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Existe uma explicação grossa, mas muito simples, para essa coisa do "crítico que nunca gosta de nada". Quem vive de cinema busca o diferente, a surpresa. O público procura o seguro, o igual. Com ingressos que já chegam em São Paulo a 20 reais, a audiência tem mesmo que investir no que conhece, nada mais justo. Mas um pouco de originalidade, de risco, faria bem a alguns filmes, não? O que a indústria faz, neste caso, é variar sobre os mesmo temas.
E se fosse verdade (Just like heaven, 2005), por exemplo, faz de conta que muda, para deixar tudo como está. A comédia romântica trata, como todas, dos caminhos que levam ao encontro de duas pessoas que nasceram uma para a outra. No caso, um é só um cara normal mesmo, mas a outra é uma fantasma.
David (Mark Ruffalo) acaba de se mudar a São Francisco para tentar esquecer um trauma recente, a morte de sua esposa. Só não desconfia que o apartamento que alugou era ocupado por uma médica workaholic (Reese Witherspoon) que acaba de falecer tragicamente, com assuntos a acertar - e cujo espírito ainda vaga pelo apê. A fantasma não quer saber de estranhos em sua casa. David só pensa em viver sua tristeza sossegado. Dessa rixa do além nasce uma relação que pode salvar ambos.
O diretor Mark Waters se especializou nesse tipo de filme que subverte gêneros aos poucos, timidamente. Primeiro foi a clássica relação conturbada de mãe e filha em Sexta-feira muito louca (2003) - que também joga com elementos cientificamente inexplicáveis. Depois, foi a história de formação juvenil Meninas malvadas (2004). Em todos os três casos, o espaço de manobra de Waters é pequeno (há um roteiro-clicheria por trás e um produtor com metas a cumprir). Nos três casos, quem acaba fazendo a diferença mesmo é o elenco.
No caso de E se fosse verdade, Ruffalo carrega o piano nas costas, a ponto do pôster do filme, em que ele aparece apequenado diante da cara redonda da estrela, ser uma injustiça tremenda. O ator é daqueles raros profissionais que dão o sangue, não importa a encomenda, mesmo se for a comédia mais pueril, como De repente 30. Seu personagem aqui ostenta uma carga dramática pesada - esposa que morreu, recomeço em outro lugar - e Ruffalo não faz feio. Reese, por outro lado, tem dificuldade em achar o tom da sua personagem, entre o burlesco e o sereno. Mais uma vez, sua fotogenia e seus trejeitos carismáticos valem mais que o talento.
Não pense, vale repetir, que o tema sobrenatural vá transformar completamente a proposta do filme. As fórmulas da chamada romcom (abreviação de comédia romântica, em inglês) estão todas lá, como a divisão da narrativa em três atos - primeiro ato, contato do casal e começo do romance; segundo ato, um perigo surge para separá-los (nesse ato normalmente uma terceira mulher se atira sobre o cara, e a mocinha os flagra pensando ser uma traição); terceiro ato, o amor de verdade supera obstáculos. O fato dos obstáculos aqui serem do outro mundo não muda nada disso.
Quer dizer, muda um tantinho: ao invés da cena que mostra os dois se despindo de noite e amanhecendo com café na cama, temos aqui o casal deitado junto, com as palmas das mãos se unindo em conjunção etérea, com direito a luzes brilhando. É um jeito, assim, muito meigo de sugerir que David está tendo relações com uma descarnada. Agora, se você é do time que procura o diferente, experimente um Fale com ela. Necrofilia por necrofilia, Almodóvar é muito melhor.
Ano: 2005
País: EUA
Classificação: LIVRE
Duração: 95 min
Direção: Mark Waters
Elenco: Reese Witherspoon, Mark Ruffalo, Donal Logue, Dina Waters, Ben Shenkman, Jon Heder, Ivana Miličević, Caroline Aaron, Rosalind Chao, Ron Canada, Willie Garson, Gabrielle Made, William Caploe, Shulie Cowen