“Valorizamos pessoas brancas contando histórias negras”, diz autor de Jeremias

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“Valorizamos pessoas brancas contando histórias negras”, diz autor de Jeremias

Terceira Graphic MSP do personagem sai no ano que vem

Omelete
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04.12.2022, às 10H54.

“Continuamos valorizando pessoas brancas contando histórias negras. Estamos batendo palmas para quem conta histórias que não são delas.”

Foi a declaração de Rafael Calça, roteirista das Graphic MSP de Jeremias, durante o painel de dez anos do selo com releituras da Turma da Mônica durante a tarde de sábado na CCXP22.

Estavam presente oito autores de Graphic MSPs recentes: Calça, Max Andrade (Anjinho), Camilo Solano (Cascão), Orlandeli (Chico Bento), Ana Resende (Mingau), Cora Ottoni (Denise), Vitor Cafaggi (Franjinha) e Carol Rossetti (Magali, em 2023), mais o editor Sidney Gusman.

Todos tiveram suas falas durante o painel, geralmente a respeito de como foram convidados para o projeto. Mas a de Calça foi a que teve mais impacto na plateia.

“A parceria já estava pensada na hora do convite, seríamos eu e o Jeff [Jefferson Costa]”, disse o roteirista, também contando como recebeu o convite. “Depois descobri que eu e o Jeff respondemos do mesmo jeito: agradecemos pela oportunidade, mas muito mais pelo personagem.”

A resposta tinha a ver com o apagamento de Jeremias nos quadrinhos da Turma. Calça contou que o garoto negro mal tinha sido um personagem de segunda linha em seus sessenta anos de quadrinhos. “Ele era de fundo. Ele nem mora no Bairro do Limoeiro. A gente não conhecia os pais dele.”

O editor Sidney Gusman corroborou, dizendo que justificou com Mauricio de Sousa não só o personagem, mas o tema que queria abordar na história – racismo na infância – mostrando que Jeremias nunca havia aparecido em uma capa de revista da Turma.

Calça contou que tinha duas cenas na primeira reunião sobre o projeto: a da escola, quando a professora propõe um trabalho sobre profissões e Jeremias é encarregado de falar de pedreiros; e a do pai de Jeremias dizendo que o filho não tem privilégio ou prerrogativa para comprar briga na escola, porque isso tem um peso maior para quem é negro.

“O Jeff ficou receoso”, disse Calça. “Como não tem histórias que falam desse racismo, não com um megafone tão grande como esse, poucas pessoas vão se importar. Ele [Jefferson Costa] disse: ‘aposto que vai ser a Graphic menos vendida.’”

Sidney Gusman disse que Costa perdeu a aposta: Jeremias: Pele é uma das Graphic MSPs mais vendidas da linha; ganhou o Prêmio Jabuti em 2020; há planos de um seriado live-action baseado no personagem, especificamente na versão da Graphic MSP; e teve uma continuação, Jeremias: Alma;. Mais uma continuação, Jeremias 3, ainda sem título anunciado, mas com a mesma dupla de autores, foi anunciada na sexta-feira da CCXP 22.

“A gente não estava preocupado em agradar leitores que não fossem negros”, disse Rafael Calça. “A gente queria que o leitor negro se sentisse valorizado. Sem desprezar o carinho de quem aqui é branco, vocês não são o público.”

E reforçou: “Acima de tudo, queríamos agradecer pela oportunidade. Se não fosse uma Graphic MSP, com estes personagens, a mesma história não chegaria aos mais vendidos, a prêmio Jabuti, a série de TV. O mercado é racista. Temos que aproveitar a oportunidade de fazer histórias que não existem pra gente.”

No momento das perguntas da plateia, um leitor que se identificou apenas como colecionador de mangás disse que havia saído correndo para comprar Jeremias: Pele depois da fala de Calça, e que seria seu primeiro quadrinho brasileiro. A plateia aplaudiu.

Rafael Calça também está lançando na CCXP22 o álbum O Fim da Noite, em colaboração com o artista Diox. A HQ venceu o Prêmio Machado Darkside.

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