A segunda temporada de The Promised Neverland inverteu um pouco do que é esperado de um anime. Se normalmente os leitores do mangá encontram uma reprodução quase 1:1 da história original, esses novos episódios estão promovendo mudanças radicais na aventura de Emma, Ray e os órfãos fugitivos. E detalhe: tudo supervisionado por Kaiu Shirai, o roteirista do mangá.
Afinal, o que está acontecendo no anime? Por que personagens importantes foram ignorados e arcos inteiros acabaram supostamente eliminados? Talvez a pergunta certa seja: para onde o do tal "novo enredo" de The Promised Neverland está nos levando? Vamos conversar sobre isso evitando os spoilers sobre desdobramentos futuros.
Mudanças no pós-fuga
A temporada passada de The Promised Neverland adaptou todo o primeiro arco do mangá, com as crianças descobrindo uma forma de fugir do orfanato Grace Field após descobrirem que lá não era um lugar tão legal quanto parecia. Nessa nova temporada, as crianças já começam se embrenhando na floresta e conhecendo Mujika e Sonju, dois demônios diferenciados que não comem carne humana e explicam aquele mundo para as crianças. Porém, a partir deste ponto, o anime passa a alterar radicalmente a história do mangá.
Na versão em quadrinhos, as crianças seguem as coordenadas presentes nas pistas de William Minerva e encontram uma escotilha subterrânea habitável, mas lá reside um personagem misterioso que entra em choque com os órfãos. Já a versão animada excluiu esse morador do bunker e apresentou uma escotilha livre de qualquer ameaça.
Isso já mudou bastante o que existia no mangá, e o roteiro precisou ser todo adaptado para que as crianças descobrissem novas informações através de outros métodos. Ao final do terceiro episódio do anime, Emma encontra um telefone e atende a uma ligação de William Minerva, repleta de explicações sobre o mundo de The Promised Neverland e com um destino para as crianças irem. Essa ligação foi a grande ruptura com o mangá original de The Promised Neverland, afinal, isso até acontece na versão em quadrinhos, mas só em um arco futuro intitulado Goldy Pond. Depois da aparição do telefone no bunker, muitos fãs começaram a se questionar se o Goldy Pond dará as caras no anime.
Mas as alterações não pararam por aí. Ao final do quarto episódio dessa segunda temporada, as crianças sofrem um ataque na escotilha, algo que só acontece no mangá ao final do arco de Cuvitidala, posterior a toda a história de Goldy Pond. Ou seja, foi como se a adaptação do anime ignorasse dois arcos inteiros. Pra completar a confusão, cenas do quarto episódio mostraram o que aconteceu com a mãe Isabella após a fuga das crianças na primeira temporada, algo que o mangá demora quase uma centena de capítulos para ser revelado aos leitores.
Com tudo isso, a adaptação para anime de The Promised Neverland virou um projeto em que é bem difícil imaginar o que pode acontecer, e para onde está indo. Não há qualquer ideia sobre os motivos que levaram a essas mudanças e os fãs estão bastante preocupados com a possibilidade da história ser desfigurada.
Novo enredo
Antes da estreia de The Promised Neverland, a revista Shonen Jump anunciou que o roteirista Kaiu Shirai contribuiria em um novo "scenario" (enredo) para a série. Na época, interpretaram que seria a inclusão de histórias fillers para ampliar a construção de mundo de The Promised Neverland mas, com parte da segunda temporada já exibida, a interpretação passou a ser outra: o plano não parece ser acrescentar, e sim cortar.
The Promised Neverland tem uma história bem redonda e, embora alguns arcos tenham altos e baixos, Goldy Pond e Cuvitidala são muito importantes para a construção do mundo e para o crescimento da Emma. Essa evolução da personagem é fundamental para entender as decisões da protagonista e seus desejos. Inclusive alguns conflitos futuros, que surgirão em um arco intitulado King of Paradise, só existem por causa das experiências de Emma nesses arcos passados.
Claro, precisamos lembrar que a temporada ainda está sendo exibida e ainda há a possibilidade de Goldy Pond e Cuvitidala serem adaptados de outra forma, em outra ordem ou mesmo tendo seus elementos inseridos em tramas inéditas, mas o andamento da série tem sido bastante apressado, desagradando fãs que buscam aqueles jogos mentais da primeira temporada.
Por que os cortes?
Infelizmente nada foi dito a respeito dos motivos que levaram a equipe de produção do anime a supostamente cortar dois arcos inteiros, mas podemos levantar algumas hipóteses. Três fatores podem servir para explicar a ausência de Goldy Pond e de personagens chave: economia, problemas de classificação e repercussão.
Atualmente o elenco de The Promised Neverland conta com cerca de 10 órfãos, incluindo os principais Emma, Ray, Don e Gilda. No mangá, as crianças entram em contato com outros personagens agregados, a ponto de termos dezenas de personagens co-existindo na trama (muitos sem importância, só fazendo volume). Se em um mangá deve dar trabalho colocar tanta gente em cena, imagine um anime precisando retratar um grupo tão grande em fuga. Cortar a entrada de novos personagens poderia ser uma forma de facilitar o processo de animação, mas outros fatores também podem explicar as mudanças.
Uma das partes importantes tiradas do anime de The Promised Neverland foi o armamento pesado. No mangá, as crianças descobrem um quarto secreto atrás no qual William Minerva escondeu um arsenal quase militar para combater demônios, e a dupla Emma e Ray passa a usar armas de fogo no mangá. Embora The Promised Neverland tenha uma classificação mais restritiva se comparada a um Naruto da vida, crianças com armas de fogo em uma animação não é algo que vemos com tanta frequência assim.
Em mangás da Shonen Jump (revista que publicou The Promised Neverland) não é muito comum crianças usarem armas de fogo, e vários malabarismos são usados caso uma arma precise aparecer na história. Um ótimo exemplo é no mangá Assassination Classroom: os alunos de 14 anos usam armas estilizadas e de aparência infantilizada, e há várias explicações sobre a munição ser feita de um material inofensivo para humanos e letal apenas em Koro, o professor polvo. No anime de The Promised Neverland o tal quarto com armas foi substituído por um cômodo vazio, e as crianças começam a praticar o uso de arco-e-flecha. Armas de fogo são utilizadas apenas por personagens adultos, e todos mascarados, como se nem fossem humanos.
Por fim, outra possibilidade é um interesse de terminar a história de uma nova forma. O final de The Promised Neverland não é uma unanimidade entre os fãs, mesmo sendo redondo e fechando todas as pontas soltas da trama. É possível que o roteirista do mangá tenha sido chamado para trabalhar no anime como forma de fazer as coisas desenrolarem de outra forma, dessa vez sem uma pressão editorial para conduzir a trama. Quem sabe o plano de Kaiu Shirai é trazer um novo desfecho, criando uma rota alternativa como é tão comum em jogos.
Sem querer, a nova temporada de The Promised Neverland acabou se tornando obrigatória para os fãs que já conheciam a história. Com mudanças bruscas e cortes acontecendo a cada episódio, o leitor fica com curiosidade de entender qual será o arco a ser pulado ou como certos acontecimentos serão narrados de forma diferente. Esse talvez pode ter sido o objetivo dos produtores.
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A segunda temporada de The Promised Neverland é disponibilizada oficialmente no Brasil pela Funimation. A primeira temporada pode ser vista na Funimation, Crunchyroll e Netflix. O mangá é publicado por aqui pela Panini e está na reta final da história.