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Blade Runner - O Caçador de Androides | 35 Anos

Relembre o clássico de Ridley Scott

25.06.2017, às 00H00.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H34

Lançado nos EUA em 25 de junho de 1982Blade Runner - O Caçador de Androides está completando 35 anos de idade. Relembre neste artigo especial a importância do filme, suas versões e o fracasso comercial que se tornou um dos filmes mais cultuados de todos os tempos antes da estreia da sua inesperada continuação, Blade Runner 2049, que chega aos cinemas em outubro. 

Blade Runner

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A produção de Blade Runner
Por Renato Góes

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Críticos de arte em geral torcem o nariz para os filmes de ficção científica por terem uma ideia arbitrária de que o gênero é composto por produções em que a prioridade é dada apenas os efeitos especiais. No entanto, Blade Runner - O Caçador de Androides (Blade Runner, 1982), foge dos parâmetros pré-estabelecidos e traz adjetivos suficientes para agradar até mesmo os que não são fãs do gênero.

A história é ambientada no início do século 21, mais precisamente em Los Angeles. O clima quente e ensolarado é substituído por uma metrópole de formas e cores sinistras, onde uma superpopulação se amontoa em arranha-céus decadentes, corroídos por uma incessante chuva ácida que teima em cair.

É nesse decadente planeta Terra que vive o detetive Deckard, interpretado por Harrison Ford. Ele é convocado por seus superiores a realizar um último trabalho. Exterminar ("aposentar" é o termo técnico) quatro androides desertores, chamados de Replicantes, que fugiram à cidade após uma rebelião em um sistema estelar. O detalhe é que essa geração de androides - a NEXUS 6 - é o mais próximo que os humanos chegaram da perfeição robótica. Além de serem dotados de grande inteligência, agilidade e força física, os replicantes têm um objetivo a ser alcançado: A busca por mais tempo de vida.

A história é baseada na obra de Philip K. Dick, Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (conheça o livro), e foi adaptada pelos roteiristas Hampton Fancher e David Peoples. A direção ficou a cargo de ninguém menos que o inglês Ridley Scott (Gladiador), que anos antes já havia feito o também cult Alien - O 8º Passageiro. Outros dos nomes em destaque do longa-metragem são os do designer Syd Mead (Moebius foi convidado, mas declinou - algo de que mais tarde se lamentou), o diretor de arte David Snyder e o diretor de fotografia Jordan Cronenweth, no que é o mais relevante trabalho de suas carreiras. Todo o visual futurista-retrô é inspirado nos filmes noir da década de 50, nos quadrinhos de ficção franceses (especialmente a revista Metal Hurlant) e em outro clássico da ficção científica, Metrópolis, de Fritz Lang. Igualmente marcante é a trilha sonora de Vangelis - uma das mais reconhecidas do cinema até hoje.

O elenco de Blade Runner é composto por Sean Young, Edward James Olmos, Daryl Hannah e Rutger Hauer, em seu melhor papel. É dele um dos melhores momentos do filme, quando profere a célebre frase "todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva"

Além de conquistar o célebre título de cult movie, Blade Runner é considerado até hoje um dos filmes mais influentes da década de 1980, tanto visualmente como pelo próprio roteiro sugestivo. Bom, é que muitas dúvidas sobre o personagem de Ford demoraram muito para serem respondidas claramente. É que em 1993, Ridley Scott lançou uma nova versão do filme, chamada directors cut (versão do diretor), virando de cabeça pra baixo o que se pensava sobre o filme.

Quatro versões e a Edição Especial
Por Érico Borgo

Blade Runner é uma das vítimas mais notáveis da indústria do cinema na história. O clima sombrio e pessimista da versão entregue por Ridley Scott foi amenizado pelo estúdio para o lançamento nas telas. Primeiro, os gênios hollywoodianos resolveram que a produção carecia de explicações. Assim, Roland Kibbee, premiado por seu trabalho na série Columbo, foi chamado para escrever toda a simplista narração em off do personagem de Harrison Ford. Esse foi o último trabalho da carreira do roteirista, que morreu dois anos depois.

