Robert Pattinson como Batman em The Batman

Créditos da imagem: Warner Bros./Divulgação

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Batman | Os 15 maiores easter eggs e referências do filme de Matt Reeves

Nova versão do Cavaleiro das Trevas homenageia legado do personagem e o cinema

Omelete
1 min de leitura
03.03.2022, às 10H00.
Atualizada em 03.03.2022, ÀS 15H54

[O texto abaixo traz spoilers de Batman]

Maior rede de cinemas do mundo, a AMC Theatres tem um selo de reconhecimento chamado AMC Artisan Films, conferido apenas a filmes considerados "artísticos, e que avançam a arte cinematográfica". Batman, o novo longa-solo do Cavaleiro das Trevas da DC, foi uma de apenas duas produções inspiradas em quadrinhos a recebê-lo, junto com Coringa (2019). Não é pouca coisa, tampouco é uma honraria conferida ao projeto de Matt Reeves à toa.

Altamente pessoal para o diretor, o novo filme solo do herói, além de mergulhar a fundo nos quase 83 anos do personagem nos quadrinhos, emprega diferentes linguagens cinematográficas para homenagar seu legado nas mais diversas mídias. Além de tomar emprestado diversas referências a filmes clássicos de diferentes gêneros para elevar a trama visual, narrativa e artisticamente, Batman ainda ri de si mesmo com easter eggs certeiros, aqui e ali.

Hithcock e Janela Indiscreta

Créditos de Janela Indiscreta, de Alfred Hithcock
Amazon Prime Video/Reprodução

Ao som de "Ave Maria", de Schubert, Matt Reeves abre seu filme apresentando o recurso com o qual traçará comparativos sinestésicos entre o herói de sua história, Batman (Robert Pattinson), e o vilão, Charada (Paul Dano). Do ponto de vista do psicopata assassino, acompanhamos a janela de uma grande mansão em Gotham, onde um pai, uma mãe o filho do casal brincam. É noite de Halloween, percebemos pela fantasia do garoto e o cesto de doces que ele empunha, e o patriarca será o único que permanecerá em casa, trabalhando.

Com um desenrolar lento, marcado pelo crescendo da ópera que a sonoriza, a cena remete diretamente às tomadas subjetivas que compõem o suspense antológico Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hithcock. Na trama, James Stewart vive um fotógrafo profissional que encontra em sua janela o refúgio para a solidão, já que está confinado em seu apartamento por ter quebrado a perna enquanto trabalhava. Analisando a vida alheia, ele acaba envolto em uma angustiante espiral ao pensar ter testemunhado um crime.

Ecoando essa mesma angústia em sua abertura, Reeves brinca com as expectativas e a moral do público, já que mais do que nos convidar a acompanhar o que pode ser um crime, nos coloca na pele daquele que o deve executar. Por um breve momento, sua subjetividade nos torca cúmplices do Charada, imediatamente nos inserindo na nova interpretação do universo da DC que Batman apresenta.

Batman: O Cavaleiro das Trevas e a mídia

Capa de Batman: O Cavaleiro das Trevas
DC Comics/Reprodução

Não demora muito para que possamos ver o que se passa dentro daquela mansão, onde vemos o pai, agora sozinho, acompanhando um noticiário televisivo. Por meio do boletim, Reeves repete um dos métodos de exposição favoritos do mestre dos quadrinhos Frank Miller, colocando na boca de jornalistas as informações necessárias para que o público se situe mais rapidamente na história contada.

Aqui, ele revela que o homem observado pelo Charada é o atual prefeito de Gotham, Don Mitchell Jr. (Rupert Penry-Jones), que briga para ser reeleito em um disputado pleito com a jovem idealista e revolucionária Bella Reál (Jayme Lawson). A cena também reforça a ideia de que o legado dos Wayne, personificado por Thomas, é historicamente reverenciado pela cidade, além de apresentar elementos essenciais às reviravoltas dramáticas que virão depois.

