Os quadrinistas de primeira viagem no Artists’ Valley da CCXP

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Os quadrinistas de primeira viagem no Artists’ Valley da CCXP

Cinco quadrinhos e sete novos autores e autoras para conhecer durante o evento

Omelete
8 min de leitura
30.11.2022, às 09H16.
Atualizada em 30.11.2022, ÀS 11H44

Por mais que eu tente acompanhar todo o quadrinho nacional da minha cadeira e do meu computador, não tem como descobrir o que acontece sem uma boa feira de gibi. O FIQ deste ano foi legal, mas perdi oportunidades como a Poc Con e a Butantã GibiCon. Quero compensar no Artists’ Valley da CCXP 2022.

Se você não lembra – e tudo bem, pois a Covid-19 afeta a memória – não rola Artists’ Valley (ex-Alley) presencial desde 2019. Os virtuais de 2020 e 2021 foram legais, mas foram uma experiência diferente. Este ano, o maior feirão do quadrinho independente brasileiro vai ter 352 mesas e mais de 500 autores com gibis que têm aquela capa que chama sua atenção na passada, que você folheia rapidinho, que você compra, pede um autógrafo e leva sem saber mais.

 

Sempre faço alguma lista de recomendações do Artists’ Valley – às vezes mais de uma no mesmo ano. Para começar a de 2022, resolvi que ia procurar os quadrinistas de quem eu não sabia nada ou quase nada. Novos nomes, gente que eu nunca vi ou com quem não nunca havia conversado.

Foram três anos sem essas chances e estou com saudade de ver o que eu nunca vi.

SUPER TDAH

A psicóloga de Clarissa Paiva a chama de “Super TDAH” durante as sessões. “Porque eu, não satisfeita em só contar para ela que machuquei o pé, tenho que mostrar o pé pelo Zoom”, diz Clarissa.

TDAH é a sigla de Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade. No quadrinho de mesma sigla da Clarissa, o H vira Hipercriatividade e ela conta como foi diagnosticada com o Transtorno, já adulta, depois de anos como criança e adolescente “imaginativa, caótica e que não parava quieta”, segundo descrição da própria.

Clarissa é de Brasília. Vai ser sua primeira CCXP presencial, depois de participar da versão online. Ela trabalha com ilustração há bastante tempo – seu trabalho tem mais de 60 mil seguidores no Instagram – e enveredou pelos quadrinhos há dois anos.

“Eu não tinha confiança com a minha escrita para desenvolver narrativa em quadrinhos”, ela conta numa conversa por e-mail um pouquinho antes do voo para São Paulo. “Comecei com quadrinhos sem texto e fui colocando mais diálogos até chegar em TDAH”. (A HQ, não o Transtorno.)

Ela quer muito ver a mesa de Lukas Werneck no Valley. É leitora de 48km e de Wizard of Cedel, além de fã de Dav Pilkey – outro quadrinista com TDAH (o Transtorno, não a HQ.)

“E tem incontáveis autores com essa neurodivergência”, ela explica. “Inclusive personagens, como o Calvin do Bill Watterson. Tenho certeza que muitos profissionais criativos são TDAH, mas ainda não sabem. É um transtorno comum e complicado, pois cada caso é um caso. Ao mesmo tempo, uma das características comuns é a criatividade. O livro trata exatamente de como ser criativa interfere na nossa experiência e as dificuldades na hora de buscar diagnóstico e tratamento”.

Clarissa Paiva e TDAH: Transtorno de Déficit de Atenção e Hipercriatividade estarão na mesa A15 – mas ela disse que levará uma tiragem limitada. A HQ custa R$ 38. Quem não estiver ou não conseguir o seu na CCXP também pode encomendar no site da autora.

ANÉIS NORDESTINOS

Tiago Pinheiro se diz, tanto na sua nota biográfica quanto na capa de Anéis de Lampião, um “nordestino favelado”. É uma mistura de suas duas origens: nascido na Paraíba, ele conta que se mudou ainda criança para uma favela em São Bernardo de Campo, onde cresceu.

