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Go Go Tales - Festival do Rio 2007

Abel Ferrara cria comédia em boate de striptease

03.10.2007, às 12H00.
Atualizada em 12.12.2016, ÀS 03H15

Go Go Tales (2007) é a primeira comédia proposital do polêmico cineasta Abel Ferrara. Mais acostumado a fazer filmes que flertam com a violência e a religiosidade, Ferrara abandonou seus temas preferidos, mas não o seu estilo de fazer cinema. A proposta aqui é ilustrar a relação conflitante entre a arte e o capitalismo. Questionar quanto o artista precisa se vender para conseguir atingir o seu nirvana criativo e sobreviver dentro das amarras empresariais.

A trama acontece na boate de strippers Paradise. O próprio nome do estabelecimento já é uma contradição. Ao mesmo tempo em que se torna um lugar mágico de resistência, é também onde os artistas vivem seu purgatório pessoal. Já na primeira tomada, Ferrara realiza um lindo plano envolvendo Ray Ruby, dono da casa noturna, e uma inocente bailarina. Logo depois vemos strippers seminuas circulando por entre as mesas dos clientes, um contraste visual que será explicado mais para o final da projeção.

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Ruby é o carismático dono de um cabaré em Manhattan que tem uma ótima decoração, cantores experientes e as mais bonitas e talentosas garotas. Mas por atrás dessa fachada paradisíaca, nem tudo está certo. Ray enfrenta uma iminente falência, suas dançarinas ameaçam fazer uma greve e até mesmo seu irmão, que também é seu financiador, pretende fechar o lugar. A proprietária do imóvel, Lillian, também está atrás de Ray, afinal, ele deve 4 meses de aluguel. Mesmo assim, o sonhador Ray não desiste, e arranja um esquema perfeito para vencer na loteria, mas seu bilhete misteriosamente some.

A assinatura de Ferrara

Ray Ruby mantém características de outros personagens criados por Ferrara. Por mais que os acontecimentos conspirem a favor, eles sempre terminam prejudicados. Seja por alguma redenção ou por causa do destino. O roteiro, escrito pelo próprio cineasta, é meio que uma combinação de A Morte do Bookmaker Chinês, de John Cassavetes, com A Última Noite, de Robert Altman. A diferença está na assinatura visual de Ferrara, que aqui utiliza o recurso de gags com uma alta dose de erotismo.

Ferrara passeia com sua câmera como se fosse um voyeur inserido dentro de uma Disneylândia dos prazeres. A cada seqüência o olhar se confunde com o da câmera, como se estivesse procurando o melhor ângulo do desfile de corpos seminus. As cenas são brevemente interrompidas por pessoas que passam na frente da câmera, e a reação espontânea do espectador no cinema é se mexer à procura do objeto observado, como se estivesse dentro da boate.

A narrativa acontece praticamente toda dentro da casa noturna, mas o produto final não é claustrofóbico. Isso graças ao ótimo trabalho do diretor de fotografia Fabio Cianchetti e do editor Fabio Nunziata. A única clausura acontece com o protagonista Ray Ruby. Ferrara conserva sua assinatura de criar uma atmosfera pesada para Ray com suas tomadas sombrias. A intenção é demonstrar o sufocamento que ele está enfrentando por causa do estado financeiro em que a sua boate se encontra. Fica a impressão de que estamos na parte mais perigosa de Nova York ou a Gotham City dos quadrinhos.

A suavidade vem dos muitos diálogos que foram improvisados pelos atores. Sabendo que eles seriam o contrabalanço humorístico da trama, o diretor convidou alguns costumeiros colaboradores. Os veteranos Bob Hoskins (o maitre da boate) e Sylvia Miles (Lilliam, a proprietária do imóvel) roubam diversas cenas. Vale ficar no cinema ao final da sessão só para escutar a música cantada por Miles durante os créditos. Mathew Modine faz o irmão de Ray que é um dono de salão de cabeleireiros e protagoniza um diálogo hilário com a atriz Asia Argento na tentativa de seduzi-la. Asia, aliás, é outra que interpreta um papel que é sua cara: uma stripper que se apresenta acompanhada de um Rottweiler.

Ray Ruby é interpretado brilhantemente por Willem Dafoe. Ele é o escolhido para ser o alter-ego de Ferrara. Seu discurso sobre a relação do sonho com a realidade é fantástico. Até as strippers são utilizadas como metáforas. Elas vendem erotismo na boate com o objetivo de terem uma chance de mostrar seus verdadeiros talentos. Chega a ser nonsense os atributos intelectuais que elas possuem escondidos dentro de seus corpos perfeitos. Imagens que demonstram que o sexo é sagrado e a beleza é profanada. Mesmo o cozinheiro (interpretado pelo rapper Pras Michel) da boate acredita que é um gourmet de uma cozinha internacional. Percebe-se durante toda a narrativa que a metralhadora denunciativa de Ferrara está a serviço de um outro objetivo também: a diferença em fazer cinema como arte em detrimento das altas bilheterias. Isso traduz o momento real do cineasta. Seus últimos filmes não conseguiram distribuidores. Só chegaram aos cinemas por causa da exibição prévia em festivais. Uma triste verdade retratada através de sua arte.

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