Uma das obras mais marcantes de Miller com o Homem-Morcego, Batman: O Cavaleiro das Trevas é a principal referência para o uso da mídia como ferramenta narrativa e HQs de super-heróis. Em painéis que costumam extrapolar uma única página, o autor americano apresenta acalorados debates entre comentaristas políticos, cientistas, âncoras e mais figuras frequentemente focadas pelo holofote da imprensa. Com isso, move a trama adiante sem sacrificar a inteligência de seu argumento narrativo — assim como Reeves faz em seu filme.

Charada, Zodíaco e Se7en

Paul Dano como Charada em Batman
Warner Bros./Divulgação

Todo esse momento informativo serve para suspender a tensão momentaneamente, abrindo um vácuo para a arrepiante introdução física do Charada em Batman. Surgindo de trás do prefeito, ele pula sobre sua vítima e o derruba no chão. Então, com uma ferramenta de aço usada para a instalação de carpetes, golpeia repetidamente a cabeça do homem enquanto urra. A atuação de Dano na cena é arrepiante, incluindo sons e gemidos que remetem aos relatos de satisfação sexual oferecidos por assassinos seriais em relação aos seus crimes.

O mais surpreendente, entretanto, é quão bem funciona o visual do vilão. Inspirado diretamente nos retratos falados dados por vítimas sobreviventes sobre as vestes que o psicopata americano Zodíaco usava para cometer seus crimes, a aparência mascarada do Charada resume o tom de Batman. Mais do que um filme de super-herói, Reeves se empenhou para criar uma história sombria de investigação policial capaz de abraçar a cor e a fantasia dos quadrinhos de forma equilibrada.

Se, visual e tonalmente, toda essa passagem remete diretamente à adaptação da realidade em Zodíaco, dirigido por David Fincher em 2007, a estrutura de investigação soturna que move Batman adiante é extremamente similar à de Se7en - Os Sete Crimes Capitais (1995). De qualquer forma, Reeves ecoa diretamente as obras criminais assinadas pelo cineasta de Alien 3 (1992) — e faz jus à sua abordagem meticulosa e esteticamente polida desses temas.

Batman - A Série Animada e Batman do Futuro

Cena de Batman, dirigido por Matt Reeves
Warner Bros./Reprodução

Em entrevista concedida ao Omelete, Reeves nomeou diretamente a celebrada animação noventista Batman - A Série Animada como uma das influências de Batman — e isso fica claro na sequência que sucede a apresentação do Charada. Embalados em uma narração em off de Bruce Wayne, somos conduzidos pelas ruas decadentes de Gotham. Diferentes criminosos, em diferentes lugares da cidade, aproveitam as sombras da noite para executarem seus atos de delinquência. Ao mesmo tempo, temem o surgir do Cavaleiro das Trevas. Esse medo provoca o vacilo, que os leva às garras da polícia, exatamente como deseja o Cruzado Encapuzado.

Um dos bandidos que acompanhamos é um homem armado que usa uma máscara de "Gota" (um tipo de "Zé Gotinha dos infernos", que faz referência à principal droga que assola Gotham). Ele acaba de roubar uma loja de conveniência, quando a luz do bat-sinal nos céus o leva a interromper sua fuga. Logo, as luzes dos helicópteros da polícia o encontram, quase que recriando uma sequência da abertura do seriado de animação de Bruce Timm. A Gotham de Batman é, portanto, única, mas familiar.

Só que a devoção de Reeves às animações do Cavaleiro das Trevas não termina aí. Para além do medo que inspira no coração dos criminosos, o Homem-Morcego precisa agir — é isso que ele faz contra uma gangue de jovens usando maquiagem de palhaço. Além de servir como uma referência interessante ao mais tradicional vilão do Batman, o Coringa, a cena remete diretamente ao futuro distópico de Batman do Futuro, quando o Príncipe Palhaço do Crime estava fora da jogada havia anos, mas seguia representado por jovens criminosos que tentavam repetir seu modus operandi caótico e teatral.

