Lançado com a promessa de manter o suce$$o de seu pai Naruto, o anime Boruto: Naruto Next Generations nunca conseguiu substituir por completo o legado clássico. Recentemente houve o anúncio que a “primeira parte” do anime de Boruto chegará ao final ainda em março, e a série entrará em um hiato indefinido até a estreia da tal parte dois. A interrupção parece estranha se lembrarmos que o estúdio adapta a obra de Masashi Kishimoto ininterruptamente desde 2002, mas faz sentido quando lembramos outros casos de recentes sucessos.
Profissão: Herdeiro
O dia 26 de março será um dia triste para os fãs dos ninjas, afinal esta é a data na qual será exibido o último episódio de Boruto: Naruto Next Generations, pelo menos de sua primeira parte. Em pleno ano das comemorações de 20 anos da franquia Naruto, os produtores decidiram dar um descanso para o Borutinho e teremos apenas outros tipos de celebração, como a reprise de episódios clássicos na TV japonesa e até mesmo quatro episódios inéditos da série original sendo transmitidos.
E não podemos nem dizer que foi uma surpresa essa divisão de Boruto em Partes, pois já havia uma desconfiança quando o anime estreou com uma primeira cena sendo uma luta do protagonista adulto contra um adversário. Ou seja, assim como um My Hero Academia que logo de cara se apresenta como um anime para mostrar como Deku se tornou o maior herói de todos os tempos, Boruto parecia uma série feita para mostrar como o protagonista chegaria àquele momento crítico.
Para quem não conhece o nepobaby da Vila da Folha, Boruto é o filho mais velho do casal Naruto e Hinata e protagonista dessa história. Ao contrário do seu pai, Boruto não tem qualquer ambição de se tornar hokage e deseja apenas um hamburguinho e reforço positivo paterno. Embora exista essa diferença de personalidade, o resto do anime segue uma linha editorial parecida da história clássica. Boruto faz parte de um trio inusitado composto por Sarada, adolescente nerd e filha de Sasuke e Sakura, e Mitsuki, um ser misterioso que vem a ser um “filho” de Orochimaru. Em suas aventuras Boruto interage com os filhos de outros personagens da série original, dando a entender que todos se casaram e engravidaram quase simultaneamente, praticamente um baby boom pós Quarta Grande Guerra Ninja.
Normalmente sequências quase oportunistas como é o caso de Boruto são desenvolvidas por equipes criativas, mas neste caso o personagem saiu da cabeça do próprio Masashi Kishimoto. O autor ainda desenhou uma história extra para Naruto contando uma aventura de Sarada e também contribuiu com a criação de um longa-metragem marcando a passagem de bastão de pai para filho. Como Kishimoto queria desenvolver outras coisas, o criador entregou seu filho para outras pessoas tomarem conta: na versão em mangá o roteirista Ukyo Kodachi e o desenhista Mikio Ikemoto ficaram responsáveis pelos capítulos na Shonen Jump (posteriormente na V Jump), enquanto a versão animada ficou a cargo dos diretores Noriyuki Abe (de Bleach) e Masayuki Koda. Após o fracasso de Samurai 8, o mais recente mangá de Kishimoto, o autor de Naruto “retirou” Ukyo Kodachi do trabalho de roteiro e assumiu os textos de Boruto a partir do volume 14.
Se a versão em mangá de Boruto ainda apresenta algum desenvolvimento mais rapidinho, o anime sofre de toda a encheção de linguiça na qual o estúdio Pierrot se especializou nas últimas décadas. Tecnicamente o anime tem uma baixa proporção de episódios filler (cerca de 11% segundo o site Anime Filler List), mas tudo não passa de um golpe: são consideradas canônicas mesmo as aventuras que têm pouco ou nenhum acréscimo ao cânone de Boruto. As diferenças com o mangá inclusive são enormes, com a adição de diversos personagens inventados pela equipe do anime, como é o caso do colega de classe Denki. Outro ponto curioso é como a equipe criativa do anime se escorou no pai do Boruto, personagem que às vezes ganha ares de protagonista quando é necessário apelar para a nostalgia. Já houve arco em que Boruto conhece Naruto criança e grandes combates envolvendo o hokage da Vila da Folha, isso sem falar nas histórias protagonizadas por Sasuke, cujo roteiro pode envolver até lutas com dinossauros (!?). Uma pena usarem tanto os personagens antigos, pois o elenco de Boruto é carismático o bastante para sustentar um anime sem precisar da ajuda dos pais.
Não que essas características prejudiquem o anime, afinal são alguns defeitos que até mesmo Naruto e Naruto Shippuden compartilham, mas podemos dizer que houve um desgaste natural da franquia. Boruto voltava a aparecer em debates no meio otaku quando havia alguma ação nostálgica ou quando répteis pré-históricos eram escalados como antagonistas, o que é pouco para um anime semanal. O título rende produtos licenciados no mundo inteiro, inclusive Brasil, e está disponível com dublagem em serviços de streaming, mas no meio otaku ele parece um pouco ignorado. Uma possível queda nos números pode ter feito a equipe perceber que Boruto precisava descansar um pouco.