“Cresci numa mistura entre o sertão da Paraíba e o cinza de São Paulo”, ele me conta por e-mail. “O espinho do cacto e o pé descalço no asfalto.”

As duas referências de origem, segundo ele diz, formaram Anéis de Lampião. A HQ tem a ver com uma lenda de que Lampião, o famoso cangaceiro, teria aprisionado as almas do seu bando em anéis quando se viu diante da emboscada em que morreu.

Os anéis viram o mote de algo que não é bem uma trama, mas uma experiência visual em quadrinhos – das mais impressionantes que eu vou encontrar este ano.

“Decidi juntar meu lado quadrinista com o lado artista visual”, diz Tiago, que tem 36 anos, larga experiência como artista e designer, e que começou a fazer quadrinhos há apenas seis anos. “Criei uma narrativa que é… HQ? Que é Cordel? Que é uma Poesia? Eu diria que é tudo. Somos nossas raízes e o que decidimos crescer delas.”

Ele já teve o que chama de “breve participação” em uma CCXP, a de 2016. “Mas acho que o peso de participar da edição 2022 da CCXP veio como um grande amadurecimento do meu trabalho.”

Anéis de Lampião tem 32 páginas e custa R$ 35. Tiago estará na mesa H04.

MARINA NOGUEIRA ANDANDO NO ESCURO

“A primeira vez que fiz um quadrinho foi quando eu tinha doze ou treze anos. Fiz todinho à mão com lápis de cor e canetinhas porque naquela época eu nem sabia o que era desenhar no computador. Depois do trabalhão que deu, eu fiquei um tempo tomando fôlego pro próximo.”

Marina Coelho Nogueira, de São Paulo, está com 26 anos e esta vai ser sua primeira CCXP. Ela publica a webcomic Para Andar no Escuro no Tapas e no WebToons desde 2020, mas diz que começou a pensar em quadrinhos de verdade este ano.

Para Andar no Escuro trata de Magnólia, uma artista e bióloga tímida que é convidada para ir ao Pantanal para documentar o surgimento de animais mágicos. Se vencer a timidez e a ansiedade, ela vai conseguir participar do grupo que está pesquisando a novidade na biologia.

A versão de Escuro que está nas plataformas de webcomics tem mais jeito de livro ilustrado. Marina está reformatando, transformando e finalizando toda a narrativa em HQ.

“A história é a mesma, porém a adaptação de um formato para o outro foi bem intensa”, ela conta. “A narrativa no Tapas e no Webtoon era bem descritiva, então eu reescrevi tudo na forma de roteiro, o que deixou o consumo da história mais leve. Algumas cenas do Tapas vão aparecer no quadrinho, mas o estilo foi atualizado, por isso todas as imagens foram 100% redesenhadas.”

Ela completa: “Adaptar é minha parte favorita.”

O que ela vai levar à CCXP é uma prévia desse processo de adaptação, numa publicação de 24 páginas e que vai custar só R$ 20. A versão completa de Para Andar no Escuro vai depender de um Catarse que entra no ar nesta quarta-feira.

Marina é leitora de Bone, Nimona e Repeteco e diz que está ansiosa para ver as mesas de Isadora Zeferino, Gabriel Picolo e Gabriel Infante no Valley. “Na real, quero ver as mesas de todos os meus amigos!” Ela estará na F08.

JACK DESENHA MONSTROS

Há monstros por todo lugar: na escola, na rua, no vizinho. Você não sabe, mas o menino Eri Lira sabe. Ele os enxerga, ele os desenha e ele está preparando um manual que vai ajudar todo mundo a identificar os monstros. Até que um monstro chega muito perto de pessoas queridas e ele tem que tomar medidas mais drásticas.

É a trama O Menino Que Desenha Monstros, quadrinho de Jack Azulita. O ilustrador de Santa Isabel (onde nasceu Mauricio de Sousa, como ele me lembra), 26 anos, já tinha feito um livro infantil de terror. Este é seu primeiro quadrinho.