Nosferatu e Lost Highway

Cena de Nosferatu, de 1922
Youtube/Reprodução

Investindo em uma estética própria de filmes de horror para induzir o público a um estado de espírito de suspense e ansiedade, Reeves enquadra a primeira aparição do Cavaleiro das Trevas em Batman de forma a ecoar as aparição do vampiro em Nosferatu (1922), de F. W. Murnau, e certas cenas soturnas com Bill Pullman em A Estrada Perdida (1997), de David Lynch: saindo das sombras lentamente, como uma aparição.

Ao Omelete, o cineasta expandiu na explicação sobre o cinema de Lynch como inspiração, falando especificamente sobre o som do filme. "Havia essa ideia de quase que um filme de horror de David Lynch. Em A Estrada Perdida há essa cena em que Bill Pullman sai de um corredor e emerge da pura sombra sob o som desse perturbador drone", destacou o diretor. Seguindo isso, nós estávamos fazendo todo tipo de drone, todo tipo de coisas para te colocar na subjetividade do que seria estar nesse mundo intenso e assustador".

Batman: Ano Zero, Ano Um e Ano Dois

Arte de Batman: Ano Zero
DC Comics/Divulgação

Matt Reeves nunca escondeu que pretendia situar Batman em um ponto além, mas não muito distante, da origem do personagem-título. Com a história do filme se passando no segundo ano de atividades do personagem, ela traz fortes ecos de HQs que também se propuseram a cobrir esses anos formativos do Cruzado Encapuzado.

A começar por Batman: Ano Zero, crossover lançado pela DC entre 2013 e 2014, escrito por Scott Snyder e James Tynion IV, com arte de Greg Capullo, Danny Miki e Rafael Albuquerque. Dessa história, Reeves toma emprestado diversos elementos que se espalham por toda a estrutra do filme, do risco de inundação que assola Gotham (uma cidade cercada por água represada) à presença de Bruce infiltrado em meio ao que chama de "elemento criminoso", até o conflito com o Charada — que culmina em um momento de potencial sacrifício envolvendo eletricidade.

Frank Miller é mais uma vez terreno fértil para as inspirações de Reeves com Batman: Ano Um, ilustrado por David Mazzucchelli e lançado pela DC em 1987. Desse título, o novo filme tira a ideia do Cavaleiro das Trevas manter um diário onde narra seus passos como defensor de Gotham, além do conflito criminoso entre famílias mafiosas que molda a história da cidade. Acima de tudo, esta é a obra que rende mais paralelos em relação à Selina Kyle vivida por Zoë Kravitz: uma representante da classe trabalhadora de Gotham que se recusa a viver sujeita às injustiças de um sistem podre, se apropriando dos tons de cinza que ele oferece para ascender socialmente e proteger os seus. Sua cena de introdução, inclusive, é muito parecida com a da HQ; saltando de uma janela. O centro de Gotham também é idêntico ao visual visto nas páginas.

Por fim, Reeves mostra que fez bem seu dever de casa ao abraçar uma história bem menos conceituada que as duas anteriores e se debruçar sobre temáticas e eventos que surgem em Batman: Ano Dois, arco em quatro partes também lançado em 1987 e escrito por Mike W. Barr, com ilustrações de Alan Davis, Paul Neary, Alfredo Alcala, Mark Farmer Todd McFarlane. Na trama, o Homem-Morcego questiona a eficácia de seus próprios métodos ao enfrentar um inimigo que parece um reflexo distorcido dele mesmo. Assim, Bruce Wayne é forçado a reavaliar seu próprio heroísmo e reafirmar sua posição enquanto defensor da vida.

