Além de sucesso, audiência e vendas de edições encadernadas, podemos dizer que Slam Dunk tem um legado. Mesmo décadas após o seu desfecho, a obra de basquete criada por Takehiko Inoue continua influenciando os japoneses a jogar basquete e emocionando os fãs com a trajetória do jogador Hanamichi Sakuragi no esporte. E com a chegada do filme The First Slam Dunk aos cinemas brasileiros, essa parece uma ótima oportunidade para prestar reverência a uma das obras mais importantes do Japão, sem exageros.
Shohoku, vencer!
A revista Shonen Jump viveu seu auge nos anos 1990, atingindo cerca de 6 milhões de exemplares vendidos todas as semanas. Muito antes da estreia de séries como One Piece e Naruto, o almanaque japonês atingia vendagens astronômicas graças ao trio de mangás composto por Dragon Ball, Yu Yu Hakusho e Slam Dunk. As duas primeiras dispensam comentários, são shonen de lutinha reconhecidos por suas qualidades e lembrados até hoje no mundo inteiro, mas chama a atenção termos um mangá de basquete nesse trio.
Slam Dunk não foi o primeiro mangá de esporte a causar uma comoção nacional. Na década anterior, os japoneses foram apresentados ao futebol graças ao Captain Tsubasa (Super Campeões) de Yoichi Takahashi, mas havia alguma coisa ali que fez a obra de Takehiko Inoue explodir de uma forma única. Talvez Slam Dunk tenha obtido êxito por introduzir o tema “basquete” em doses homeopáticas.
A história começa quando o adolescente Hanamichi Sakuragi recebe seu enésimo fora de uma garota, e decide nunca mais se apaixonar. Claro que essa afirmação não dura nem 10 páginas, porque ele fica muito encantado por Haruko Akagi. Mas a diferença aqui é que a garota também se interessou por Hanamichi... ou pelo menos pelo porte atlético do protagonista. Ela diz que o rapaz tem tudo para entrar no time de basquete, e isso é o bastante para Sakuragi decidir se inscrever no time da escola. Ele só não esperava que ia encontrar, além de um esporte cheio de regras, algumas das pessoas mais geniosas do colégio Shohoku, como o exigente capitão Takenori Akagi (irmão de Haruko) e o talentoso (e folgado) Kaede Rukawa.
Hanamichi desconhece as regras mais básicas, não sabe nem que precisa bater a bola após dar alguns passos na quadra, e essa é a forma que o autor Takehiko Inoue encontrou de nos apresentar ao esporte. Enquanto num Captain Tsubasa o leitor aprende sobre futebol observando as partidas de Ozora Tsubasa, em Slam Dunk temos a “alfabetização” do protagonista sendo usada para conhecermos as regras principais do basquete. E o mangaká é tão eficiente que lá pelo meio do mangá o leitor já está dominando o basquete, a ponto de conseguir acompanhar uma partida profissional na televisão sem ficar perdido. Claro, o mangá usa regras desatualizadas de basquete, mas o principal está ali de forma fácil de entender.
Um dos principais atrativos de Slam Dunk é parecer muito real. Longe de ser uma história em que o poder da amizade é transformador e opera milagres, Slam Dunk tem personagens imperfeitos, derrotas em quadra e situações incontornáveis. Por mais que a ascensão de Sakuragi no basquete pareça meteórica, a todo momento Takehiko Inoue deixa claro que seu personagem principal é um novato sem experiência em jogo. Somando tudo isso a um elenco cheio de carisma e uma história com bastante paixão pelo esporte, Slam Dunk acabou se tornando um dos grandes mangás não só dos anos 1990, mas de todos os tempos.
Slam Dunk, o embaixador do basquete no Japão
Ao contrário do autor de Captain Tsubasa, que optou por abordar o futebol sem conhecer tanto do esporte de início, Takehiko Inoue tinha uma relação com o basquete. O autor de Slam Dunk jogou a modalidade durante seu Ensino Médio, e teve a ideia de criar o mangá como forma de mostrar suas experiências e apresentar o esporte para os japoneses. Slam Dunk foi responsável não só por popularizar o basquete, mas também por incentivar muitos jovens a praticarem o esporte de forma profissional. Assim como o cenário do futebol no Japão foi influenciado por Captain Tsubasa, Slam Dunk fez o mesmo pelo basquete no país.
Parte do sucesso veio da versão animada produzida pela Toei Animation. O estúdio de Dragon Ball e Sailor Moon seguiu uma linha com um visuais e movimentos bastante realistas, pelo menos durante as partidas de basquete, levando a um resultado muito bonito. A adaptação se manteve por 3 anos no ar, de 1993 a 1996, mas terminou sem adaptar toda a história. O anime nem ao menos chega na parte do Torneio Nacional, que é quando o mangá encontra seu clímax. Como não é boba nem nada, a Toei também aproveitou o sucesso de Slam Dunk para produzir 4 filmes animados para cinema durante os anos 1990. Todos se tratam de histórias criadas exclusivamente para o anime (ou seja, fillers), com partidas que não alteram a história principal criada por Inoue. Há até um filme no qual Sakuragi reencontra a garota que lhe deu um fora no começo de Slam Dunk, mas toda história apresenta uma partida de basquete emocionante.
