De tempos em tempos temos a oportunidade de ver a história sendo escrita na nossa frente, mas são poucas as vezes nas quais temos consciência disso. A estreia do anime de Chainsaw Man, nesta terça-feira (11), tem tudo para ser um dos maiores acontecimentos da indústria do anime e mangá, e o mais legal é que isso é surpresa pra ninguém. Mesmo quando a versão em quadrinhos ainda nem era lançada oficialmente, já havia toda uma comunidade de fãs e produtores de conteúdo encantados em desvendar cada página produzida pelo autor Tatsuki Fujimoto.
Mas, afinal, o que é Chainsaw Man? Será mesmo uma série simples sobre um rapaz rasgando de forma brutal várias criaturas estranhas ou há um debate social escondido embaixo de litros de sangue e peitos de mulheres com rosto blasé? Independente de como você interpreta a história de Chainsaw Man, uma coisa é certa: essa obra será um sucesso.
Seu Madruga e Chaves finalmente se entendem e o fandom de Tatsuki Fujimoto cresce mais um pouco na Vila pic.twitter.com/McWc4tIGAi
— O Mago da Solidão (@SaitamaJack) June 21, 2022
Violência e sangue para adolescentes
Não é um exagero “prever” o sucesso do anime de Chainsaw Man porque a série vem de um histórico de recordes batidos em vários campos. O mangá, iniciado em 2018 nas páginas da Shonen Jump, conseguiu surpreender os leitores com uma história bem diferente do que estamos acostumados nessa revista, ou seja, nada de histórias de poder da amizade e treinamentos para o protagonista derrotar uma grande ameaça.
Antes de mais nada, é necessário esclarecer um ponto: Chainsaw Man é uma história tão destinada a adolescentes quanto um Dragon Ball ou um Naruto. Deste lado do globo há uma confusão frequente a respeito de demografia de mangá, e muitos acreditam que séries mais bobinhas como Haikyuu ou Yu-Gi-Oh! são mangás shonen (para adolescentes) enquanto obras mais “profundas” ou violentas como Death Note ou Chainsaw Man são seinen (para adultos). Tudo bobagem! A classificação é feita de acordo com a revista que publicou o mangá no Japão, então se Chainsaw Man saiu na mesma revista de Dragon Ball, as duas são obras shonen.
Dito isso, a grande dúvida acaba sendo como uma história tão diferente do habitual acabou indo parar nas páginas da Shonen Jump. Tatsuki Fujimoto começou sua carreira em 2011 e rapidamente foi chamando a atenção com suas histórias de capítulo único. Após vários prêmios, ele teve a oportunidade de publicar sua primeira série, Fire Punch, nas páginas da Shonen Jump+, uma espécie de "revista digital" no qual a editora Shueisha publica obras como Spy x Family ou Kaiju No.8. E sobre o quê era a história desse mangá? Bem… se prepara porque é uma doideira.
Fire Punch é ambientado em uma Terra tomada pelo gelo. O protagonista da trama é Agni, um rapaz que tem a habilidade natural de se regenerar tal qual sua irmã, e eles utilizam essa bênção como forma alimentar a pessoas em um vilarejo. Como? Dando seus próprios braços para essas pessoas comerem, já que eles vão se regenerar. Como se a história não pudesse ficar mais controversa, um sujeito chamado Doma aparece e usa seu poder de fogo eterno para queimar todo o vilarejo, matando todas as pessoas. Porém, como Agni tem um poder de regeneração mais forte, ele consegue ir se curando das queimaduras à medida que o fogo eterno o consome. Como ele nunca ficará sem o fogo (por ser eterno) e também nunca morrerá (por causa da regeneração), Agni se torna uma criatura eternamente em chamas.
Como essa sinopse comedida entrega, Fire Punch é um mangá para fortes! E Fujimoto conseguiu muita moral com sua história repleta de críticas políticas em meio a temas grotescos. Após algumas histórias de volume único, o autor conquistou a oportunidade de publicar uma nova série, Chainsaw Man, agora na principal revista da Shueisha, a Shonen Jump. E foi assim que os japoneses tiveram contato com Denji, um adolescente pobre de sonhos muito simples: ele apenas quer ter um teto, comida e uma namorada. Sua vida muda após encontrar um cachorro demônio que lhe oferece o “poder da motosserra” para destruir criaturas maléficas, e agora ele vai descobrir uma nova camada desse mundo ao trabalhar com Makima.
A obra de Tatsuki Fujimoto apresenta todos os elementos para um sucesso instantâneo entre os jovens e adultos. Denji é quase como se fosse a representação do espírito atual juventude, um pouco perdida na vida e sem muita perspectiva em um mundo tão opressor. O autor ainda criou uma gama de personagens de personalidade forte, como a própria Makima, cuja relação com o protagonista da série é bem pouco comum se comparado ao papel de outras personagens femininas em mangás shonen.
Além da estrutura da história, Chainsaw Man entrega no campo visual. A série tem como pontos fortes sua violência estética e as lutas de um personagem usando motosserras no lugar das mãos, algo sempre muito estiloso de se ver. Para os leitores mais adultos, Chainsaw Man ganha ainda algumas interpretações possíveis da história, mostrando como o Fujimoto está na realidade criticando a estrutura social da nossa sociedade.
O que esperar do anime?
