Sailor Moon se tornou um fenômeno nos anos 1990 e conquistou um gigantesco e apaixonado público-alvo. Mas tudo chega ao fim um dia, e muitos anos após as lutas da marinheira lunar temos novas guerreiras que fazem a cabeça do público da atualidade, as Pretty Cure. Mas como essas novas heroínas, cheias de transformações exuberantes e temas inusitados, pavimentaram seu caminho até o sucesso? É isso que vamos tentar explicar hoje.
Procura-se uma nova Sailor Moon
Para entender como surgiu Pretty Cure, é necessário entender o sucesso de uma garota loirinha e meio preguiçosa. O anime de Sailor Moon, iniciado em 1992, foi um grande fenômeno no mundo todo, a ponto de se tornar um sinônimo de animes para garotas. Tudo começou nos anos 1990, quando a Toei Animation acertou em cheio ao produzir um anime baseado no mangá criado por Naoko Takeuchi na revista Nakayoshi. Com audiência elevada e um sucesso comercial na venda de brinquedos, bonecas e penduricalhos com símbolo da lua, rapidamente Sailor Moon foi conquistando outros países e até chegou ao Brasil em 1996, exibido pela Rede Manchete.
Em vez de exibir um grupo de adolescentes musculosos saindo na porrada, Sailor Moon focava nos dramas adolescentes da jovem Usagi/Serena Tsukino, uma atrapalhada colegial que ganhou de um gato mágico o poder de se transformar em Sailor Moon e combater monstros. Embora o conceito seja muito bom, não podemos dizer que a Takeuchi foi a inventora das mahou shoujo (garotas mágicas, em português), afinal séries como Mahou Tsukai Sally (de 1966) já colocavam protagonistas com poderes mágicos muito antes. Entretanto, Naoko foi a responsável por "refinar" a fórmula tradicional do gênero, misturando com a estrutura dos famosos esquadrões Super Sentai (aquelas séries de heróis coloridos, tal qual Power Rangers no ocidente). Na teoria, o grupo de Sailors enfrentando o monstro da semana é conceitualmente o mesmo de uma série como Changeman ou uma temporada dos Rangers, porém com um elenco feminino.
Enquanto Naoko ia lançando mensalmente capítulos de mangá de Sailor Moon, a Toei usou todo o seu pessoal para dar uma encorpada no material original, criando dezenas e mais dezenas de episódios filler para desenvolver ainda mais as relações entre as guerreiras da lua. Para se ter uma ideia da quantidade de histórias exclusivas para a versão animada, o site Anime Filler List classificou que 49% dos episódios produzidos de Sailor Moon não fazem parte da história presente no mangá, sendo apenas tramas extras.
O estúdio de animação não estava errado em alongar ao máximo a história de Sailor Moon, pois a força estava no merchandising e na venda produtos derivados. A Toei, inclusive, optou por dividir o anime em temporadas, dando novos subtítulos para reforçar as novidades como novas Sailors, transformações e poderes mágicos diferentes. E assim Sailor Moon foi sucedida por Sailor Moon R, Sailor Moon S, Sailor Moon Super S e Sailor Moon Sailor Stars, sempre com bastante sucesso no Japão.
Infelizmente (para a Toei), Naoko Takeuchi encerrou a história das guerreiras lunares, provavelmente por não ter mais para onde seguir: Usagi/Serena não era mais uma adolescente, e sim uma adulta, e já convivia com o maridão Mamoru/Darien e uma filha, a insuportável ChibiUsa/Rini. Já não havia mais como inventar novos poderes e vilões, mas como manter os lucros e não perder o espaço de série mahou shoujo para garotas? A Toei precisava tomar uma atitude, e assim o fez.
Assim como o estúdio precisou "inventar" Dragon Ball GT para manter os animadores de Dragon Ball Z empregados (e lucrar mais, lógico), a Toei apelou para uma outra franquia clássica com o objetivo de segurar o público do horário de Sailor Moon. Assim foi produzido o anime Cutie Honey Flash, baseado na história clássica de Go Nagai (cujo mangá original foi publicado no Brasil pela NewPOP Editora) e acompanhando a vida da jovem adolescente Honey Kisaragi, capaz de se transformar na Cutie Honey para enfrentar os bandidos do momento. Essa história envolvendo o término de Sailor Moon é bastante curiosa e alguns sites especializados explicam isso com maior riqueza de detalhes, mas vamos voltar à narrativa da matéria.
