É curioso como o gênero dos musicais é tão pouco explorado pelos cineastas. Basta pensarmos nesse estilo para que venham à mente filmes que alternam cenas dramatizadas com seqüências de dança e música, em que seus protagonistas saem dando piruetas e cantando seus sentimentos. Essa é a fórmula do gênero e poucos se atrevem a tatear suas barreiras - ou mesmo estender a mão além delas.
Nos últimos anos só me recordo de Michael Winterbottom ter experimentado algo assim com seu 9 Canções. Mas o filme agora ganha companhia: A pequena e independente produção irlandesa Apenas Uma Vez (Once, 2006), do diretor e roteirista John Carney.
Apenas uma vez
Apenas Uma Vez
No filme, passado em Dublin, um músico de rua conhece uma imigrante pianista e começa com ela uma colaboração musical inesperada. Inspirado pela nova amiga - e obviamente interessado nela... "você é linda e estou tão sozinho" - o homem reúne forças para mudar sua situação e tentar a sorte através de seu talento.
O fiapo de roteiro pode não impressionar ninguém. E nem deveria. O filme resulta memorável pela sua habilidade em fazer o que parece óbvio a qualquer produção: Deixar que seus personagens guiem a história. O universo de Apenas Uma Vez é real, povoado por pessoas de verdade, com sentimentos de verdade que afloram através das belas canções da trilha sonora. O cineasta e o diretor de fotografia Tim Fleming apenas acompanham de perto os atores, sem excessos, sutilmente evidenciando - câmera no ombro - detalhes da crescente conexão entre os dois.
Preste atenção na cena da loja de instrumentos musicais, prova dessa sensibilidade. É bela metáfora de início de relacionamento. Uma nota tímida aqui, um ensinando ao outro uma nova dinâmica ali, os dois buscando os mesmos acordes. O futuro pode ser uma música, um álbum ou apenas uma canção isolada, seja ela perfeita ou fora do tom. As chances e os riscos do relacionamento rumarem por um caminho ou o outro são infinitos. E parte do processo de amadurecimento é medir tais riscos.
Essa primeira música que os dois personagens - que não têm nomes, vale notar - tocam juntos se chama "Falling Slowly". E se o ator estreante Glen Hansard parece tocá-la e cantá-la de maneira belíssima é porque é ele mesmo o compositor e intérprete da canção. Hansard é vocalista da banda dublinense The Frames, da qual - não por acaso - o diretor do filme participou como contrabaixista até 1993. E a moça, vivida pela tcheca Marketa Irglova, também não é estranha ao estilo dele. Ambos trabalharam juntos no álbum The Swell Season, contemporâneo do filme.
Apenas Uma Vez resulta assim não um longa que usa a música apenas como linguagem, mas um que a emprega também como tema. O romance é menos físico e mais pelo processo criativo. O relacionamento se torna colaboração - e há poucas coisas tão românticas quanto isso.