Conhecido por seu estilo único, Neal Adams é sem dúvida um dos maiores artistas dos quadrinhos. Sua passagem pela Marvel se tornou famosa graças à parceria com o roteirista Roy Thomas, com quem trabalhou em HQs como Os Vingadores, em que desenhou uma parte da Guerra Kree-Skrull, e X-Men. Entretanto, Adams é mais lembrado por seu trabalho na DC em títulos como Desafiador, Lanterna Verde/Arqueiro Verde e especialmente o Batman, revolucionando a forma de retratar o herói. Confirmado na CCXP19, o quadrinista foi fundamental também fora das revistas, ao desafiar as grandes editoras lutando pelo direito dos criadores e combater o código que censurava as HQs.
Em 1954, anos antes de Neal Adams fazer sua estreia nos quadrinhos, foi criado nos EUA o “Comics Code Authority”, um órgão que fiscalizava o conteúdo das HQs promovendo uma verdadeira censura em diversos títulos, que só poderiam ser publicados com um selo de aprovação do código. Baseado no livro Sedução do Inocente, de Fredric Wertham, a publicação apontava - com informações incorretas e exageradas - quão perigosas as HQs poderiam ser para os jovens, chegando a ligar as revistas à delinquência juvenil. Para ser aprovadas, as histórias deveriam seguir uma série de regras que iam desde proibir a abordagem em temas como assassinato, tortura, menção a drogas até eliminar o uso de palavras como “horror” na capa das publicações. Essas medidas prejudicaram a publicação de uma série de quadrinhos, especialmente policiais e de terror, mas também chegou aos super-heróis, cujas histórias se tornaram mais caricatas e ingênuas. O exemplo mais clássico é o sumiço do Coringa nas revistas do Batman, afinal, todas as ações do vilão foram proibidas pelo código.
Décadas depois, Neal Adams assumiu a HQ do Lanterna Verde com o roteirista Dennis O'Neil, e lá promoveu uma nova dinâmica para o herói. Ao invés de vagar por setores distantes, Hal Jordan andaria pelos Estados Unidos combatendo adversidades reais de seu planeta. Essa jornada surge após um desafio do Arqueiro Verde, herói com uma forte veia contestadora que já estrelava histórias de cunho social na época. Os dois então partiram em uma jornada pelo país e se depararam com diversos problemas, como racismo, sistema judicial corrupto e fanatismo religioso. A revista, rebatizada como Lanterna Verde/Arqueiro Verde, por várias vezes esbarrou com o Código dos Quadrinhos, mas só encontrou obstáculo na edição #85, cuja capa mostrava Roy Harper, o ajudante mirim do Arqueiro Verde, usando heroína.
Neal Adams afirma que foi chamado de louco por Julius Schwartz, seu editor da época, que afirmou não poderiam publicar uma HQ essa capa - embora devessem, de acordo com o artista. Três meses depois, Adams visitou seu amigo John Romita nos escritórios da Marvel quando descobriu o lançamento da edição 96 da HQ do Homem-Aranha, em que o Amigão da Vizinhança salva um garoto que cai de um prédio por estar sob efeito de drogas. Justamente por deixar explícito que o personagem estava drogado, a revista não recebeu o selo de aprovação do código - o que não acarretou em nenhuma consequência para a Marvel.
Dias depois, ao descobrir que não houve repercussão negativa, Schwartz entrou em contato com Neal Adams para contar que a edição seria publicada. Embora não seja a primeira história a mostrar os males do consumo de drogas no meio dos super-heróis, a HQ do Lanterna Verde/Arqueiro Verde tem o valor histórico por estampar o problema na capa, retratando um mocinho sucumbindo ao vício, oficializando a diminuição do código à força em relação à publicação dos quadrinhos. Anos depois, a dupla Adams e O’Neil se aproveitou do enfraquecimento do selo ao trazer o Coringa de volta à revista do Batman. Na edição #251, a dupla publicou a história As cinco vinganças do Coringa!, que devolveu ao Palhaço do Crime sua faceta homicida que havia sido apagada graças ao rígido código - deixando o personagem tão descaracterizado que perdeu a popularidade com o público até simplesmente deixar de aparecer nas histórias.
Anos depois, Neal Adams voltou a protagonizar uma nova batalha fora dos quadrinhos. Em 1975, após o anúncio de que o Superman chegaria aos cinemas no filme estrelado por Christopher Reeves, Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do herói, iniciaram uma campanha para que a DC Comics reconhecesse pública e financeiramente seu trabalho ao criar o Homem de Aço. A dupla gerou uma grande comoção por parte dos quadrinistas em atividade e encontrou em Neal Adams seu maior aliado. Nome forte na indústria, o artista aproveitou o momento para não só apoiar Siegel e Shuster a conseguirem reparação por erros do passado, como também passou a lutar por direitos dos quadrinistas no presente e futuro.
Em 1978, o artista ajudou a criar a Guilda dos Criadores de Quadrinhos, uma espécie de sindicato de quadrinistas que exigia melhores condições para os artistas cuja produção rendia lucros que ficavam majoritariamente para as editoras. O grupo fez uma série de exigências, como um pagamento padronizado por páginas e o retorno dos originais para os artistas, que poderiam vender seu trabalho diretamente para colecionadores. Embora algumas das exigências não tenham sido cumpridas - a ponto de artistas não receberem a quantia exigida na década de 1970 até hoje - uma boa parte delas foi atendida, como creditar criadores dos personagens em cada edição e a devolução das páginas.
Em quase 60 anos de carreira, Neal Adams ajudou a revolucionar a indústria dos quadrinhos de diversas formas. Lembrado por seu versátil trabalho artístico, que ajudou a ditar a estética dos quadrinhos a partir da década de 1970, o quadrinista se tornou uma lenda ao lutar por melhores condições para os criadores segue na ativa e é presença confirmada na CCXP19, onde terá um estande próprio e participará de atividades para celebrar os 80 anos do Batman.