Além disso, toda e qualquer referência à irônica idéia de que Deckard seria também um replicante foram extirpadas da montagem (os sonhos, o unicórnio de papel). Pra completar, um final feliz, com o Caçador de Androides e a bela Rachael (Young) fugindo juntos para as montanhas foi inserido. A cena final, criada a partir de sobras de filmagens deixadas na sala de edição por Stanley Kubrick quando dirigiu seu O Iluminado (1980), mostra uma estrada com belas montanhas nevadas. Absurdo... parte do apelo do filme é sua visão, quase profética, em mostrar problemas como a superpopulação e a mudança climática - e o tempo todo é martelado no público que fugir para as colônias espaciais é o único meio possível de felicidade (o dirigível está presente em todo o filme, mesmo nas cenas internas, através da luz). A existência de um cenário idílico como aquele do final do filme original vai de encontro a todos os conceitos estabelecidos durante a história.

Não dá pra saber se foi por esses motivos ou não (as críticas negativas são frequentemente citadas como um dos fatores que contribuíram para o insucesso), mas Blade Runner foi um fracasso nas bilheterias dos Estados Unidos. Na verdade, é mais provável que a dura concorrência de E.T. (de Steven Spielberg), que estreou duas semanas antes, em 11 de junho de 1982, dominando as bilheterias, seja a responsável. Além disso, O Enigma de Outro Mundo (The Thing, de John Carpenter) também estreou no mesmo dia que Blade Runner, com apelo ao mesmo público, dividindo a arrecadação. Vale destacar também que a versão lançada nos EUA (U.S. theatrical version) e a que ganhou o resto do mundo (International Cut) são diferentes. A primeira tem menos violência.

Foi só com o tempo que as sutilezas do trabalho de Scott foram notadas - e Blade Runner ganhou status de "cult".

Mais de uma década depois de seu lançamento, o filme foi relançado em home video com uma "versão do diretor" (Director's Cut, 1992), montada a partir da edição que Scott aprovou originalmente. O disco, porém, não teve a participação direta do cineasta, que a considera um tanto apressada. De qualquer maneira, essa versão é muito parecida com a que foi lançada há alguns anos em DVD, HD-DVD e Blu Ray (Final Cut). A diferença é que a última teve algumas cenas estendidas - há até uma sutil refilmagem, com Zhora (Joanna Cassidy) fugindo do Caçador -, e está remasterizada com qualidade impecável. Efeitos especiais, som, tudo foi "reformado" e o filme parece ter sido feito ontem.

A Edição Especial - de 2005 - traz em três discos as quatro versões mais conhecidas do filme (há outras para a TV e festivais, de menor importância): As duas de 1982 (Versão para cinema EUA e Versão para cinema internacional), a Versão do diretor (1992) e a Versão final do diretor (2007). Em 2012, para comemorar os 30 anos, uma nova versão do filme será lançada, em Blu-Ray e com uma miniatura do "spinner", o carro voador, e 10 horas de extras inéditos. Veja os detalhes aqui.

Blade Runner é um dos melhores filmes de ficção científica já realizados e tantas versões disponíveis fazem parte da diversão, já que permitem comparar as visões comercial e artística de um mesmo produto, que podem ser tão diferentes quanto homens e máquinas.

Livro Vs Filme
Por Natália Bridi

Dois termos consagrados pelo filme não aparecem no livro. Blade Runner, a alcunha dos caçadores de recompensa, foi encontrada pelo roteirista Hampton Fancher em um roteiro do beat William S. Burroughs para o livro de Alan E. Nourse - em  um futuro distópico, remédios e equipamentos eram fornecidos por contrabandistas, os bladerunners (algo como traficantes de lâminas). Já o termo replicante teria surgido por sugestão da filha de David Peoples. Ridley Scott queria um sinônimo de androide sem precedentes e a filha do roteirista sugeriu replicating (replicação), que consiste no processo de duplicação das células para clonagem.

