Nunca se conversou tanto sobre anime como nesse começo de 2022. As redes sociais foram inundadas por conversas e memes sobre os sucessos Attack on Titan e Demon Slayer - Kimetsu no Yaiba, dois fenômenos exibidos em uma mesma época.
Entretanto, quem esperava um anime novo e interessante para discutir no boca a boca otaku ficou a ver navios: no quesito estreias, a atual temporada de animes foi quase esquecida no churrasco, tamanha a quantidade de obras com baixa repercussão. O que terá acontecendo ao mercado de animes? Será que isso é um sinal de crise criativa?
Sucesso? Só o que já veio antes
Dos animes responsáveis por monopolizar os assuntos nas redes sociais e fóruns, apenas a “segunda temporada final” de Attack on Titan foi uma novidade da atual safra. Originalmente criada para encerrar a saga de Eren Yeager, o anime se tornou uma sensação com seus episódios semanais, a ponto das noites de domingo nas redes sociais serem tomadas por reações de pessoas ávidas pelas reviravoltas de Attack on Titan e pelos desdobramentos da guerra que promete encerrar a história de Hajime Isayama.
Já as outras duas séries que tiveram algum destaque nos debates entre otakus foram duas produções já existentes: Demon Slayer e Ranking of Kings. O primeiro teve sua nova leva de episódios lançada em meados do ano passado, primeiro com uma “reprise episódica” do filme Mugen Train e depois com a exibição semanal da adaptação do Arco do Distrito do Entretenimento. Com uma qualidade de animação ainda melhor que a da primeira temporada, Demon Slayer conseguiu se manter como assunto relevante, dividindo o assunto dos domingos com a repercussão de seu colega Attack on Titan. Já Ranking of Kings estreou na temporada passada (temos até matéria recomendando aqui no Omelete) e apenas prosseguiu com sua exibição, mostrando a continuação das aventuras do príncipe Bojji.
Foram meses difíceis para os animes inéditos desta temporada de inverno de 2022 (lembrando que o nome das temporadas é de acordo com a estação do ano no hemisfério norte, então é sempre oposto à nossa estação aqui no hemisfério sul). Com esses três titãs dominando os assuntos, poucas novas séries tiveram espaço para brilhar na comunidade, como foi o caso de My Dress-Up Darling. O anime sobre a garota fã de animes e seu colega costureiro de cosplay é uma típica trama de romance com uma pitada de talentos pouco comuns, tudo isso com uma animação bem feita e um roteiro redondo. Seja pelo desenvolvimento da relação entre o jovem Wakana Gojo e pela otaku Marin Kitagawa, ou até por causa das reclamações dos generosos closes sensuais, My Dress-Up Darling se consagrou como uma das poucas novidades com algum destaque entre os fãs.
A falta de animes grandes e inéditos acabou até “ajudando” algumas séries que teriam dificuldades para emplacar em temporadas mais concorridas. É o caso do anime In The Land of Leadale, inspirado na light novel homônima criada por Ceez e apresentando uma história bastante simples de uma jogadora de MMOPRG presa no universo do game. Lá ela vai vivendo sua vidinha e interagindo com seus "filhos", personagens NPC que estão lá para suporte. Mesmo sem trazer uma história única ou uma animação fora da curva, In The Land of Leadale atraiu os fãs do gênero isekai e tem dado as caras frequentemente na lista de animes mais vistos na Crunchyroll, fazendo par com Demon Slayer, Attack on Titan e o veteraníssimo Naruto Shippuden.
Esgotamento?
Seria equivocado dizer que os animes inéditos não tiveram destaque apenas por conta da competição com obras já consolidadas. Claro que Attack on Titan e Demon Slayer são animes que “romperam a bolha otaku” e isso explicaria o sucesso, mas em temporadas passadas tivemos algumas obras inéditas tendo êxito. Para citar apenas um exemplo, The World's Finest Assassin Gets Reincarnated in Another World as an Aristocrat (disponível na Crunchyroll) esteve frequentemente nas listas de mais vistos da temporada mesmo se tratando de uma obra inédita.
Olhando especificamente essa temporada de inverno de 2022, percebe-se que o problema foi uma grande quantidade de lançamentos que não atingiu os parâmetros de qualidade esperados pelo público. A quantidade de animes lançados a cada temporada vem aumentando gradativamente, talvez para aproveitar o sucesso do gênero em serviços de streaming, e o número de obras atrapalha não só o destaque, como também a logística de produção. Os estúdios japoneses parecem sobrecarregados de animes, e não foram poucos os da atual temporada com problemas nos bastidores.
