A Crunchyroll atingiu uma marca muito expressiva em um vídeo postado no YouTube, mas infelizmente a tal conquista não é tão positiva assim: o trailer oficial do anime EX-ARM detém a incrível façanha de possuir 33 mil "descurtidas", e isso porque o vídeo foi lançado em novembro de 2020. Depois dessa repercussão pouco positiva, EX-ARM rapidamente se transformou em meme, GIFs animados e sinônimo de animação "econômica".
Como foi que um mangá de ficção científica publicado sob as asas da editora Shueisha (a mesma de Naruto e Dragon Ball) se transformou em uma das mais questionáveis animações japonesas dos últimos tempos? É isso que vamos tentar explicar aqui.
O que é EX-ARM?
Com roteiro de Hi-Rock e desenhos de Shinya Komi, o mangá original de EX-ARM foi publicado entre 2015 e 2019. Primeiro saiu na revista Grand Jump e depois acabou remanejado para a antologia digital Shonen Jump +, ambas da editora Shueisha, uma das mais importantes do Japão.
A trama é o que esperamos de uma história cyberpunk: Akira Natsume é um garoto com pouca intimidade com tecnologia, até que num belo dia o coitado morre atropelado. Em vez de ser enviado para algum mundo medieval, como manda a cartilha de qualquer série isekai, Akira se transforma em uma inteligência artificial despertada por duas policiais no ano de 2030.
EX-ARM não traz qualquer elemento que o diferencie de outros mangás do gênero, inclusive apela bastante, mostrando as protagonistas femininas sempre em poses bastante sensuais e pouco confortáveis. Mesmo sem ineditismos, o mangá rendeu 15 volumes e alguns outros spin-offs, como uma continuação da história e uma versão romanceada.
Em dezembro de 2018 um projeto de anime para EX-ARM foi anunciado de surpresa e, quando as primeiras cenas apareceram, os fãs da série não sabiam muito bem o que dizer, só sentir...
Os muitos problemas de EX-ARM
Quem se atrever a assistir a um episódio de EX-ARM encontrará um anime bem estranho. A animação parece um gameplay de jogo mobile, a empolgação dos atores de voz destoa das caretas dos personagens e, para completar, o roteiro é totalmente confuso e pouco explicativo.
Assim como aconteceu com BEASTARS e Dorohedoro, alguém da produção de EX-ARM decidiu realizar o anime distópico usando computação gráfica, um recurso capaz de animar personagens com mais ousadia e constância. Mesmo com esses benefícios, os fãs de anime ainda têm alguns pés atrás no que se refere à animação computadorizada, até porque desastres como o anime Berserk, de 2016, traumatizaram muita gente. EX-ARM, no entanto, atingiu um novo patamar negativo na animação.
Em uma das primeiras cenas da produção, o protagonista conversa com outro personagem, e o espectador acaba se distraindo da cena porque cada personagem é animado de uma forma diferente: enquanto Akira foi feito usando um modelo tridimensional, seu amigo é animado em 2D como nas animações tradicionais. No decorrer do anime, percebe-se que somente os personagens principais foram animados usando modelos em 3D e o resto, por motivos de economia, foi feito com uma animação tradicional (e bem limitada).
Mesmo gastando mais tempo em modelos 3D para os personagens principais, ainda não foi o suficiente para torná-los menos constrangedores. É até normal que a andróide Alma não demonstre sentimentos, mas a coisa fica muito estranha quando todos os outros personagens humanos parecem participantes de uma convenção de robôs. A única que escapa da apatia total é a protagonista Minami, pois seu rosto padrão está sempre sorrindo. O problema, no caso, é que ela sorri copiosamente, em qualquer situação, inclusive quando a policial ouve a notícia de um atentado terrorista que ceifará a vida de milhares de pessoas.
Os modelos 3D são tão limitados que o estúdio Visual Flight e a Crunchyroll foram injustamente acusados de censurar o anime! Na versão em quadrinhos, a policial Minami e a andróide Alma se beijam de forma explícita como parte de um ritual, já na versão animada o beijo foi tampado por um brilho intenso saindo da boca das duas, provavelmente porque o estúdio era incapaz de colocar aqueles dois modelos 3D se beijando de forma natural.
Agora voltamos à pergunta principal: como pode um anime baseado em mangá da Shueisha tomar tantas decisões equivocadas? Simples, basta chamar pessoas que não têm qualquer experiência com anime. Sim, é isso mesmo que você leu.
Uma equipe inexperiente
Em novembro de 2020 o site Anime News Network publicou uma matéria (assinada por Callum May) cujo objetivo era descobrir por que EX-ARM apresentou uma qualidade tão destoante de outros animes co-produzidos pela Crunchyroll, como Tower of God e The God of High School. Callum percebeu que o grande problema estava em duas funções chaves da produção: o estúdio de animação Visual Flight e o diretor Yoshikatsu Kimura.
Ao pesquisar no site do estúdio Visual Flight, somos surpreendidos com uma informação: eles nunca trabalharam em um anime antes. Na lista de trabalhos estão alguns de modelagem em 3D para jogos eletrônicos e o vídeo abaixo, feito em 2016 e mostrando uma luta.
Bem, nunca ter feito um anime na vida não é um ponto negativo, afinal todo estúdio precisa começar de alguma forma. Com um bom roteiro e uma direção firme, um estúdio iniciante é capaz de criar um bom anime... mas isso também não acontece em EX-ARM. Acredite ou não, mas o diretor Yoshikatsu Kimura nunca trabalhou em um anime na vida.
Kimura tem em seu currículo a direção de algumas minisséries, assistência de direção em produções envolvendo luta e um trabalho em Ajin (na versão live-action, não o anime). De acordo com a matéria do Anime News Network, o diretor de EX-ARM foi chamado para o anime justamente por entender sobre direção de atores em cenas de luta, então ele fez o anime de EX-ARM como se fosse uma produção com atores reais. E aí começa o erro.
EX-ARM parece ir contra tudo o que se conhece sobre animes. Falta à produção uma fluidez típica das animações japonesas, ou mesmo ângulos de câmera mais criativos. A movimentação dos personagens e a composição das cenas é tão constrangedora que EX-ARM funciona como um exemplo de como não se deve fazer uma animação 3D.
Isso tudo poderia ser uma justificativa para você deixar o anime de lado na temporada, mas curiosamente é daí que vem os principais atrativos dessa aventura cyberpunk.
Se um estúdio renomado como o MAPPA quisesse propositalmente fazer um anime ruim, eles não conseguiriam fazer algo no nível de EX-ARM. Acompanhar um anime feito por pessoas sem qualquer intimidade com o meio é uma experiência fascinante, e EX-ARM sobressai principalmente no humor involuntário. Quando menos se espera, o espectador se vê envolvido nessa rede de constrangimentos e fica lá esperando o capítulo da semana, para ver o quão absurdo pode ficar, ou procurando o que pode se transformar em um meme.
Na temporada de inverno de 2021 temos alguns animes bem medianos, daqueles em que é impossível chegar ao final do primeiro episódio, mas EX-ARM atrai a atenção total do público de um modo totalmente inesperado. É como um acidente de trânsito, você se pega observando o desastre sem perceber. É algo que te fisga do começo ao fim, seja pela curiosidade mórbida ou pelas perguntas que o roteiro confuso cria na sua cabeça. Mesmo sendo horrível, vale a pena a experiência de assistir a EX-ARM.
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Os episódios de EX-ARM são lançados oficialmente no Brasil todas as segundas-feiras na Crunchyroll.