O intervalo
Muita coisa pode justificar esse hiato inesperado, mas o que deve ter pegado mesmo é que Boruto: Naruto Next Generations se tornou um dos poucos animes atuais produzidos com uma estrutura mais "antiquada". Tal qual One Piece, Boruto é exibido semanalmente sem qualquer interrupção, e seus episódios precisam ser lançados tendo ou não uma história para se adaptar. O mangá de Boruto, publicado na revista V Jump, tem capítulos sendo lançados mensalmente, enquanto o anime é transmitido toda semana desde o começo de 2017. Como a conta nunca fecha, os roteiristas do anime espremeram essa laranja até ficar só o bagaço.
A relação entre os animes da franquia Naruto e os fãs sempre foi um pouco cansativa. O estúdio Pierrot é conhecido por alongar o anime de Naruto mais que o necessário, tanto que o mangá foi encerrado em 2014 e o último capítulo do anime foi transmitido somente em 2017, uma semana antes da estreia de Boruto. Isso fazia sentido em uma época que o anime precisava estar sempre no ar para manter sua relevância, mas atualmente o mercado parece operar de outra forma.
Demon Slayer, Jujutsu Kaisen e Chainsaw Man estão aí para provar que os fãs têm optado por experiências mais contidas e espaçadas. São animes que adaptam quase fielmente o material fonte e, após o término de um arco, entram em um hiato até o lançamento de uma nova temporada algum tempo depois. Esse formato oferece tempo para os produtores (às vezes nem tanto tempo assim) se dedicarem a uma qualidade maior nos animes, com a presença das adoradas sakugas e uma divulgação mais efetiva.
Outro fator que ajuda muito nesses animes é o gerenciamento de hype. Muitos deles têm utilizado esse intervalo como forma de manter a ansiedade dos fãs lá em cima, vide o caso do arco final de Bleach: Thousand-Year Blood War. Em vez de lançar toda a série no decorrer de um ano, o estúdio dividiu em cours (temporadas de 13 episódios) e vai lançando de forma espaçada. Isso inflama os fãs, que entre as temporadas discutem o anime e aumentam a chance de mais gente consumir a série após tanto boca a boca.
Exemplo em casa
Bleach, inclusive, é um ótimo exemplo a ser citado por aqui. Antes do Pierrot decidir encerrar a primeira parte de Boruto, o estúdio teve duas experiências internas semelhantes. O anime Black Clover estreou em outubro de 2017, poucos meses após Boruto: Naruto Next Generation, e parecia ser mais um anime longo ao estilo clássico, adaptando histórias canônicas e colocando muitos fillers para enrolar. Após 170 episódios, decidiu-se encerrar a série e isso já aumentou a expectativa dos fãs, que estão ansiosos para o lançamento de um filme novo da franquia previsto para junho de 2023 na Netflix.
Quem também seguiu uma linha mais “moderna” de lançamento foi Bleach: Thousand-Year Blood War. Nos anos 2000 o anime de Bleach foi um dos que mais sofreu com o desgaste da exibição semanal, pois os fãs foram se cansando da produção com o passar do tempo. Foi quando em 2012 o estúdio interrompeu o anime sem adaptar o arco final, e desde então os fãs clamavam pelo fim da história (que vinha sendo publicada na Shonen Jump mesmo com muitas críticas dos fãs).
Como o tempo é capaz de resolver tudo, esse tempo sem Bleach operou um milagre: as críticas à temporada final foram minguando e a expectativa dos fãs por uma possível nova série animada fez com que os produtores decidiram em 2022 que era a hora de ressuscitar Bleach com toda a pompa. O resultado foi um acerto gigante, pois Bleach: Thousand-Year Blood War foi um dos animes mais aclamados dos últimos meses, a ponto de ser adquirido pela toda poderosa Disney para um lançamento no ocidente.
Embora não tenhamos acesso a qualquer informação de bastidor, afinal esse tipo de coisa costuma vazar quase nunca dos estúdios japoneses, podemos chutar com assertividade ao dizer que perceberam que faria bem à franquia Naruto/Boruto um descanso para o anime atual. Não se sabe quando a parte 2 chegará, nem mesmo se ela será tão longa quanto a primeira parte, mas é de se acreditar que o sucesso de outros animes mais “compactos” e o resultado das pausas de Bleach e Black Clover fizeram os produtores tomar essa decisão. Se isso fizer com que Boruto tenha episódios de mais qualidade, e talvez menos lutas com dinossauros, os fãs vão poder curtir com mais alegria esse aniversário da franquia.
Onde ver?
O anime Boruto: Naruto Next Generations está disponível em muitas plataformas de streaming. A Crunchyroll lança a série semanalmente logo após a exibição japonesa, sempre com legendas em português. Já os episódios iniciais da parte 1 estão disponíveis na Netflix, Claro Vídeo, HBO Max e NOW com dublagem em português ou áudio original com legendas.
Mas se você prefere as clássicas Naruto e Naruto Shippuden, as séries estão disponíveis por completo na Crunchyroll com legendas em português. Já a dublagem pode ser encontrada na Netflix, Claro Vídeo, HBO Max e Pluto TV, mas vale lembrar que ainda não temos dublagem das temporadas finais de Naruto Shippuden.
A versão em quadrinhos de Naruto e Boruto são lançadas no Brasil pela editora Panini, e ainda é possível encontrar muitos volumes em catálogo.