Seria muito fácil dizer que a comédia dramática Um Lugar Qualquer (Somewhere), o quarto filme de Sofia Coppola, marca a volta da diretora ao terreno seguro de Encontros e Desencontros, depois dos riscos de Maria Antonieta. São muitas as semelhanças entre os dois filmes, é evidente, mas há também uma mudança no olhar.
O ator de filmes de ação Johnny Marco (Stephen Dorff), assim como Bill Murray em Encontros e Desencontros, fez check-in no purgatório da fama e não tem previsão para sair. É a companhia de uma loira delicada - desta vez, em relação literalmente paternal - que oferece ao personagem um senso de autenticidade. Ao lado de sua filha Cleo (Elle Fanning) em alguns dias em Hollywood e na Itália, Johnny desperta das miragens.
sofia coppola
somewhere
somewhere
Em Encontros e Desencontros, a câmera seguia Bill Murray e Scarlett Johansson a meia distância, em enquadramentos duros, frontais, um pouco à Wes Anderson, para aumentar a sensação cômica de deslocamento dos dois em Tóquio. Já a câmera de Somewhere tenta ser mais sutil (fica à diagonal, invisível, quando retrata os entornos) e ao mesmo tempo mais urgente (os close-ups em Dorff são constantes, às vezes com câmera na mão).
Com essa mudança de aproximação, Sofia Coppola procura entender o seu protagonista melhor. "Quem é Johnny Marco?", pergunta ao ator um jornalista em uma coletiva de imprensa. O mundo ilusório para nós está claro desde o momento em que a dançarina de pole dancing se multiplica como uma vertigem, mas seria Johnny Marco também um delírio? Em dois planos - a cena da coletiva e do molde na cabeça - a câmera se aproxima de Dorff com um zoom-in lento. É como se o personagem exigisse cuidado no toque, para não desintegrar à nossa frente.
Se Johnny Marco exige cuidado, se pede um olhar atento, é porque talvez seja não uma pessoa fora de lugar, mas uma pessoa que, como a conhecemos, só pode existir naquele único lugar (o gesso no braço é uma grande sacada, como se tudo em Johnny Marco fosse transitório, com exceção da tatuagem com o nome da filha). A questão essencial em Somewhere, assim como em Encontros e Desencontros, não é a inadequação, e sim a adequação: de que precisamos para ser completos onde estamos?
Enxergar que existe uma parcela de verdade dentro de um cenário hollywoodiano de aparências - o violeiro do hotel, os games que não escondem ser uma imitação da realidade - é o grande passo que Sofia Coppola dá aqui. A essa altura da carreira, negar que a vida se faz de máscaras, ademais, seria um retrocesso. Assim como fez o zoom-in antes, a câmera executa o zoom-out na cena em que Johnny e Cleo estão estirados à beira da piscina do hotel Château Marmont. O movimento abre o quadro e nos revela o entorno, e ali os dois parecem desfrutar a plenitude. A câmera se afasta para eternizar o momento.
A especialidade de Sofia é pensar sempre esses instantes singelos que seriam perfeitos para encerrar um filme. Mas Somewhere não termina ali, à beira da piscina. O final acontece bem depois, e é uma decepção. Não só por ser um desfecho de uma ingenuidade tremenda, mas especialmente por tirar de Johnny Marco tudo aquilo que, a nós, o tornava real.
Entrevista | Stephen Dorff
Entrevista | Sofia Coppola
Um Lugar Qualquer | Cinemas e horários
Ano: 2010
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 98 min
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Stephen Dorff, Chris Pontius, Erin Wasson, Alexandra Williams, Nathalie Fay, Kristina Shannon, Karissa Shannon, John Prudhont, Ruby Corley, Angela Lindvall, Maryna Linchuk, Meghan Collision, Jessica Miller, Elle Fanning, Lala Sloatman, Eliza Coupe, Ellie Kemper, Michelle Monaghan, Laura Ramsey