O Longo Dia das Bruxas e Vitória Sombria

Batman, em arte de Tim Sale
DC Comics/Divulgação

Também das HQs da DC, Reeves extrai muito do que o roteirista Jeph Loeb e o artista Tim Sale propuseram em Batman: O Longo Dia das Bruxas, lançada entre 1996 e 1997. Com o Cavaleiro das Trevas no encalço de um assassino que mata em feriados, numa caçada que tem início justamente no Halloween, a HQ é uma das histórias de detetive mais conceituadas do Homem-Morcego. Em Batman, essa estrutura é repetida contando até com alguns personagens iguais, como a própria Mulher-Gato e principalmente o líder criminoso Carmine Falcone (John Turturro).

A referência mais clara, além do fato de que Reeves reimaginou o Charada como um serial killer aos moldes daquele enfrentado em O Longo Dia das Bruxas, é o fato de que o filme também tem início nesse feriado específico. O uso da data entra nos joguetes do vilão de forma criativa, honrando o espírito dos quadrinhos. Além disso, há toda uma passagem da HQ envolvendo Falcone e Thomas Wayne que é resgatada, em relato, na produçao.

A continuação direta desse arco, Batman: Vitória Sombria, é mais uma influência para o novo filme. Publicada em 1999 também pela dobradinha Loeb e Sale, ela traz um Batman crescentemente isolado, como é o caso da versão de Pattinson no filme. Além disso, a publicação reconfigura a relação do Homem-Morcego com Gotham City, bem como traz revelações sobre o passado da Mulher-Gato que são igualmente centrais à trama de Batman. 

Batman: Terra Um

Painel de Batman: Earth One
DC Comics/Divulgação

Muito do que Reeves leva à tela em Batman está ancorado no anacronismo, com o novo e o velho em contato constante na Gotham mítica que o cineasta apresenta. O mesmo acontece nas referências empregadas na construção desse universo: além de clássicos do século passado, Reeves também usa publicações recentes do Cruzado Encapuzado na definição da personalidade do personagem.

Batman: Terra Um, narrativa de 2012 onde Geoff Johns e o artista Gary Frank criam um universo alternativo da DC, repensa o mito do herói por um filtro mais moderno e naturalista. Dela, Reeves pega emprestado elementos internos e externos ao Homem-Morcego, como a ideia de que a obssessão míope com sua jornada justiceira não permitiu a Bruce Wayne enxergar muito além de seus privilégios (comportando-se, em alguns momentos, como um garoto mimado), o fato da Batcaverna ter sido construída em um velho terminal pertencente à família Wayne e a versão mais jovem, firme e experiente em combate do mordomo Alfred Pennyworth (Andy Serkis), chefe de segurança dos Wayne e treinador de Bruce.

Taxi Driver e O Poderoso Chefão

Cena de Batman, dirigido por Matt Reeves
Warner Bros./Divulgação

Inspiração amplamente discutida por Reeves em entrevistas sobre Batman, o cinema norte-americano dos anos 1970 dita, de fato, muito do tom do filme. Além disso, o diretor e roteirista conseguiu inserir pequenos elementos que parecem saídos diretamente dessa época inventiva da indústria dos EUA, começando com um easter egg direcionado aos fãs de Martin Scorsese.

Tal qual o desequilibrado taxista Travis Bickle (Robert De Niro) em Taxi Driver (1976), o Cavaleiro das Trevas vivido por Robert Pattinson usa um mecanismo de ejeção posicionado em seu antebraço para sacar com velocidade a sua arma de gancho. Embora se recuse a matar, o herói da DC faz uso constante do apetrecho em combate, especialmente quando invade à força o Clube Iceberg.

Propriedade do criminoso de carreira Oswald Cobblepot, o Pinguim (Colin Farrell), esse espaço é ponto de encontro da vida noturna de Gotham (incluindo aí muitas figuras questionáveis) e serve como fachada para um segundo clube, onde os chefões do crime e da lei da cidade se misturam em falcatruas e outros abusos. Embora não chegue a esse nível ainda, "Oz" é rei dentro de seu espaço, e por isso remete ao clássico filme de Francis Ford Coppola O Poderoso Chefão (1972).

