A piada que se conta é que o stand up brasileiro endeusa nomes como Richard Pryor, Jerry Seinfeld e Louis CK mas esquece que a "comédia em pé" já se fazia no país desde os tempos de Costinha. Bruno, o personagem de Bruno Mazzeo em Cilada.com, é um sinal destes tempos: implica com a mulher que fala português errado mas não acha ruim o amigo que pronuncia mal expressões em inglês.
cilada.com
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Não é de estranhar, portanto, que o filme produzido, escrito e estrelado por Mazzeo - sobre um cara que trai a namorada (Fernanda Paes Leme) e, como vingança, tem um vídeo com sua efêmera performance na cama exposto na web - recorra a tons e situações derivados das comédias românticas hollywoodianas.
Dá pra listar. Vai do humor de constrangimento (casal fazendo DR em público enquanto a câmera fecha nos rostos de estranhos), aos clichês mais batidos do gênero (cena clipada do cara revisitando sua agenda de telefones, declaração de amor na chuva), passando pelo be-a-bá da fofura indie (gente de coração partido sentada na beirada do terraço ou no sofá ao lado da boneca inflável). O ápice das "sacadas" recicla o clipe de "Subterranean Homesick Blues".
Cilada.com passaria sem grandes traumas se o problema fosse só o déjà vu (e o timing falho das piadas). O que pega, de verdade, no filme dirigido por José Alvarenga Jr. (Divã, Os Normais - O Filme) não é a tendência americanófila do comediante de stand up, mas o seu umbiguismo.
(A partir daqui, o texto contém referências ao desfecho do filme.)
Já não é fácil se identificar com um personagem como Bruno, cujo ego não lhe permite ver que, além de ruim de cama e mau namorado, também é um péssimo publicitário. Nossa relação com ele termina comprometida porque o roteiro não deixa que a redenção do adúltero se consuma. Situações típicas de segundo ato - o protagonista cruza com várias outras mulheres antes de descobrir que gosta daquela que traiu - se estendem até o terceiro. É cabeça de escritor de esquetes; as situações de humor se acumulam sem que, necessariamente, contribuam para o arco do personagem.
E aí o chauvinismo de Bruno fica latente. O inferno são sempre os outros - a mulher iletrada, a mulher que tem bafo, a mulher que tem um pênis - e, sem entender qual o problema de verdade, ele se contenta com aquela mulher que não o ofende. O discurso da personagem de Carol Castro que desperta Bruno é desconcertante: ela basicamente diz que permanecer com uma pessoa só pra não ficar sozinho é uma forma de amar.
Em outras palavras, a questão é não perder a plateia. O personagem tem a ilusão de que torna-se uma persona pública com o vídeo na Internet, mas já atuava como "performer" desde o começo (a traição é exposta em um tablado, o do casamento) e segue assim ao longo do filme (as apresentações na agência de publicidade, na frente do prédio da namorada, a catarse da cena do perdão, tudo é um palco e sempre há um público). Perto do final do filme, Bruno relembra um dos seus melhores momentos de namoro (por ser o último flashback presumimos que é o mais importante), quando os dois se agarram dentro de um cinema vazio. A luz refletida da tela ilumina o rosto do bolinado herói - é a imagem definitiva do artista narcisista.
Ano: 2011
País: Brasil
Classificação: 14 anos
Duração: 95 min
Direção: José Alvarenga Jr.
Roteiro: Bruno Mazzeo, Rosana Ferrão
Elenco: Bruno Mazzeo, Fernanda Paes Leme, Carol Castro, Serjão Loroza, Augusto Madeira, Fabiula Nascimento, Fulvio Stefanini, Thelmo Fernandes