Enquanto uma nova temporada não chega, separei abaixo (sem ordem definida) cinco animes inéditos deste começo de ano que até poderiam ter sido um grande sucesso, mas foram prejudicados por alguns problemas internos e externos. Confira:
#1. Sasaki & Miwano
Temos pouquíssimas histórias mainstream de romance entre garotos, então qualquer oportunidade de termos um anime sobre isso já é algo a ser comemorado... ou será que não? A trama é uma típica história de romance escolar em que Sasaki é um garoto franzino muito aficionado por Boy's Love (mangás com histórias de romance entre homens) e Miyano é seu veterano. Um sentimento nasce ali quando Sasaki empresta seus quadrinhos para o colega, e a história vai cobrindo isso lentamente.
Esqueça ótimos animes com romance entre rapazes, como Given ou Yuri on Ice, aqui temos algo mais próximo daquelas histórias em que pouquíssima coisa interessante acontece, quase um iyashikei (tem matéria sobre isso aqui também). Não que isso seja um problema, afinal foram muitas décadas com histórias medianas de romances heterossexuais, agora é a vez da diversidade chegar nisso também.
#2. Orient
Orient é o famoso caso de anime que teoricamente tinha tudo para dar certo, mas não foi o caso. A história é tão clichê como esperado em qualquer shonen de lutinha, trazendo um rapaz que sonha em ser um samurai para destruir demônios que escravizam os humanos, mas faltou ali um carisma e um tempero. Além da trama ter ficado ainda mais genérica na série, a animação foi bastante prejudicada por não ter uma qualidade tão inspirada. E para a infelicidade da animação limitada Orient, ela foi exibido na mesma temporada de Demon Slayer e Ranking of Kings, então o contraste foi grande.
Por mais que a autora Shinobu Ohtaka venha de seguidos sucessos editoriais (como Magi - Labirinto da Magia), esse anime adaptando sua obra não deu tão certo assim. Cabe ao estúdio descobrir os problemas e consertar, pois talvez ainda dê tempo para reverter a situação e tornar Orient relevante em uma possível segunda temporada.
#3. Love of Kill
A trama de Love of Kill começa quando dois assassinos se enfrentam num desses trabalhos da vida. Como ela é sempre uma caixinha de surpresas, o matador Ryang-ha se apaixona perdidamente por sua rival Chateau e aí começa uma trama sobre essa relação conflituosa e o passado misterioso da assassina.
O anime prometia ser um Sr. e Sra Smith da animação japonesa, mas alguma coisa não deu certo nessa adaptação. A conturbada relação amorosa dos assassinos Chateau Dankworth e Song Ryan-ha não conseguiu conquistar muito os fãs, que inclusive sentiram falta de uma química maior entre os personagens. Há quem defenda que o correto é ignorar totalmente a existência do anime e ir direto para o mangá criado pela autora Fe. Como infelizmente Love of Kill não é publicado no Brasil, nos resta ficar só com o anime mediano mesmo.
#4. Requiem of the Rose King
Mesmo livremente inspirado nas peças Ricardo III e Henrique VI de William Shakespeare, o anime de Requiem of the Rose King passou longe da aclamação do dramaturgo inglês. Colocando no centro da trama Ricardo III, um protagonista interssexual, a obra mostra não só os conflitos internos de Ricardo como também todas as brigas familiares e questões de território nessa Inglaterra antiga.
Por mais promissora que fosse a história no mangá original de Aya Kanno, o anime conseguiu dilacerar qualquer expectativa com uma adaptação bastante questionável dos eventos. O roteiro cortou muitos pontos importantes da história, talvez para adaptar todos os 16 volumes do mangá em poucos episódios, e com isso a trama se tornou confusa demais para quem não conhece o mangá. Uma pena, pois a animação tem um estilo artístico interessante. Vale ressaltar que até a autora fez críticas no twitter conforme os episódios saíam.
#5. Tokyo 24th Ward
Enquanto todos os demais animes dessa lista são adaptações de mangás, Tokyo 24th Ward chamou a atenção do público por ser um projeto original. A trama futurista é ambientada em uma ilha artificial construída no meio da Baía de Tóquio e os três protagonistas (Ran, Kouki e Shuuta) ganham poderes especiais para impedir um acidente que aconteceria no futuro.
Os otakus já estavam com todos os pés atrás com Tokyo 24th Ward por causa do estúdio responsável pela animação, o CloverWorks. Houve um receio de que o estúdio (que estava produzindo simultaneamente Tokyo 24th Ward, My Dress-Up Darling e Akebi's Sailor Uniform) se enrolasse com a quantidade de projetos e alguma dessas séries fosse prejudicada assim como aconteceu em 2021 quando Wonder Egg Priority saiu junto de Horimiya e The Promised Neverland 2. Dito e feito, Tokyo 24th Ward teve uma produção pra lá de tumultuada, com adiamentos de episódios e tudo mais.
Mesmo com essa safra ruim de inverno, a próxima temporada promete reverter essa “má fase” dos animes inéditos com uma lista promissora de lançamentos que inclui Spy x Family, Dance Dance Danseur, e novas temporadas de animes queridos como Kaguya-Sama e The Rise of Shield Hero. Será que vem aí?