Em 1999, a Toei reuniu sua equipe interna para criar uma nova história que reunisse os principais elementos de Sailor Moon, como um grupo de garotas se transformando e histórias episódicas. E em meio a vários outros estúdios tentando repetir a fórmula, a Toei criou por conta própria o anime Ojamajo Doremi (ou Magical Doremi, o nome internacional da franquia) sobre uma garota chamada Doremi capaz de se transformar em uma bruxinha.
O anime Ojamajo Doremi foi muito bem recebido pelo público-alvo, e isso foi o bastante para estimular a Toei a criar novas temporadas, sempre acrescentando uma nova guerreira a cada fase. No entanto, após Ojamajo Doremi# (se pronuncia "Sharp"), Motto! Ojamajo Doremi e Ojamamjo Doremi Dokkan! a franquia se esgotou completamente e mais uma vez a Toei se viu obrigada a encerrar uma série de garotas mágicas por não ter mais para onde ir.
A empresa continuava de um anime para as garotas, mas deveria ser algo que durasse bastante tempo como as séries super sentai, renovadas anualmente. Foi aí que alguém da equipe de criação chegou à conclusão óbvia: e se criassem uma equipe de garotas que fossem trocadas a cada temporada?
A criação das Pretty Cures
Assim como Sailor Moon, Pretty Cure parte sempre de uma mesma premissa: um grupo de garotas (cujo número varia) ganha poderes mágicos com temas diferentes a cada temporada e precisam enfrentar uma grande entidade do mal que ameaça os humanos através de "monstros do dia". No decorrer dos episódios, novos poderes vão surgindo e personagens crescem também, enfrentando inseguranças e problemas de suas vidas civis. Cada temporada se basta e a história das personagens encerra ali, pois o elenco e a trama são renovados no ano seguinte. Parece uma fórmula até fácil, mas na verdade levou um tempo até Pretty Cure (ou PreCure, como os fãs mais íntimos preferem chamar) ficar do jeito que conhecemos atualmente.
A primeira temporada, iniciada em 2004, ganhou o nome de Futari wa Pretty Cure (algo como "Nós somos as Pretty Cure") e mostra a vida de duas adolescentes japonesas de personalidades bem distintas, Nagisa e Honoka. Num belo dia elas encontram criaturas mágicas que lhe concendem o poder de se transformar em Pretty Cure para combater o mal... e é basicamente isso mesmo.
Futari wa Pretty Cure parecia diferente das demais séries de garotas mágicas de sua época por ter cenas de ação bem mais físicas. A explicação dessa mudança se deve ao trabalho do diretor, Daisuke Nishio, nada menos que o responsável por dirigir um tal de Dragon Ball Z. O sucesso do anime para garotas foi o bastante para render uma segunda temporada, que ganhou o subtítulo Max Heart.
Mas foi apenas na terceira temporada, Pretty Cure Splash Star, que a franquia experimentou trocar totalmente o elenco tal qual as séries Super Sentai. Nagisa e Honoka se despedem e entregam o espaço televisivo para Saki e Mai, as novas Pretty Cures do momento. Mais uma vez, um diretor especializado em animes para meninos foi chamado para a tarefa, Toshiaki Komura. Ele foi o responsável por dirigir as animações de Músculo Total, ou Kinnikuman Nisei no original, e de Ring ni Kakero 1, anime de boxe baseado no mangá do autor de Cavaleiros do Zodíaco.
Mesmo tendo novas temporadas todos os anos, demorou um tempinho até Pretty Cure se tornar o fenômeno cultural como é hoje em dia. Embora Yes! PreCure 5 e sua continuação direta Yes! PreCure 5 GoGo tenham sido um sucesso, a série explodiu mesmo com a chegada da temporada HearCatch PreCure, dirigida por Tatsuya Nagamine (do arco de Wano no anime de One Piece) e com design de personagens de Yoshihiko Umakoshi (de My Hero Academia). Essa também foi a primeira vez que a protagonista não era uma adolescente cheia de energia, e sim uma garota mais tímida. O resultado foi arrebatador e HeartCatch PreCure garantiu vida longa à franquia de garotas mágicas.
Atualmente as Pretty Cures são as grandes heroínas do Japão e sua importância na cultura japonesa é mostrada até em outras séries. Em My Hero Academia, durante o arco contra a organização criminosa do Overhaul, um dos capangas do mafioso precisa ir até uma loja de brinquedos comprar bonecas de um anime de garotas que lutam. Algo parecido aconteceu já no primeiro episódio de Gokushufudou - Tatsu Imortal, no qual o protagonista compra um box de Blu-Ray de um mahou shoujo genérico (e muito parecido com Pretty Cure) para sua esposa.
