É bastante grande a pressão sobre A Bússola de Ouro (The Golden Compass, 2007). Primeiro pelos 180 milhões de dólares que foram investidos na sua produção e criaram lindos cenários e animais falantes e transmorfos. E depois pela duríssima missão de "substituir" a trilogia O Senhor dos Anéis, que dominou as bilheterias de dezembro entre 2001 e 2003. O projeto faz parte da busca de Hollywood por uma nova história seriada de fantasia, que viu nos últimos dois anos tentativas com As Crônicas de Nárnia e Eragon. Se a primeira faturou 730 milhões ao redor do mundo e garantiu uma continuação para 2008, a outra está de molho, apesar dos 245 milhões de dólares obtidos nas bilheterias.
Apesar de ainda ser cedo para dizer o que vai acontecer com A Bússola de Ouro, uma coisa já é certa: faltou aos produtores e ao roteirista/diretor Chris Weitz (American Pie, Um Grande Garoto) um pouco mais de ousadia. Um dos tópicos que mais chama a atenção na trilogia Fronteiras do Universo é seu tom contestador quanto à Igreja, que domina o mundo fazendo-se valer de artimanhas vis, fato que rendeu ao escritor Philip Pullman os títulos de "satanista" e "porta-voz do ateísmo". No filme, esta postura autoritária do Magisterium, deixa de ser teológica para ser política, algo provavelmente pensado para acalmar a ira das velhinhas católicas mundo afora.
A Bússola de Ouro 3
A Bússola de Ouro 2
A Bússola de Ouro 1
Por outro lado, sobrou aos mesmos cineastas arrogância. O filme, o primeiro de uma suposta trilogia, tem um final inconclusivo, que só fará sentido se o segundo capítulo for produzido. Pior, este fim foi filmado, mas deixado de lado na sala de edição, para servir de início para o A Faca Sutil. O problema é que os resultados têm sido apenas medianos, tanto entre os críticos quanto nas bilheterias. E agora fica aquela dúvida: o que fazer? Investir o que não se ganhou para continuar a história nos cinemas? Lançar o filme "inteiro" nos DVDs para ver se assim ele deslancha? Alguém vai ter muito o que pensar pelos próximos meses.
Tempo, aliás, é outra coisa que parece ter faltado durante a adaptação do livro para as telas. A vontade de colocar logo o filme nas ruas tornou o longa-metragem em uma correria sem fim. A pequena Lyra Belacqua (interpretada pela estreante Dakota Blue Richards) vai em poucos minutos de órfã tutelada por um duro Lorde Asriel (Daniel Craig) a protegida da Sra. Coulter (Nicole Kidman) e, em seguida, aventureira em busca do seu amigo desaparecido. Pelo caminho, ela vai encontrando gipcios, caubóis que pilotam aeronaves e ursos polares guerreiros. Não sobra assim tempo para desenvolver os personagens e consequentemente de fazer com que o público se preocupe com eles. A linda Eva Green (Sonhadores, 007 - Cassino Royale) é o maior exemplo de talento desperdiçado. Como Serafina Pekkala, a rainha das bruxas, ela tem poucos minutos na tela e não consegue provar a necessidade de seu personagem existir, aparecendo apenas nas horas das batalhas, quando alguém voando e atirando flechas nos inimigos sempre é bem-vindo.
Quem leu os livros ou acompanhou aqui no Omelete a cobertura do filme sabe que uma das poucas diferenças do mundo em que vive Lyra para o nosso é que as almas dos personagens não ficam presas aos corpos. Elas têm formas de animais e são chamadas de dimons. Fazendo uma analogia com a própria obra de Philip Pullman, parece até que o dimon do livro foi separado à força, restando apenas uma casca oca e triste.