Quando a Netflix anunciou recentemente a aquisição de um “pacotão Sailor Moon” foi uma grande surpresa vermos Sailor Moon S ali no meio. Todo mundo já esperava a nova série Sailor Moon Crystal e talvez até os filmes da série clássica, mas por que somente a terceira temporada do anime dos anos 1990 acabou entrando no balaio? E o resto?
Licenciamento complicado à parte, Sailor Moon S é uma das melhores temporadas das aventuras das guerreiras lunares - inclusive muito melhor que sua equivalente no remake - e pode ser apreciada até mesmo por quem não viu Sailor Moon e Sailor Moon R. Vem comigo, porque estou aqui para divulgar e enaltecer a batalha das Sailors contra o maléfico grupo Death Busters.
Veio aí a Super Sailor Moon
Embora a série clássica de Sailor Moon seja dividida em temporadas (cada uma com um nome próprio), lá em seu país de origem a transmissão foi ininterrupta. Após a exibição de um episódio recap relembrando os mais importantes momentos de Sailor Moon R (infelizmente sem qualquer destaque para Tuxedo Mask cruzando o Milênio de Prata com uma asa-delta), em 19 de março de 1994 estreou na TV Asahi a continuação das aventuras de Serena Tsukino em sua luta contra as forças do mal que ameaçavam o mundo (mas sempre atacando somente o Japão).
A propósito, vale a pena abrir um parênteses nessa matéria a respeito dos nomes que utilizaremos aqui. Quando o anime de Sailor Moon foi lançado no Brasil, os personagens seguiram a adaptação feita na América Latina. A protagonista Usagi Tsukino passou a ser chamada Serena Tsukino, Tuxedo Kamen se tornou o Tuxedo Mask, Chibiusa foi mudada para Rini e por aí vai. A versão brasileira ainda tomou algumas liberdades artísticas e adaptou mais ainda nomes, como a gatinha Luna que aqui é conhecida como Lua. Por ser um texto sobre Sailor Moon S, optei por usar os nomes da dublagem no lugar dos originais, até para ninguém ficar perdido quando for assistir.
Voltando à história, a vida das Sailors Guerreiras estava calma após os perrengues das temporadas anteriores. Em Sailor Moon vimos como o grupo principal foi reunido em meio à luta contra a Rainha Beryl, e em Sailor Moon R a protagonista, agora acompanhada de sua filha vinda do futuro, enfrentou o Clã do Black Moon. Mas a vida é cheia de complicações para essas jovens adolescentes, e já no começo da temporada S temos Rei Hino tendo uma visão de tudo sendo destruído. Ela ainda não fazia ideia, inclusive vai levar uma temporada inteira para perceber, mas aquela imagem no meio do fogo era um spoiler do que poderia acontecer com o mundo se o novo vilão Faraó 90 conseguisse despertar sua arma de destruição em massa.
Como acontece em toda temporada de Sailor Moon, a história principal da fase não é tão importante assim no decorrer da série. A graça é acompanhar como a cada episódio desenvolve a relação entre as versões civis das Sailors enquanto caminha lentamente em direção à revelação dos vilões. Para dar uma mexida no status quo, Sailor Moon S apresenta uma gama de novos personagens, tanto no lado dos protagonistas quanto de quem quer acabar com o mundo. Do lado do mal nesse octógono temos o misterioso professor Tomoe, sua secretária Kaorinai e uma cooperativa (!?) de vilãs cientistas nomeada Witches 5. Já lutando pela justiça são introduzidas na história duas novas guerreiras, a Sailor Netuno e a Sailor Urano, que “coincidentemente” aparecem na cidade ao mesmo tempo que duas estudantes chamadas Michiru e Haruka.
Cerca de 90% dos episódios de Sailor Moon S envolvem Serena e alguma outra amiga fazendo alguma atividade normal de estudantes japonesas, esbarrando nas misteriosas Michiru e Haruka e, por fim, enfrentando algum inimigo do dia enviado pela vilã do momento por ordem do Professor Tomoe. Lá pela metade da temporada temos o retorno de Rini como "estagiária" de Sailor Moon, e a história ganha um forte núcleo infantil protagonizado pela herdeira do Reino de Prata e Hotaru, a filha do vilão da vez. E embora essa descrição pareça pouco convidativa (e até repetitiva), Sailor Moon S é tão… FANTÁSTICO!
Uma Super Temporada
A indústria de animes no Japão funciona da seguinte forma: é lançado um mangá de sucesso, um estúdio de animação faz uma proposta para adaptar para um anime seguindo aquela história e assim todo mundo fica feliz (e mais rico). Com Sailor Moon a coisa foi um pouco diferente porque a Toei Animation começou a lançar os episódios pouco tempo após o lançamento da versão em quadrinhos criada por Naoko Takeuchi. Como o mangá era lançado mensalmente e o anime tinha episódios semanais, a Toei precisou se virar nos 30 e se viu obrigada a criar uma série de fillers para “enrolar” a história enquanto a Naoko criava novos entrechos na versão em quadrinhos. Normalmente os fillers são reprovados pela comunidade otaku, mas com Sailor Moon a coisa é diferente: as histórias extras criadas para o anime não só complementam o anime como enriqueceram todo aquele universo cheio de garotas guerreiras com roupa de marinheiro.