O principal personagem do clássico filme que inspira a atuação de Farrell, como o próprio ator já havia revelado, é Fredo (John Cazale). "Matt [Reeves] falava de alguém com ambições muito reais e elevadas, mas que nunca teve a oportunidade de explorá-las e que, talvez, era visto como uma pessoa deficiente, seja psicologica ou intelectualmente. Fredo era mal visto, como se fosse inferior aos seus irmãos, e talvez Oz também tenha sido visto como alguém que não era capaz", definiu o ator.

Pecados do Pai e Silêncio

Painel de Batman: Silêncio, desenhado por Jim Lee
DC Comics/Divulgação

A devoção de Gotham City a Thomas e Martha Wayne é uma constante em quase todas as adaptações cinematográficas do Homem-Morcego, mas isso é desafiado por descobertas promovidas pelo Charada em Batman. Essa é uma premissa tirada diretamente do arco dos quadrinhos Batman: Pecados do Pai, uma publicação de 2018 que não serve ao cânone oficial do herói na DC, mas complementa a narrativa proposta pelo game do Cavaleiro das Trevas feito pela Telltale Studios.

Na trama, escrita por Christos Gage e desenhada por Raffaele Ienco, Bruce Wayne descobriu que seu pai passou anos prendendo pessoas, contra suas vontades e a Justiça, no Asilo Arkham, e é forçado a lidar com as consequências desses abusos para compensar o mal. Não é o que Reeves faz, exatamente, em seu filme, mas é exatamente o mesmo ponto de partida. Em uma das cenas da produção, inclusive, é possível encontrar a frase "the sins of my father" ("os pecados do meu pai") escrita por Bruce. Quer mais referência que isso?

Pois ela vem na forma da palavra "Hush", que surge em meio a anotações do Charada. Ela é o título e o nome do vilão introduzido em Batman: Silêncio, arco de Jeph Loeb, Jim Lee e Scott Williams lançado entre 2002 e 2003 que vê o Cavaleiro das Trevas perturbado por um antigo conhecido que ressurge para tentar roubar dele tudo que importa  —  e que guarda uma ligação direta com o Charada. Será que uma adaptação direta dessa obra está nos planos de Reeves para uma sequência? Outra citação que pode apontar ao futuro é o da cidade de Blüdhaven, vizinha de Gotham onde opera o Asa Noturna, Dick Grayson; o primeiro Robin.

Christine, o Carro Assassino

Cena de Christine, o Carro Assassino, de John Carpenter
Columbia Pictures/Divulgação

Nem mesmo o aviso sincero de Matt Reeves pôde nos preparar para a introdução do Batmóvel em Batman. Realmente parecendo uma besta que surge das trevas, o muscle car do Cruzado Encapuzado anuncia sua chegada com sons agoniantes, intimidando na mesma medida que captura a visão do espectador. Pela forma como o cineasta o enquadra, com chamas escapando do capô, bem como a movimentação implacável que o veículo tem em cena, fica clara a referência feita a Christine, o Carro Assassino, obra de Stephen King adaptada ao cinema em 1983 pelo mestre do terror John Carpenter (Halloween).

Quando entra em ação, entretanto, é inegável a similaridade da perseguição entre Batman e Pinguim sob uma forte chuva com a melhor sequência de ação do drama policial Os Donos da Noite (2007), de James Gray. A claustrofobia do interior dos veículos, a visão prejudicada pela precipitação intensa e a adrenalina pulsante que emana da velocidade capturada na tela é a mesma entre as duas cenas, que partilham até uma passagem similar: os tiros na janela com encarada entre os personagens conflitantes.