Por mais instáveis que fossem as opiniões de Philip K. Dick sobre a adaptação, o escritor acertou ao prever a relação complementar entre Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? e Blade Runner-  “Você lê o roteiro e depois lê o livro e é como se fossem as duas metades de um metatrabalho, de um meta-artefato. É sensacional", declarou em uma das suas últimas entrevistas. O contato com as duas obras certamente leva a algo maior. Se no livro existe o questionamento do que nos torna humanos, exemplificado pela relações entre homens e animais em um futuro pós guerra nuclear, o filme mostra melhor a ambição por humanidade dos androides, eternizada na colaboração do ator Rutger Hauer na fala do replicante Roy Batty, o líder dos Nexus-6 fugitivos: “Vi coisas que vocês não acreditariam. Naves de ataque ardendo no cinturão de Órion. Observei raios gama brilharem na escuridão próxima ao Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva. Hora de morrer”.

Na devastada Terra de 1992 do livro, a extinção de quase todos os animais transformou a fauna restante em um sinal de aceitação social. Um sujeito integrado precisava comprar e cuidar de um animal. Sem dinheiro, Deckard preenche esse vazio e engana seus vizinhos com uma vergonhosa ovelha sintética. Quando assume o trabalho de “aposentar” os androides Nexus-6, tudo o que pensa é que a recompensa finalmente lhe dará o dinheiro necessário para comprar um bicho de verdade - ao longo da narrativa, o personagem constantemente consulta o catálogo da Sidney’s, que avalia o preço e a raridade dos animais. No filme, que se passa em 2019, os animais sintéticos são incorporados ao ambiente, aparecendo nas tumultuadas ruas e como uma das evidências recolhidas na investigação de Deckard.

O cenário de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? é seco, um mundo tomado pela poeira radioativa e pelo entulho, com as coisas criadas pelo homem assumindo o espaço deixado pela humanidade, que fugira para as colônias espaciais. Já o longa mostra uma Los Angeles úmida e sombria por razões mais práticas. Filmar à noite, na chuva e com muito vapor contornava as limitações dos cenários e dos efeitos especiais da época. Ainda assim, os mundos de Scott e de K. Dick compartilham do mesmo aspecto desolador, mostrando uma população que tenta permanecer humana e se adaptar às circunstâncias. Scott cita a revista Heavy Metal como uma das grandes inspirações visuais do filme, com a notável influência dos traços de Mœbius e Enki Bilal nos cenários, objetos de cenas e figurinos dos tipos que preenchem a história de Rick Deckard.

Além das diversas versões do filme, o roteiro foi reescrito inúmeras vezes, com tantas exigências de alterações que levaram a saída de Fancher e quase enlouqueceram Peoples. Diversos trechos sequer chegaram a ser filmados em função do orçamento já estourado do longa. A cena de abertura original colocava Deckard em ação, com o caçador de androides aposentando um replicante em uma cabana em meio a gigantescas máquinas agrícolas. Outra cena revelava Roy Baty emergindo de uma pilha de entulho nas colônias fora da Terra; outra mostrava  o desdobramento do encontro entre Roy e seu criador, com a revelação que Dr. Eldon Tyrell (Joe Turkel) morrera há anos e residia em um sarcófago tecnológico. Esses trechos descartados, somados ao corte final de Blade Runner, mostram a riqueza da base fornecida por K. Dick e levam a conclusão do próprio autor, na carta à Ladd Company, de que o filme criara “coletivamente uma forma nova e incomparável de expressão artística e gráfica, nunca vista anteriormente”.

No posfácio da edição de Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, o traduror Ronaldo Bressane desenvolve uma análise completa dos paralelos entre o cultuado filme e o livro que o originou. Das diferenças entre a Rachel de K. Dick e a de Sean Young (uma criança femme fatale e uma femme fatale criança), à simpatia dos solitários J.R. Isidore (livro) e de J.F. Sebastian (William Sanderson no filme) pelos androides com prazo de validade para viver, passando pelo aspecto religioso, ausente na adaptação, no culto de empatia a Wilbur Mercer, em uma mistura de ensinamentos cristãos e budistas. É um interessante estudo sobre uma obra complexa que se mostra, ao final, mais para o realismo fantástico do que para a ficção científica.

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