Quem conhece o produtor, roteirista e diretor Paul W. S. Anderson por suas adaptações de games ao cinema, como Mortal Kombat e Resident Evil, não vai estranhar Corrida Mortal (Death Race, 2008). Na verdade, dos filmes de Anderson Corrida Mortal é o que mais se parece com um videogame.
No filme - que em teoria é baseado em Corrida da Morte - Ano 2000 (1975) mas não tem nada a ver com o original - Jason Statham vive um ex-piloto condenado por um crime que não cometeu. Mas ele pode ganhar a liberdade se aceitar correr na tal corrida: uma carniceira disputa em arena fechada, televisionada para o mundo todo, organizada pela diretora da penitenciária (Joan Allen). Como o próprio nome diz, o difícil é chegar vivo à bandeirada final.
corrida mortal
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As analogias mais visíveis com os videogames vão de itens na pista (defesas e armamentos que se coletam no melhor estilo Mario Kart), passando pelas informações na tela (vinheta da corrida, colocações dos pilotos), até a distribuição dos desafios (depois da morte de alguns corredores surge um "chefe-de-fase", corrida dividida em três estágios, etc.). Mas também o didatismo de Corrida Mortal tem mais a ver com o imediatismo dos games do que com cinema.
A começar pela apresentação de Jason Statham, uma imensa cut-scene. Anderson deve usar, nos primeiros cinco minutos, umas três formas diferentes de nos empurrar que aquele personagem é "um homem bom": trabalhador, bom pai, justo, amigo, amoroso. Chegando na prisão, é o protocolo de sempre: ele vai surrar o cara mau pra marcar terreno, apanhar do guarda e vai ficar amigo do detento sábio/veterano/intelectual.
Anderson não se limita a seguir todas as fórmulas, ele quer deixar tudo bem explicado. Quando a gostosa desce do carro, por exemplo, toca ao fundo um rap com voz feminina, "I'm so sexy...". Quando uma cena vai ser climática, ou já foi, o "detento sábio", vivido por Ian McShane, sempre tem uma frase de efeito: "Senhores, isso vai ser interessante", "Isso que é entretenimento" ou a clássica "Eu adoro esse jogo".
O lado ruim de ficar analisando o filme, ao invés de se deixar anestesiar pelos tiros, é que as trapaças do roteiro irritam, de tão evidentes. Statham tem co-piloto, por exemplo, porque o diretor quer nos explicar do cockpit todas as regras da corrida nos mínimos detalhes. E a diretora da penitenciária tem um ajudante sádico porque ela precisa verbalizar seus planos, deixar claro o que pretende com o herói (e vilão que fala sozinho é cientista maluco ou saído de paródias de 007).
Corrida Mortal é uma ordenação sem fim de didatismos que subestimam a capacidade do espectador de entender algo por si próprio (sem contar a clicheria, claro, do ajudante nerd, do mecânico latino, das equipes divididas entre negros, orientais e russos, etc.). E como o filme tem formato de jogo, Anderson ainda nos dá o replay daquela cena marcante da corrida. É o hiperdidatismo.
Ou seja, se você se contenta com uma gostosa em câmera lenta, vá em frente. Se não gosta que te tratem como idiota, vá jogar um videogame de verdade.