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A conquista da honra

Clint Eastwood e a batalha de Iwo Jima

01.02.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H21

Hoje em dia é fato cotidiano o sucesso de filmes devido a qualquer tipo de polêmica que os circunde. Não me recordo, no entanto, de um projeto ter sido sensivelmente melhorado por conta do barulho alheio antes da dobradinha A conquista da honra (Flags of our fathers, 2006) e Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006), ambos dramas de guerra do septuagenário Clint Eastwood.

Melhorado porque, sozinho, A conquista da honra seria apenas mais um filme de guerra (dos modernos, vale dizer, com um pano-de-fundo de denúncia e análise contemplativa). Ao lado de Cartas de Iwo Jima, porém, torna-se uma experiência cinematográfica única na sua escala grandiosa: dois lados de um conflito observados simultaneamente, sem concessões.

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A idéia surgiu quando Eastwood manifestou seu desejo de filmar a batalha de Iwo Jima, momento crucial da Segunda Guerra Mundial no Pacífico, a partir do livro Flags of Our Fathers: Heroes of Iwo Jima, de James Bradley - filho de um dos "heróis de Iwo Jima". Imediatamente as autoridades japonesas manifestaram-se. O governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, pediu ao cineasta que respeitasse os mortos no trabalho. Alguns meses depois, Eastwood anunciava o filme-irmão de Conquista da honra, com roteiro da descendente de japoneses Iris Yamashita e do experiente e versátil Paul Haggis, que cuidou dos dois textos.

A visão estadunidense do confronto chegou primeiro às telas. O centro da trama é uma imagem icônica, a fotografia tirada por Joe Rosenthal, da Associated Press. Ela mostra seis soldados hasteando a bandeira dos Estados Unidos no topo do monte Suribachi, suas silhuetas sem face lutando contra o peso de um pedaço de cano japonês improvisado como mastro. Tal registro é tão expressivo e poderoso que virou peça-chave da propaganda estadunidense para a captação de bônus de guerra, recursos que financiaram o desenrolar da campanha bélica na década de 1940. Famílias viam naquela foto seus próprios filhos, distantes um planeta, e tinham a esperança de um retorno.

O drama, com belíssima fotografia lavada e simbólicos contraluz de Tom Stern (que trabalhou com o diretor também em Menina de ouro, Sobre meninos e lobos e Dívida de Sangue), divide-se assim em dois momentos. O primeiro, os sangrentos combates na ilha, que tiraram a vida de 21 mil soldados japoneses e 6,8 mil jovens ocidentais, cuja comparação estética com Resgate do soldado Ryan e Band of Brothers é inevitável (até porque Steven Spielberg é um dos produtores). O outro é a turnê dos sobreviventes da célebre foto - John Bradley (Ryan Phillippe), Rene Gagnon (Jesse Bradford), Ira Hayes (Adam Beach) - pelos Estados Unidos, convenientemente transformados em heróis pelas autoridades, mesmo que isso não significasse exatamente a verdade.

Os segmentos se intercalam num bem aparado quebra-cabeças que, quando pronto, revela o claro desdém com que Eastwood vê a guerra - qualquer guerra - e a hipocrisia com a qual governo trata o assunto e seus ditos "heróis" desde então.

Fica apenas a ressalva à contratação preguiçosa de Adam Beach para o papel mais importante do filme, o de Ira Hayes, nativo-americano da tribo dos Pima, lembrado em canções de Johnny Cash e Bob Dylan pela maneira como combateu, foi explorado e "morreu bêbado uma manhã, sozinho na terra que ele lutou para salvar" ("The Ballad of Ira Hayes", letra de P. LaFarge, 1964). Preguiçosa porque Beach já havia feito papel de soldado no mediano Códigos de guerra (2002) e um ator nativo, com treinamento militar básico para atuação, deve ter parecido uma solução fácil para o diretor de elenco. Mas, careteiro, ele é incapaz de fazer justiça ao tormento psicológico pelo qual passou Hayes, que merecia uma melhor interpretação na telona. Outro problema do filme é a tendência de Eastwood a explicar demais, não confiando em seu público para entender as lições - ou talvez temendo parecer exageradamente patriótico ou desrespeitoso.

De qualquer maneira, tais problemas tornam-se meros incômodos quando A conquista da honra é colocado lado-a-lado com Cartas de Iwo Jima e tem sua estrutura e intenções, feito a bandeira que sangrou o solo japonês, desfraldadas. Se os filmes anteriores do cineasta têm como tema em comum o remorso, este não foge à regra. Mas o sentimento de culpa aqui é pela humanidade.

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