Séries normalmente fazem sucesso durante a publicação do mangá ou enquanto o anime é transmitido, mas Slam Dunk continuou forte mesmo sem qualquer adaptação no ar. A editora Shueisha continuou reimprimindo edições do mangá para atender a demanda, e até algumas versões de luxo foram lançadas com novas ilustrações nas capas. Slam Dunk se tornou um daqueles mangás que são divulgados de geração a geração, a ponto do título atualmente ser o sétimo mangá mais vendido de todos os tempos no Japão (abaixo de One Piece e Dragon Ball e acima de Attack on Titan e Jojo's Bizarre Adventure).
Mas uma das maiores provas do legado de Slam Dunk no Japão, e de como a série pavimentou o caminho do basquete no país, é a presença de japoneses na NBA. Em 2023, a liga profissional americana conta com três jogadores vindos diretamente do Japão, destacando-se o jogador Rui Hachimura dos Lakers. O gigante de 2,03m nasceu em 1998 e já declarou ser fã de Slam Dunk. Rui foi descoberto durante o ensino médio por Jooji Sakamoto, outro fã do mangá do Inoue, e trilhou seu caminho no esporte até chegar na NBA. Slam Dunk também é apontado como a inspiração do novo nome do jogador americano J.R. Henderson, que durante sete anos jogou no Japão e adotou o sobrenome Sakuragi quando conseguiu sua cidadania japonesa.
E o The First Slam Dunk? O que é?
Há muito tempo havia interesse em continuar a história do anime. Em várias ocasiões a Toei Animation tentou negociar com Takehiko Inoue para a produção de um filme que encerraria a história de Hanamichi Sakuragi e os demais alunos do time do Shohoku, mas nunca se acertaram. Com o passar dos anos, e avanço da tecnologia, a animação japonesa conseguiu abraçar computação gráfica (vide Dragon Ball Super: Super Hero da mesma Toei Animation) e agora é possível adaptar com qualidade uma partida de basquete misturando CGI com animação 2D tradicional. E esse projeto, intitulado The First Slam Dunk, foi anunciado pelo criador da série no começo de 2021.
Inoue, que cuida diretamente de suas propriedades intelectuais, é creditado como roteirista e diretor de The First Slam Dunk, um projeto de nome confuso. Embora o título dê a entender que se trata de um reboot da franquia, aqui temos é a adaptação da última partida de Slam Dunk, mas com inserções de cenas para não deixar um leigo perdido. O protagonista desse novo longa metragem não é mais Sakuragi, e sim Ryota Miyagi. Durante a história vamos conhecer a família do baixinho do time do Shohoku ao mesmo tempo que assistimos à lendária partida do Shohoku contra o colégio Sannoh, os campeões nacionais.
Provando que a força de Slam Dunk continua firme e forte, o filme lançado em dezembro de 2022 fez uma bilheteria sensacional. Com seus 262 milhões de dólares arrecadados mundialmente, The First Slam Dunk é o quinto maior filme de animes de todos os tempos no quesito bilheteria, abaixo apenas de Demon Slayer: Mugen Train, A Viagem de Chihiro, Your Name e Suzume. Para se ter uma ideia, o filme de basquete aparece acima de arrasa-quarteirões como One Piece: Red, Princesa Mononoke, Dragon Ball Super: Broly e Pokémon.
Agora a dúvida que fica é: com um sucesso desse tamanho, será que o autor e a Toei vão parar por aí, ou será que um remake de Slam Dunk não está a caminho para arrebatar novas gerações? Não sabemos, mas estarei ali pronto para ver mais episódios protagonizados pelo meu querido rei dos rebotes.
Onde assistir e ler?
Infelizmente não temos acesso facilitado ao anime de Slam Dunk no Brasil. Ao contrário dos nossos vizinhos da América Latina, nosso país não teve uma exibição da série nos anos 1990 nem nada, então o máximo que temos atualmente é no YouTube onde a Toei Animation disponibilizou os 10 primeiros episódios da série (mas sem legenda em português).
Por outro lado, poderemos ver The First Slam Dunk nos cinemas brasileiros a partir de 3 de agosto. O longa inclusive ganhou uma dublagem em português feita pelo estúdio Unidub (o mesmo de Jojo’s Bizarre Adventure), com muitas vozes conhecidas pelos otakus: o "protagonista" Ryota Miyagi foi interpretado por Daniel Figueira (o Tanjiro Kamado de Demon Slayer) e o nosso amado Hanamichi Sakuragi ganhou a voz de Heitor Assali (o Kirishima de My Hero Academia).
Pelo menos é fácil ter a experiência “original” com os quadrinhos. O mangá de Slam Dunk foi publicado em duas oportunidades no Brasil, uma em meados dos anos 2000 pela editora Conrad, e outra nos anos 2010, pela editora Panini. Esta última republicação ainda está disponível e pode ser encontrada em lojas especializadas e no site da editora. Uma outra sugestão de leitura é o mangá Real, também de Takehiko Inoue e publicado no Brasil pela Panini. Na história acompanhamos como o basquete muda a vida de vários personagens PCDs.