Jack já participou das duas edições virtuais da CCXP. “Foi uma experiência muito boa e me preparou para a primeira presencial”, ele conta. Embora já fizesse tiras para o Instagram, ele diz que “2022 foi o ano em que produzi quadrinhos a sério.”

O Menino Que Desenha Monstros foi financiado via Catarse em setembro. É um quadrinho grande, de 112 páginas. Na segunda-feira, quando conversamos por e-mail, ele estava esperando a entrega da gráfica. “Coração a mil.” Na CCXP, a edição vai custar R$ 40.

Depois de botar os monstros para fora na HQ, perguntei se – fora a tensão com a gráfica – Jack ainda era assombrado por algum monstro.

“Já nos livramos de um monstro fascista e pesado este ano. Mas ainda estamos no processo de nos livrar de todo o caos que ele instaurou.”

VEM, METEORO?

“Invasores, fora!”, de Rodrigo Cândido

Daniel Sousa não é, na verdade, um nome que eu desconhecia. Acompanhei o trabalho dele em coletâneas como VHS, Skriptzine e Dossiê Bizarro, além dos trabalhos solo como Tachyon e Entrespaço. Ele participa de todas as CCXP desde 2018. Mas acabamos conversando de novo porque ele passou pela primeira experiência como editor e organizador de uma antologia de HQ – e, assim como eu fiz, saiu à cata de autores que não conhecia.

Riscos no Escuro reúne treze quadrinistas, incluindo o próprio Daniel, que constroem histórias a partir da mesma premissa: uma menina vê uma chuva de meteoros.

“Minhas filhas mais novas adoram desenhar enquanto estou finalizando algum trabalho e sempre me pedem um tema”, ele me contou por e-mail. “Em uma dessas ocasiões, respondi meio sem pensar: ‘Uma menina está voltando para casa quando vê uma chuva de meteoros’. Imediatamente sugeri o mesmo tema aos integrantes do grupo.”

“Escrito nas Estrelas”, de Lucy

O coletivo que assina Riscos com o nome Bereguedê já havia tentado um trabalho coletivo antes, “mas compromissos individuais (vulgo boletos) acabaram adiando esses planos.” Agora deu certo.

“Cada roteirista teve liberdade total para desenvolver sua história dentro do que considera seu estilo pessoal”, diz Daniel, “o que permite que o leitor encontre histórias que vão da aventura e fantasia ao intimismo e a psicodelia.”

Em “Faça um Desejo”, de Igor Tavares e Bruno Brunelli, a menina assiste à chuva de meteoros de uma praia. Em “Riscos Ancestrais”, de Felipe Coutinho, logo após a chuva a menina se depara com sua ancestral.

A escritora especialista em bruxaria Inês Barreto e a artista plástica Cecília Reis estreiam juntas nos quadrinhos em “Segredos do Espaço”, em que a menina resolve tocar nos meteoros que caíram na rua. Lucy, também ilustradore, faz sua primeira HQ em “Escrito nas Estrelas”, em que a garota sonha em viajar pelo espaço como os meteoros.

A coletânea ainda tem histórias de J.V. Santos, Felipe Manhães, Marcelo Grisa, Rodrigo Cândido e Will Rez. Nem todos os autores vão participar do Valley, mas Riscos estará à venda na mesa de Daniel (A14) e na de Juliano de Sousa (C39).

E aquele mítico meteoro que vai vir e destruir tudo – e que alguns torce que venha logo?

“Olha”, diz Daniel, “se a gente sobreviveu aos últimos quatro anos, meteoro a gente tira de letra.”

 

(o)

Sobre o autor

Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato. Também é autor dos livros Balões de Pensamento – textos para pensar quadrinhos e Balões de Pensamento 2 – ideias que vêm dos quadrinhos. Ele assina a coluna Enquanto Isso quase semanalmente no Omelete.

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