Lucifer and the Biscuit Hammer (Hoshi no Samidare em japonês ou mesmo Lúcifer e o Martelo no Brasil) é considerado um dos animes mais promissores desta temporada de verão de 2022. Mas se perguntarem como um anime de nome estranho e animação “desanimada” conseguiu atiçar a curiosidade dos otakus, a resposta é simples: o segredo está na história! Baseado no quadrinho original de Satoshi Mizukami, Lúcifer e o Martelo pode até ser um mangá destinado a adultos, mas são com elementos de "shonen de lutinha" que a mensagem da história é transmitida para a gente.
Dramas adultos, lutas adolescentes
Num belo dia como qualquer outro, o jovem Yuuhi Amamiya acorda e encontra em seu quarto um lagarto. Com um olhar fixo e falando difícil, o réptil explica ser um lorde chamado Noi Crescent, cujo objetivo é recrutar o protagonista para defender a princesa das garras de um feiticeiro malvado. Diante desse chamado, o heroico Yuuhi segura Noi pelo rabo, vai até a janela e o arremessa para longe. Tal qual o Charlie Brown Jr, o protagonista dizia que ninguém ia estragar seu dia, mas era tarde demais: Yuuhi se meteu em uma história muito complicada.
Esse é o começo de Lúcifer e o Martelo (vamos usar o nome brasileiro nessa matéria porque é um título muito bom, você há de concordar). O mangá criado por Satoshi Mizukami teve sua publicação entre 2005 e 2010 na revista Young King Ours, da editora Shonen Gahousha, uma publicação de demografia adulta. Como é de conhecimento comum no meio otaku, as histórias em quadrinhos têm demografias bem definidas (shonen para adolescentes homens, josei para mulheres adultas e por aí vai), e essas classificações servem para dizer quem é o público alvo daquelas histórias.
Deve-se tomar cuidado para não criar generalizações nessa questão das demografias de mangá, como acreditar que toda história de romance é mangá shoujo (destinado ao público feminino jovem) ou que uma história como Death Note é seinen (demografia para homens adultos) por ter uma trama mais “pesada”. Entender esse conceito é importante para entender a classificação de um mangá como Lúcifer e o Martelo.
No decorrer de sua introdução, Yuuhi até rejeita o chamado para aventura do lagarto, mas logo vê sua vida ameaçada por um monstro de barro que surge no meio da rua. Mesmo com seus recém-recebidos poderes (uma esfera de energia que Yuuhi usa de uma forma parecida com os poderes da Ms Marvel da nova série do Disney+, criando plataformas de energia), sua morte parecia iminente até o monstro ser destroçado por um socão dado por uma garota, sua vizinha Samidare. Ela se revela a princesa que Noi havia mencionado no começo da história, e alerta para uma grande ameaça pairando na Terra: um martelo gigantesco criado pelo feiticeiro, prestes a destruir nosso planeta como se fosse um frágil biscoito.
Se isso aqui fosse um mangá normal, veríamos Yuuhi jurando lealdade à princesa e saindo em uma jornada para recrutar os outros cavaleiros lendários com o objetivo de salvar a Terra das maldades do feiticeiro, mas não é isso que acontece. Após explicar sobre o martelo gigante, Samidare declara que seu objetivo é impedir o vilão da história… porque quem vai acabar com o nosso planeta é ELA. Em um misto de choque e admiração, Yuuhi percebe que precisa dedicar sua vida àquela “Lúcifer de saias” para que ambos possam destruir o mundo juntos.
Lúcifer e o Martelo se utiliza de clichês que estamos acostumados em séries de porrada para contar um outro tipo de história. Durante o anime veremos sim arcos de treinamento, poderes especiais com nomes pomposos e adversários cada vez mais fortes, mas isso vai rolar em paralelo ao crescimento pessoal de cada um daqueles indivíduos. Os personagens dessa história têm seus empregos, seus familiares e seus problemas cotidianos para lidar enquanto o feiticeiro ataca com monstros de barro, e há motivos muito fortes para que tanto o vilão quanto a protagonista tenham o mesmo objetivo.
Inclusive em muitos momentos os personagens de Lúcifer e o Martelo parecem até saber que estão dentro de uma história fictícia, pois se preocupam em nomear os golpes de forma impactante ou então criar poses de efeito. Mas longe de ser apenas uma “paródia” de um shonen de lutinha tradicional como Dragon Ball e Naruto, essa série se aproveita desses elementos para quebrar a guarda do espectador e contar uma história sobre as dificuldades de se tornar adulto.
