edição da Shonen Jump, uma das mais importantes revistas de mangás no Japão, é poder acompanhar de perto alguns dos mangás de maior sucesso. Seja através da revista impressa em papel reciclado ou acompanhando os capítulos semanalmente (e de graça) pelo aplicativo MangaPlus, o almanaque oferece histórias bastante diversas, com séries de luta, comédia, romance, esporte e por aí vai. Atualmente a revista publica 20 mangás simultaneamente, mas somente alguns são considerados carros-chefe, aquelas histórias que fazem com que as pessoas comprem a revista.
Agora em 2023 a Shonen Jump conta com um trio de histórias mais importantes, apelidado de “Big 3” pelos fãs, composto por One Piece, Jujutsu Kaisen e My Hero Academia. São mangás tão importantes para o sucesso da revista que a equipe editorial precisa até tomar cuidado para que os autores delas nunca peguem folga ao mesmo tempo, pois isso poderia prejudicar toda a revista. E enquanto essas séries carregam as vendas nas costas, a Shonen Jump faz apostas em futuros sucessos que mais pra frente ganharão um anime que servirá para impulsionar as vendas. Atualmente entre as promessas temos Undead Unluck, The Elusive Samurai, Sakamoto Days, Blue Box e Akane Banashi.
Mas existe um Black Clover ali no meio. Uma série que não consegue ser um dos pilares da revista, mas também está longe de ser um fracasso e nem ao menos corre risco de ser cancelada. Uma história que até ganhou um anime feito por um grande estúdio, jogo de videogame, livros e muito mais, mas que não teve tanta sorte assim quando o anime foi cancelado (ou encerrado) em 2021. Para entender por que Black Clover continua sendo publicado, precisamos nos aprofundar mais.
Para quem não conhece, Black Clover é uma série de história bastante comum, sem muitos pontos de originalidade. O protagonista da trama é o jovem Asta, um órfão criado em um orfanato. Este é um mundo de magia, mas Asta não tem qualquer habilidade mágica, ao contrário de seu irmão Yuno. Mesmo assim, ele mantém seu sonho de ser o rei dos pirat... digo, o rei dos magos. Acontece então uma cerimônia na qual os jovens são recebidos por livros mágicos chamados grimórios, e Asta recebe tomo lendário e raro, sendo agora capaz de utilizar uma magia poderosa. Dotado deste poder, Asta ingressa no grupo dos Black Bulls e agora viverá muitas aventuras ao lado de outros magos com poderes bem diferentes.
Foi impossível escrever essa sinopse do parágrafo anterior sem recordar de outras trocentas séries que compartilham as mesmas características. A relação Asta e Yuno não está nada longe de um Naruto e Sasuke, a guilda de magos que nos lembra a estrutura de mundo de Fairy Tail e isso sem falar que a ideia do jovem que acredita não ter poder e depois descobre uma força oculta poderosa é o clichê mais batido do universo. Mas isso tudo quer dizer que a série é ruim? Longe disso.
Black Clover é o famoso feijão com arroz bem feitinho. Embora falte ali um tempero para se diferenciar, Yuki Tabata conseguiu criar uma história que atende a todos os requisitos da cartilha do shonen de lutinha, com evolução de poderes, adversários poderosos e um elenco secundário com bastante personalidade. Você vai encontrar ali cenas de ação competentes, páginas duplas de impacto e muitos gritos do protagonista para reforçar suas vontades.
Curiosamente, Black Clover parece ser uma resposta do autor ao cancelamento de seu mangá anterior, Hungry Joker, publicado entre 2012 e 2013 na mesma Shonen Jump. Nessa história acompanhamos o cientista Haiji que trabalha com sua assistente Chitose para resolver mistérios. Durante uma missão ele ingere uma maçã misteriosa chamada Eureka (!) e assim ganha poderes relacionados à gravidade, uma referência direta à maçã de Isaac Newton.
A grande sacada desse mangá anterior de Yuki Tabata é transformar conhecimento científico em poderes de um shonen de lutinha, então temos a maçã de Newton, o martelo de Pitágoras, sementes de Darwin, e tudo isso confere poder especial aos usuários. Infelizmente Hungry Joker não conseguiu se manter na Shonen Jump e acabou sendo cancelado com apenas 3 volumes lançados. Anos depois, o autor conseguiu voltar à revista com Black Clover, então há quem acredite que seu plano era entregar o mangá mais mediano e clichê possível para conseguir ser publicado sem correr o risco do cancelamento. E a maior prova de que Black Clover venceu, considerando os critérios da Shonen Jump, foi com o anúncio do anime.
