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Amor para Sempre | Crítica

<i>Amor para sempre</i>

29.09.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H18

Amor para sempre
Enduring love - 100 min
Inglaterra, 2004
Suspense/Drama

Direção: Roger Michell
Roteiro:
Joe Penhall, baseado em livro de Ian McEwan

Elenco: Daniel Craig, Samantha Morton, Bill Weston, Rhys Ifans, Bill Nighy, Susan Lynch, Ben Whishaw, Justin Salinger

Existem associações que não devem ser feitas. Amor para Sempre (Enduring Love, Inglaterra, 2004), baseado no best-seller britânico homônimo, de Ian Mc Ewan, é dirigido pelo sul-africano Roger Michell, que, conforme o cartaz do filme indica, é o mesmo de Um Lugar Chamado Notting Hill. Não espere, com isso, encontrar a leveza de uma história utópica que muitos gostariam de viver na pele, um conto de fadas desenvolvido pela narrativa convencional e protagonizado por astros de cachês altos. Amor para Sempre é um filme mais low-profile e, justamente por causa disso, se permite certas liberdades para as quais a grande indústria torce o nariz.

Entre essa produção pequena e o blockbuster citado há semelhanças que se resvalam, mas o que compõe este último trabalho é a fuga dos elementos anteriores. Há em ambos a convivência de mundos distintos: um marcado pela fama (no caso de Amor para Sempre, apenas um certo reconhecimento profissional e notoriedade entre os alunos) e outro pelo anonimato. Os dois filmes lidam com a química que se produz no relacionamento assediado entre dois universos que, em tese, pelas leis da natureza, nem deveriam se tocar. Existe um interesse do diretor em tecer as conseqüências e os efeitos daquilo que o acaso produz. Na comédia romântica, essa interação é tão improvável quanto positiva. Neste último caso, a coisa vai prum caminho mais tortuoso e neurótico.

Entre um filme e outro, Michell também dirigiu Fora de controle (2002), um thriller psicológico em que Ben Affleck é um advogado bem-sucedido que se desentende no trânsito com Samuel L. Jackson e, a partir daí, por causa de uns documentos que se perdem, Jackson passa a chantagear o mauricinho. Aí sim o conflito é mais claro, bem como a relação obsessiva firmada entre os pólos economicamente opostos. Parece que, com estes três exemplos, o diretor dá a impressão de querer filmar a busca pela compreensão e pela aceitação entre células que apenas se esbarram na sociedade. Passando por caminhos contundentes em maior ou menor escala, em que a trama adocicada entra como opcional, Michell explora com cuidado a riqueza que pode surgir entre pessoas que, na prática, apenas estão numa mesma fila de banco. Às vezes ele mantém esse tom fantasioso de conto infantil e revista de celebridades. Às vezes dá a impressão de ser um marxista justiceiro da sorte. Em Amor para sempre, carrega um pouco mais da segunda alternativa, com um toque a mais de outro poder econômico: a religião.

Em um pacato dia de primavera, Joe Rose (Daniel Craig) convida sua namorada Claire (Samantha Morton) para um piquenique. O vinho mais caro seria o adereço para a pretendida entrar no clima de um momento especial, quando Joe entregaria a ela a aliança de noivado. Mas o que poderia ser um agradável almoço ao ar livre transforma-se num pesadelo na vida de Joe. Testemunhas de um acidente de balonismo, Joe Rose e Jed Parry (Rhys Ifans, o coadjuvante excêntrico de Notting Hill que rouba a cena nos dois filmes) acabam se conhecendo durante a tragédia, o que provoca o início de um relacionamento mórbido de fanatismo e cumplicidade que afetaria o destino de ambos.

Desprovido das imposições dos grandes estúdios cinematográficos, Michell opta pelo caminho da experimentação. A cena inicial, que sugere um clima mais contemplativo e uma direção mais fixa e deserotizada, é feita com cortes rápidos, ângulos inusitados, mais parecendo câmera na mão de filmes feitos em digital. Em princípio esse ambiente bucólico não exigiria pressa, pelo contrário, a não ser que o diretor propusesse uma ruptura de padrões ou, pelo tom investigativo dos planos, estivesse alardeando o espectador pra algo que fosse acontecer. Amor para sempre segue uma construção lógica de seqüências, mas entre elas há um quê de nonsense em muitos planos fixos. O casal namorando e, ao fundo, um baita balão caindo é a simbiose entre o romântico e o ridículo. Joe e Jed rezando a alma do morto espatifado em carne viva junto com uma vaca é uma das cenas mais insólitas do cinema britânico. O encontro de amigos, que num outro contexto seria registrado como a válvula de escape do filme, aqui é pra lá de enigmático. Joe e Claire procuram "uma luz de sabedoria" no grupo pra tentar entender melhor o que de fato aconteceu naquele piquenique. E a câmera filma essa reunião em planos escuros, fechados, sombrios. Os poucos diálogos dão a impressão de que amizade sincera é uma das últimas coisas que há entre eles. Em Amor pra sempre não há a opção pelo caminho mais fácil. Tudo está em fase de testes, em constante ebulição e alternância de voltagens. Suas ousadias filmadas trazem mais dubiedades do que afirmações. Michell usa a multiplicidade de escolha de ritmos, luzes e enquadramentos a seu favor. Não para mostrar erudição na captação de imagens, nem pra estampar um estilo cheio de modismos e pitis, mas talvez pra mostrar um paralelismo por meio de pictogramas entre os vários caminhos que o acaso propõe e a quase infinidade de modos de documentar essas incertezas.

Érico Fuks é editor do site cinequanon.art.br

Nota do Crítico
Regular
Amor Para Sempre
Enduring Love
Amor Para Sempre
Enduring Love

Ano: 2004

País: Inglaterra

Classificação: 16 anos

Duração: 100 min

Elenco: Daniel Craig, Rhys Ifans, Samantha Morton, Bill Weston, Bill Nighy, Susan Lynch, Ben Whishaw, Andrew Lincoln, Helen McCrory

Onde assistir:
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