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A Sessão da Tarde ganhou um tom macabro, gótico, com cores que fazem a gente pensar em filmes preto-e-branco colorizados. A fantástica fábrica de chocolate (Charlie and the chocolate factory, 2005) é menos um filme para crianças e mais uma fábula distorcida em que o menino pobre e bonzinho ganha o maior prêmio de todos - e danem-se as outras crianças.
Seria difícil esperar outra coisa de Tim Burton. O diretor que nunca negou a fama de esquisitão se aproxima mais do tom de fábula de um Edward, Mãos de Tesoura do que do heroísmo forçado de Batman. Sua fábrica de chocolate tem muito da casinha de chocolate de Hansel e Gretel: brilhante, atraente e com aquele componente fatal. A diferença é que se você comer muito rápido, vai perder o melhor da festa.
No caso, os detalhes da produção, as pequenas coisas que começam a ser construídas na cabeça do diretor. Sua visão nunca vale só para um filme. Entenda tudo como um universo. Como se Tim Burton fosse uma espécie de Sandman, criando seus sonhos em pontos diferentes do Sonhar, mas todos com aquela característica levemente tenebrosa. O sol nunca brilha completamente no universo de Burton.
A história é manjadíssima, provavelmente muito mais por causa das frequentes sessões da tarde do que pela leitura do romance de Roald Dahl. Um dia, sem mais nem menos, o famoso milionário excêntrico Willy Wonka, decide reabrir sua incrível fábrica de chocolates. O prêmio será dado a cinco crianças que encontrem os tickets dourados escondidos em barras de chocolate Wonka. A caçada começa no mundo inteiro e só Deus sabe quanto o pobre menino Charlie Bucket ansia pela chance de visitar a fábrica sob a qual se ergue a casinhola em que mora com sua família (os avós dos dois lados incluídos). A sorte decide brilhar para o menino, que se vê acompanhado de quatro pentelhos com defeitos tão distintos quanto o castigo que lhes está reservado dentro da imensa fábrica.
Em vez de Gene Wilder como anfitrião, entra o charme irresistível de Johnny Depp - com toda a habilidade de se transformar em mais um tipo estranho no mundinho Burton. Seu Willy Wonka, o gênio chocolatier que abandona o convívio humano por sua incapacidade de se relacionar com algo que não seja doce, é baseado nos apresentadores de game shows. Seus dentes perfeitos são quase uma piada californiana dos programas que transformam gente confusa em celebridades da plástica. E, ainda assim, tudo se encaixa tão perfeitamente, que Depp lembra Jack Skellington enquanto caminha por seus domínios.
Como o pobrezinho Charlie, Freddie Highmore parece um ator do cinema mudo. Quando a luz o ilumina, ele é a própria pureza, ingenuidade, altruísmo. Um poço de bondade. Não circula em águas muito profundas, como Haley Joel Osment, mas faz tudo o que se espera de seu personagem. Apesar da pobreza forçada, sua casa resplandece de amor e sopa de repolho. Os pais (a sempre ótima Helena Bonham Carter e Noah Taylor) se adoram, apesar de completamente duros, e os avós dividem todos a mesma cama. O único que ganha permissão de sair dela é o veterano David Kelly, o avô Joe que um dia trabalhou para Wonka e volta a se sentir jovem quando descobre que vai acompanhar o neto na jornada.
Os outros jovens atores se encaixam bem nos personagens de Burton, movidos por seus defeitinhos e, ainda assim, muito parecidos com as crianças de hoje em dia. A imprensa britânica divertiu-se especialmente com Violet (AnnaSophia Robb), a menina que nada mais é do que uma cópia de sua mãe, em agasalho pink e sorriso artificial, cujo lema é "Sou uma vencedora". Perto dela, o viciado em videogames violentos Mike (Jordan Fry) é só mais um pentelhinho de shopping e o alemãozinho comilão Augustus (Philip Wiegratz) somente um coitado de um menino obeso... A única oponente à sua altura é mesmo Veruca, a mimada filha do lorde inglês, interpretada por Julia Winter. Seu narizinho empinado faz a gente ter vontade de passar a perna só para ver a empoada levar um tombo...
É esse componente de maldade, aliás, que faz a graça de A Fantástica Fábrica de Chocolate. Por isso, de longe, o personagem mais interessante - e o mais assustador - é mesmo o pai de Willy Wonka, um dentista perfeccionista que ganha tintas sombrias graças à maestria e à voz de Christopher Lee. Se de peruca branca ele metia medo como o mago Saruman de O Senhor dos Anéis, imagine com uma broca na mão...
Em uma palavra? Wicked, como diz a garotada em Londres.
Autor: John August
Ano: 2005
País: Estados Unidos/Reino Unido/Austrália
Classificação: LIVRE
Duração: 115 minutos min
Direção: Tim Burton
Roteiro: Roald Dahl
Elenco: Johnny Depp, Freddie Highmore, AnnaSophia Robb, Julia Winter, David Kelly, Helena Bonham Carter, Noah Taylor, Jordan Fry, Philip Wiegratz, James Fox, Franziska Troegner, Missi Pyle, Christopher Lee, Deep Roy, Oscar James, Liz Smith