Era Uma Vez no Oeste e Los Angeles - Cidade Proibida

Cena de Batman, dirigido por Matt Reeves
Warner Bros./Divulgação

As referências cinematográficas de Batman não param por aí. Quando finalmente alcança o pinguim, fazendo o carro do vilão capotar quase como o Aston Martin de Daniel Craig em 007 - Cassino Royale (2006), o Cavaleiro das Trevas desce de seu veículo e se aproxima lentamente do inimigo. O metal nas botas do vingador da noite brada a cada passada, tal qual as esporas da bota de um pistoleiro no Velho Oeste. Segundo Reeves revelou ao Omelete, é uma sonorização intencional.

"O som das botas do Batman, particularmente, nós investimos muito tempo para encontrar o que fosse certo para elas. Eu ficava pensando que queria, quando ele se aproximasse, que fosse o som do horror, sabe? E também que fosse como o som de um filme do Sergio Leone", afirmou o cineasta. O ritmo deliberadamente lento e contemplativo da cena, ele mesmo adicionou, foi para reverenciar a obra seminal do cineasta italiano Era Uma Vez no Oeste (1968).

Mas Batman é, em essência, uma aventura cinematográfica noir do Cavaleiro das Trevas, e isso volta ao primeiro plano quando Batman e Jim Gordon aplicam a clássica técnica do "policial bom e policial mau" ao submeterem o Pinguim a um interrogatório. Divertida, com Farrell engolindo o cenário em sua interpretação canastrona de Oswald Cobblepot, a passagem lembra muito a colaboração entre Guy Pearce e Russell Crowe em uma das melhores sequências de Los Angeles - Cidade Proibida (1992).

Batman: O Cavaleiro das Trevas

Cena de Batman: O Cavaleiro das Trevas
Warner Bros./Divulgação

Se Batman aponta o futuro do herói-título ao mesmo tempo em que olha para o passado, nada mais justo do que ecoar aquele que muitos fãs enxergam como o melhor filme do personagem até hoje, Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008), de Christopher Nolan. A produção é lembrada no novo filme quando o Homem-Morcego pode finalmente ficar frente à frente com o Charada, mas só porque o vilão assim desejou.

É extremamente similar ao que o Cruzado Encapuzado de Christian Bale passou nas mãos do Coringa de Heath Ledger: surgir em posição de dominância em um interrogatório só para entender que o jogo está na mão do vilão. A cena dirigida por Matt Reeves, entretanto, consegue ser mais intensa que a de Nolan: constantemente submissa à perspectiva do Cavaleiro das Trevas, ela entrega duas enormes reviravoltas de forma tão sutil quanto impactante.

Batman: Veneno e Batman: Terra de Ninguém

Capa de Batman: Veneno
DC Comics/Divulgação

No que é uma das decisões mais ousadas de Reeves no filme, Bruce Wayne recorre a uma droga verde para conseguir vencer a dor física que o impossibilita de agir e salvar a vida de Selina Kyle, em meio aos eventos de um bombástico terceiro ato. O líquido, entretanto, o deixa mais brutal que normalmente, fazendo com que ele quase mate o seguidor do Charada que ameaçava sua aliada. Esse arriscado auxílio de químicos não é novidade para o personagem nos quadrinhos, já que foi o foco do arco Batman: Veneno, escrito em 1992 por Dennis O'Neil com artes de José Luis García-López. O'Neil, inclusive, é homenageado por meio do personagem Dan O'Neil, um jornalista citado na trama.

Lançada antes da introdução do poderoso vilão Bane, em 1993, essa história trazia Bruce Wayne sofrendo com a falha no resgate de uma jovem garota. Temendo não estar mais fisicamente apto a ser o Batman, ele recorre a uma droga experimental chamada Veneno (a mesma que posteriormente daria ao vilão sua força sobre-humana). Mais forte, ágil e altivo, o Cavaleiro das Trevas ressurge implacável, mas o abuso da droga logo passa a deixá-lo crescentemente agressivo, fazendo com que ele comece a desafiar sua regra de respeito à vida.