A obra é uma grande mistureba de referências saídas da cabeça de Fujimoto, indo da trilogia de filmes Kizumonogatari até mesmo animes mais cults como FLCL. O autor também se inspirou fortemente em outros mangás de sucesso como Dorohedoro e Jujutsu Kaisen, e o próprio Fujimoto se surpreendeu quando houve o anúncio de que o estúdio MAPPA (responsável pelos animes dessas séries citadas) foi escolhido para também cuidar do anime de Chainsaw Man.
Um anúncio de anime sempre levanta a expectativa dos fãs, mas o de Chainsaw Man foi algo especial logo de cara. Desde o primeiro trailer a internet foi tomada pela ansiedade dos fãs pela versão animada de Chainsaw Man, e olha que as cenas desse primeiro vídeo foram todas feitas exclusivamente para promoção, afinal a produção dos episódios nem ao menos havia começado. A cada novo teaser lançado, agora com mais cenas que estarão no anime, mais aumentava a torcida dos fãs de Chainsaw Man.
Para dirigir o anime foi chamada uma equipe bem diversa em experiência, passando pelo novato diretor Ryu Nakayama (inexperiente na função, mas tendo dirigido episódios específicos de Fate/Grand Order e Jujutsu Kaisen) e encontrando também pessoas experientes como Hiroshi Seko, responsável pela composição de Chainsaw Man após ter trabalhado em Attack on Titan e Mob Psycho 100. A equipe de vozes originais também garantiu nomes importantes como Tomori Kusunoki (a Tia Noko de Bastard!) no papel de Makima e a queridíssima Ai Fairouz (a Jolyne de Jojo's Bizarre Adventure - Stone Ocean) no papel de Power. Já para o papel de Denji optaram pelo também novato Kikunosuke Toya, cujo papel mais expressivo foi o personagem Miyazawa, um secundário bem pequenininho do anime Heroines Run the Show, aquele anime que mais parece um dorama.
O mais recente trailer de Chainsaw Man também revelou um detalhe curioso da estrutura da série: cada um dos 12 episódios da temporada terá um encerramento diferente, com músicas e animações próprias. Entre os artistas escolhidos estão Eve, Kanaria, ZUTOMAYO, QUEEN BEE, MAXIMUM THE HORMONE e por aí vai. Já a música de abertura, que deve ser a mesma a temporada inteira, será a música "Kick Back" de Kenshi Yonezu, que logo deve grudar na cabeça de quem assistir ao anime.
Já era sucesso no Brasil
Normalmente há uma comunidade de leitores de quadrinhos que acompanha as novidades no Brasil simultaneamente ao lançamento no Japão, mas Chainsaw Man foi um pouco além disso. Talvez por sua temática ou pelo exagero visual da violência, o Brasil rapidamente se enxergou ali nos quadrinhos de Tatsuki Fujimoto, tornando sua obra muito popular no Brasil. O autor é tão aclamado por aqui que as suas duas principais séries, Fire Punch e Chainsaw Man já foram publicadas oficialmente no Brasil pelas editoras JBC e Panini, respectivamente.
Mas talvez a história mais peculiar envolvendo Chainsaw Man seja a respeito da tradução feita por fãs. Antes mesmo do lançamento oficial do anime ou do mangá, um grupo de admiradores traduzia os capítulos semanais da obra de Fujimoto com uma “livre interpretação dos fatos”, acrescentando alguns detalhes extras à obra. Com o objetivo de deixar o texto original mais “engraçado” e se conectar com o público daqui, foram inseridas piadas, referências ao Brasil e frases inexistentes na versão original.
Até aí não tem nada de novo, inclusive algumas dublagens oficiais ficaram famosas por aqui com essas brasilidades (como Yu Yu Hakusho), mas essa mudança em Chainsaw Man se tornou um problema quando os fãs perderam a mão e passaram a colocar piadas preconceituosas ofendendo minorias. Essa é uma grave desfiguração de Chainsaw Man, ainda mais quando lembramos que o autor Tatsuki Fujimoto é um mangaká bastante ligado a causas sociais. O mangá deturpado por fãs durante muito tempo foi considerado como “verdadeiro”, como se o próprio autor tivesse colocado as frases preconceituosas e um desenho de latinha de cachaça em um quadrinho.
Um dos momentos mais lembrados dessa tradução amadora é o momento no qual um personagem diz “o futuro é pica”, algo consertado na versão oficial do mangá da Panini e que provavelmente estará ausente da legenda e da dublagem de Chainsaw Man na Crunchyroll. Mas se quiser entender toda essa polêmica com mais detalhes, temos aqui no Omelete um artigo completinho sobre o caso.
Mas ainda assim Tatsuki Fujimoto conquistou muitos fãs no Brasil, pessoas engajadas que repercutem a obra do autor de forma carinhosa e cheia de graça. Nos últimos meses, por exemplo, o usuário do twitter @SaitamaJack criou vídeos divertidos nas redes sociais colocando os personagens da série Chaves discutindo a profundidade de Chainsaw Man como se fossem otakus em uma fila de evento de anime. É maravilhoso:
Quem se interessar pela história pode acompanhar os episódios sendo lançados semanalmente na Crunchyroll ou mesmo ir atrás dos mangás lançados pela Panini. Para os fãs mais antigos, o “mano Fujimas” tem publicado a continuação de Chainsaw Man na Shonen Jump+, e os capítulos estão sendo disponibilizados em português oficialmente no site Manga Plus. Se for ver, essa é a melhor hora para se jogar de cabeça na história de Tatsuki Fujimoto.