Com o passar das temporadas, a Toei foi refinando a fórmula de Sailor Moon. Seguindo uma linha próxima às das séries de Super Sentai (aqueles heróis japoneses ao estilo Power Rangers), boa parte dos episódios do anime trazia um “monstro do dia” levando o caos e sendo derrotado pelas Sailor Guerreiras. Entre uma luta e outra, as relações de amizade e amor entre os personagens iam sendo desenhadas de uma forma que a própria autora não consegue desenvolver no mangá, tornando o anime uma experiência mais rica para os fãs da série. Para tornar tudo ainda mais encantador, a Toei teve a sorte de contar com uma criativa direção de Kunihiko Ikuhara, que assumiu a série a partir da fase R e introduziu ainda mais momentos dramáticos e cômicos.
Tudo chama a atenção em Sailor Moon S. Os muitos personagens são espalhados com harmonia pelo roteiro, os cenários aquarelados estão ainda mais belos e, por fim, as sequências de transformação e golpes têm um equilíbrio perfeito entre o deslumbrante e o cafona. A produção transborda entretenimento quando lembramos do humor afiado, que deixa as personagens ainda mais carismáticas. É impossível não rir com a Sailor Chibi Moon usando de forma desengonçada seu mini-cetro lunar ou com o fato do golpe final de Sailor Moon ser um coração gigante de acrílico que atropela o vilão do dia. Os vilões também são muito divertidos e protagonizam momentos de puro nonsense, como a icônica cena do Professor Tomoe jogando Twister enquanto planeja suas maldades ou então o carro da vilã Eudial “brotando” de lugares absurdos como de dentro de uma jaula de zoológico. E o que falar do conceito dos Daimon, os monstros da temporada? Cada um deles é uma mulher curvilínea usando como roupa algo temático de um objeto, seja ele um sapato ou um carro de corrida. Só que em vez de ser algo assustador, os Daimon acabaram acertando nos figurinos de desafios das participantes de RuPaul’s Drag Race. São todos impagáveis.
Um dos méritos da Naoko Takeuchi, e que contribuiu para as qualidades de Sailor Moon S, foi a introdução da dupla Haruka e Michiru no elenco de personagens fixas. As duas novas sailors de planetas distantes trouxeram para a temporada uma discussão sobre sexualidade que havia sido apenas pincelada em fases anteriores. As duas formam um belo e forte casal (sempre surgindo na história de surpresa, ao som de um memorável coro) e suas orientações sexuais e discussões a respeito de gênero são tratadas com tanta normalidade quanto as conversas sobre lição de casa das garotas. Observando isso com o olhar de 2022 pode até parecer algo bobo, mas imagine os avanços de representatividade que Sailor Moon conseguiu popularizar em um anime nos anos 1990!
Pode parecer estranho falar isso, mas você pode assistir a essa terceira temporada mesmo sem ter visto nada antes. O que precisa ser dito de histórias anteriores é explicado no roteiro de Sailor Moon S, e basta você saber o básico (ou seja, que se trata de um grupo de guerreiras com roupa de marinheiro) para embarcar nesse navio cheio de momentos aconchegantes e divertidos.
Mais que uma recomendação, esta matéria é quase uma carta de amor minha para Sailor Moon S. Meu contato com a série havia sido apenas a primeira temporada e o (medíocre) mangá, mas recentemente consegui ter acesso às temporadas que não havia assistido quando criança. Mesmo sem fazer parte da minha memória nostálgica, visitar Sailor Moon S pela primeira vez foi uma experiência encantadora e viciante. Ainda que eu seja um adulto com (muitos) anos acompanhando animes variados, assistir àquelas aventuras me fez sentir como o pequeno Fábio que não perdia um episódio na Manchete. Sailor Moon S pegou tudo o que eu já gostava na série e melhorou, uma experiência tão super quanto a nova transformação da protagonista. Só por isso já vale a pena assistir.
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O que temos de Sailor Moon atualmente no Brasil?
De acordo com o cronograma da Netflix, todos os episódios de Sailor Moon S chegam ao catálogo da plataforma agora neste dia 18 de maio. O streaming tem também o filme Sailor Moon Eternal (equivalente à fase Sailor Moon SuperS, mas seguindo fielmente a história do mangá) e promete lançar em breve as três primeiras temporadas de Sailor Moon Crystal e também os filmes da série clássica. Infelizmente, não há planos para a vinda do resto das demais temporadas dos anos 1990. Enquanto tudo isso não chega na Netflix, é possível assistir a essas três temporadas de Sailor Moon Crystal também na Crunchyroll.
Para os amantes de leitura, o mangá de Sailor Moon foi lançado no Brasil pela editora JBC em meados da década passada, e com um pouco de esforço é possível encontrar esses volumes para compra. A editora também lançou uma coletânea de curtas, Sailor Moon Short Stories, e a “prequela” Sailor V. Uma nova edição do mangá chamada Sailor Moon Eternal foi anunciada pela editora em 2019, mas ainda segue sem data de lançamento por conta de problemas de aprovação com o Japão.