Adicionando um elemento que parece remeter a essa narrativa no terceiro ato desse primeiro filme, Reeves pode estar preparando o terreno não só para uma melhor exploração do Veneno em produções subsequentes, como também para uma versão mais fiel às HQs de Bane, ao menos em comparação com aquela proposta por Christopher Nolan em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).

Outro elemento do terceiro ato retirado das HQs, o bolsão de poder deixado em Gotham pela queda de Carmine Falcone remete ao caos que toma conta do território no crossover Batman: Terra de Ninguém, de 1999. Na obra de múltiplos atores, Gotham acada isolada dos Estados Unidos após um terremoto sem precedentes, colocando o domínio do território em disputa entre todas as gangues de supervilões que se veem libertos em meio à desgraça.

Batman: Ego

Capa de Batman: Ego
DC Comics/Divulgação

Mesmo que traga a vitória e o amadurecimento necessários ao Cavaleiro das Trevas, o final de Batman tem sabor agridoce com a despedida de Bruce e Selina. Ao longo do filme, a relação de ambos evolui conforme fica claro o entendimento mútuo que ambos nutrem um pelo outro, ainda que a vida em tons de cinza dela seja tão diferentre da visão em preto e branco dele.

A dor desse adeus, entretanto, é remediada pelo tom esperançoso que encerra Batman, fruto da compreensão à qual chega Bruce Wayne sobre seu papel como símbolo de esperança em Gotham, e não vingança. Essa dualidade que recai sobre a fgura do Homem-Morcego é abordada de forma criativa e emocionante em Batman: Ego, história de 2000 assinada por Darwyn Cooke. Centrada nos conflitos internos do herói-título, ela foi apontada pelo próprio Matt Reeves como uma das principais inspirações para o novo longa.

Bônus: Batman 1966 e Os Incríveis

Cena de bastidores de Baman, série de TV dos anos 1960
ABC/Divulgação

Fechando com chave de ouro, um momento tão rápido que você corre o risco de perder se piscar. Matt Reeves conseguiu adicionar em Batman uma homenagem a uma das coisas mais divertidas da série de TV do Batman dos anos 1960: as caminhadas na parede dos prédios.

Acontece após um diálogo com Jim Gordon, no topo do prédio em construção que abriga o bat-sinal. O Cavaleiro das Trevas anuncia que irá se infiltrar no Clube Iceberg, então lança um cabo de aço preso a uma roldana e desce a construção correndo pela sua lateral, exatamente no caminho contrário que Adam West e Burt Ward faziam quando escalavam edifícios e interagiam com pessoas abrindo suas janelas.

Poderia se tratar de uma coincidência, é claro, mas Reeves admitiu, falando com o Omelete, que é fã de carteirinha das aventuras do Morcegão na TV. "O Batman de 1966, a série de TV de Adam West, ela foi lançada no ano em que eu nasci. Então, quando criança, eu era obcecado pelo Batman. E eu não via nada camp naquilo, eu só achava tudo maneiro. Ele tinha o carro, eu amava o carro, amava o capuz, amava todas essas coisas. E é claro que eu ainda amo essas coisas", disse. De quebra, o diretor ainda adicionou um busto de William Shakespeare a uma das cenas do filme. No seriado sessentista, era um deles que guardava o botão de acesso à Batcaverna.

Já a referência à animação de Brad Bird Os Incríveis (2004) vem no terceiro ato, quando o Morcegão é atacado por asseclas do Charada que o arrastam usando sua capa. É um momento em que Reeves admite a falta de praticalidade que vem com o uso do adereço, ao mesmo tempo que reforça o nível de prepare necessário a Bruce Wayne para que continue o usando mesmo que isso aumente os riscos que corre em combate.

A estreia de Batman ficou para 3 de março no Brasil, e a pré-venda dos ingressos já começou.

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