O que precisamos abandonar para chegar à vida adulta? Por quais motivos destruiríamos um lugar que chamamos de lar? O quão dolorosas podem ser as correntes que nos colocaram na infância, e como podemos nos libertar delas? A jornada de Yuuhi e da Lúcifer de saias parece ser bem mais sobre autodescobrimento que sobre uma luta de bem contra o mal.
O anime controverso
Durante muito tempo Lúcifer e o Martelo foi considerada uma obra “cult”. O Mizukami começou sua carreira em 2002 com o mangá Gekogeko, uma coletânea de contos, e aí passou a fazer séries de curta duração. Seu primeiro título longo na carreira foi justamente Lúcifer e o Martelo, responsável por se tornar mais conhecido no meio otaku. De lá para cá, ele ainda emplacou o elogiado Spirit Circle e o roteiro do anime Planet With (de 2018).
É estranho Lúcifer e o Martelo ter ganhado um anúncio de série animada agora em 2022, afinal o mais comum é termos animes de séries em publicação (para impulsionar a venda dos quadrinhos) ou então de séries completas de bastante repercussão, o que não é este caso. Curiosamente, mesmo a publicação de Lúcifer e o Martelo no Brasil pela editora JBC em 2014 soou como algo “diferente do comum”, tendo o anúncio do título sido feito junto à republicação de Yu Yu Hakusho e de Profecy. Como bem lembra o site Biblioteca Brasileira de Mangás, a editora até produziu um vídeo com sua equipe editorial para revelar seu mais novo mangá:
A chegada de uma boa série animada poderia ser uma nova chance para Lúcifer e o Martelo, mas antes mesmo da estreia o anime já conseguiu chamar negativamente a atenção dos fãs. No anúncio realizado em janeiro, foi informado que Lucifer and the Biscuit Hammer é produzido pelo NAZ, estúdio sem um histórico de grandes animações. Para se ter uma ideia, o mais conhecido anime feito pelo NAZ foi o recente Thermae Romae Novae, lançado pela Netflix e que tem algumas falhas de ritmo nos episódios.
Mas o que desanimou para valer os fãs que esperavam um excelente anime para Lúcifer e o Martelo foi a escolha do diretor, Nobuaki Nakanishi, profissional sem grandes obras no currículo. Mesmo com a participação direta de Satoshi Mizukami no roteiros, provavelmente ocupando uma função semelhante à do autor em Planet With, há pouca confiança no resultado técnico da produção após os primeiros trailers terem mostrado uma animação bem qualquer coisa.
Mas se Lúcifer e o Martelo não tem um estúdio bom, equipe experiente e nem a torcida dos fãs de animação, a série conta com um elemento importante: o povo. Boa parte do sucesso de Lúcifer e o Martelo no ocidente, e no Brasil, se deu graças ao boca a boca. O título é figurinha comum em listas de melhores mangás já publicados, e também é defendido com bastante entusiasmo por críticos de mangás como Leonardo Kitsune. Um elogio comum é sobre como o Mizukami consegue criar uma história emocionante, cheia de momentos memoráveis e com personagens marcantes mesmo com uma premissa bastante clichê.
Então estamos aqui com duas possibilidades: na primeira, o anime pode surpreender a todos contando bem a história do mangá, e isso ajudará Lúcifer e o Martelo ser mais reconhecido pelos otakus. Na segunda, o anime pode ficar bem aquém das expectativas, mas isso fará com que mais pessoas procurem o original e se apaixonem pela história. No fim das contas, parece um futuro bastante promissor para a obra e para a mensagem passada nela.
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Onde ver?
Caso queira conferir com seus próprios olhos, Lucifer and the Biscuit Hammer (com esse nome em inglês mesmo) terá seus episódios lançados semanalmente aos sábados na Crunchyroll. A plataforma também prometeu uma dublagem em português, que deve chegar algumas semanas após o lançamento dos episódios legendados. Vale lembrar que o streaming também tem em seu catálogo o anime Planet With, série de mechas criada pelo autor Satoshi Mizukami, que também teve uma rápida passagem pelo finado canal aberto Loading.
Se você deseja ver a obra original, vai dar um pouco mais de trabalho. Lúcifer e o Martelo (com esse nome em português) foi lançado pela editora JBC na década passada, o que dificulta encontrar os volumes. Felizmente ainda é possível encontrar edições lacradas, então será necessário um pouco de garimpo. Esse é o único mangá do Mizukami publicado no Brasil, então vamos torcer para que talvez venha um Spirit Circle ou Planet With em breve.