Além da televisão, Pretty Cure também é um sucesso no cinema. Dezenas de filmes das franquias foram lançados, e há inclusive uma série cinematográfica exclusiva chamada Pretty Cure All Stars que promove encontros entre as protagonistas de várias temporadas, quase um "Vingadores: Ultimato de garotas mágicas".
As diversas temporadas também ganharam vários jogos eletrônicos, normalmente lançados para consoles Nintendo e oferecendo vários minigames bastante acessíveis aos mais novos, com foco em controles de toque ou movimento. E assim, o dinheiro nunca parou de cair na conta da Toei: relatórios recentes mostram que Pretty Cure é a terceira franquia mais lucrativa da Toei em licenciamento no Japão, sendo superada apenas por Dragon Ball e One Piece.
As Cures que Tropicalizam
A temporada de 2021 se chama Tropical-Rouge! Pretty Cure e traz como tema o oceano e maquiagem. Na trama temos Laura, uma sereia de personaliade forte que vem à terra firme para encontrar garotas que possam ser Pretty Cures. A missão da sereia de cabelo rosado está longe de ser altruísta, pois ela quer usar os feitos das Cures como plataforma para suceder a Rainha do Oceano.
Rapidamente Laura conhece Manatsu, uma adolescente cheia de energia e que busca sempre "tropicalizar" (um bordão repetido à exaustão). Com os poderes oferecidos pela sereia, Manatsu se torna a Cure Summer e precisa encontrar outras três guerreiras para enfrentarem juntas as ameaças da Bruxa da Protelação, uma entidade maligna (e bastante preguiçosa) que rouba a motivação das pessoas através dos monstros Kero-Não.
Como se percebe pela sinopse, a temporada de Pretty Cure deste ano tem um pé mais na comédia. Os dramas são um pouco mais leves, e o foco está nas caretas e situações absurdas que as personagens se metem na busca de se tornarem Cures melhores.
Um dos trunfos de Pretty Cure, e que persiste em Tropical-Rouge, é ser um anime para todos os públicos. Claro que a produção foi feita tendo crianças em mente, e muitos episódios passam lições quase educativas aos mais jovens (nessa temporada houve toda uma história para motivar a protagonista a ajudar nos afazeres domésticos). No entanto, assim como muitas animações ocidentais, as histórias trazem elementos que atraem outros públicos.
Para começar, a animação costuma ser acima da média. Cenas de transformações, golpes mágicos ou combates costumam ser sempre bem animados, graças a diretores com histórico em outras séries de ação. Os roteiros também colocam sacadas para agradar os mais velhos, e a temporada Tropical-Rouge conta com a carismática sereia Laura que é egoista e interesseira, contrariando a própria missão das Pretty Cures.
Às vezes você vai se pegar rindo de alguma palhaçada ou então se emocionando com algum drama inesperado que surge nas aventuras semanais. Assim como as séries Super Sentai, Pretty Cure é uma produção para passar o tempo sem pensar demais e curtindo uma boa animação.
E no Brasil?
Embora Sailor Moon, a "mãe" das mahou shoujo, tenha sido um sucesso por aqui, Pretty Cure não teve tanta sorte assim. Revistas especializadas como a Herói contaram que a primeira temporada, Futari wa Pretty Cure foi oferecida para emissoras de televisão no começo dos anos 2000, mas nunca deu em nada.
Em 2015 a Saban Brands licenciou Pretty Cure no ocidente e trouxe a série Smile PreCure. Como é bastante comum em adaptações norte-americanas, todos os nomes foram mudados, episódios foram cortados e a série passou a se chamar Glitter Force. Eles ainda tentaram mais uma vez, adaptando Doki Doki PreCure para Glitter Force Doki Doki, mas após a baixa repercussão a Saban devolveu à Toei os direitos de Pretty Cure no ocidente. As duas temporadas citadas estão no catálogo da Netflix, com dublagem em português.
Mas as coisas começaram a mudar e recentemente Pretty Cure passou a fazer parte do catálogo da Crunchyroll no Brasil. Além de Tropical-Rouge Pretty Cure, que tem seus episódios lançados simultaneamente com o Japão aos finais de semana, o serviço de streaming tem no catálogo brasileiro as temporadas Kira Kira Pretty Cure a la Mode e Healin' Good Pretty Cure, todas legendadas em português.
Vale a pena conferir, principalmente a Tropical-Rouge Pretty Cure que está no comecinho. Quando menos esperar, você se verá querendo tropicalizar ao lado da Manatsu e da Laura.