O anime
Black Clover foi um mangá que começou vendendo de forma bastante satisfatória para os padrões da editora Shueisha, sendo que o primeiro volume vendeu quase 50 mil cópias logo em sua primeira semana. As vendas foram subindo e ultrapassaram as 150 mil cópias quando a série estava em seu sexto volume. Os números fizeram crescer os olhos da indústria de animes, e o estúdio Pierrot assinou contrato para produzir um anime para a obra.
Com a série animada anunciada ao público em dezembro de 2016, e com estreia prevista para o ano seguinte, talvez aí tenhamos o primeiro deslize na carreira de Black Clover. O Pierrot tem em seu histórico o anime de Naruto, e eles avaliaram que seria interessante que Black Clover seguisse a exata mesma linha, ou seja, um anime semanal de final indefinido. Enquanto séries hoje em dia chegam à TV e streamings com tamanho determinado previamente e divididas em temporadas, Black Clover era um Boruto da vida que ia apenas sendo exibido, e sendo exibido e por aí vai, com direito a fillers quando a série estava próxima do mangá original. Só que lançar a série assim tem seus problemas.
Enquanto uma produção com menos episódios consegue gerenciar melhor seus recursos e apostar em cenas de animação estonteantes (vide um Jujutsu Kaisen), o anime contínuo é conhecido por ser bastante irregular em termos de qualidade. Embora com uma animação decente, algumas vezes vemos que Black Clover poderia se beneficiar se fosse lançado como um Demon Slayer, que cada arco é adaptado em uma temporada lançada após meses de descanso.
A exibição semanal do anime causou o efeito esperado pela editora Shueisha e o mangá começou a vender mais, ultrapassando a marca dos 200 mil exemplares e quase chegando à marca dos 250 mil, porém a força foi diminuindo aos poucos até voltar ao nível que a série tinha antes de começar o anime, então aí veio a ordem de puxar o fio da tomada. Restou ao estúdio Pierrot encerrar a série no capítulo 170, sem concluir a história.
Vemos no anime de Black Clover um efeito parecido com o que rolou com Boruto. A série era lançada em um formato que desgastava a própria franquia, e dificultava que novos otakus descobrissem a série e começassem a ver do primeiro capítulo, pois havia centenas de episódios já disponíveis. Inclusive, o próprio Boruto acabou tendo uma pausa em seu anime, mostrando que talvez o estúdio Pierrot tenha repensado o formato da série.
Mas poucos dias antes do final abrupto no anime semanal de Black Clover, os fãs receberam um carinho: foi anunciado que a série teria um longa metragem lançado nos cinemas e serviços de streaming, que chega na nossa Netflix neste mês de junho. Com uma animação muito bem feita, até por se tratar de um longa metragem, agora os fãs da série poderão ter cenas de animação bastante elaboradas, e em uma história inédita. Não sabemos qual será o futuro do anime de Black Clover, mas o resultado do filme pode assegurar um retorno para as aventuras de Asta e Yuno. Até que isso aconteça, o jeito é acompanhar o mangá da história.
Vários fatores explicam o não cancelamento do mangá de Black Clover. Para começar, ele não é ruim, apenas mediano. E ser mediano já o coloca acima de vários outros mangás que a Shueisha tentou colocar na Shonen Jump. O mangá de Yuki Tabata pode não ser um pilar como um One Piece, mas ao menos é uma cadeira que permite que a Shonen Jump descanse um pouco enquanto outros mangás não são projetados ao posto de carro-chefe. E qual o problema de ser mediano? Nenhum, um arroz com feijão bem feito é sempre agradável de comer.
Onde acompanhar?
Se essa matéria te incentivou a acompanhar Black Clover, felizmente há muitas possibilidades. Os 170 episódios do anime estão disponíveis na Crunchyroll, sendo que os 155 primeiros estão com dublagem em português e os demais com legenda. Para assistir ao filme, só mesmo na Netflix, a partir do dia 16 de junho.
O mangá é publicado no Brasil pela editora Panini, e também é possível ler os capítulos mais recentes da série no app MangaPlus, mas aqui infelizmente só tem como opção de idioma o inglês.